O pôr-do-sol tinge o céu sobre o mausoléu de Chiang Kai-shek.
E como acontece, dia após dia, uma pequena formação de soldados elegantes, de botas negras e uniforme branco, avança pela praça majestosa, contorna o edifício também ele branco. Em absoluta sincronia, acerca-se de um poste centrado que ostenta uma bandeira vermelha, azul e… branca.
Cumpridos mais alguns passos da coreografia, sob o olhar curioso de uma meia dúzia de transeuntes, os soldados dobram o pano mais importante da República da China.
Este cenário imponente fica em Taipé, a capital taiwanesa. Apesar da solenidade, em nenhum outro território terá uma cerimónia de recolher ou içar da bandeira um significado tão dúbio como aqui.
A Prosperidade e Sofisticação Insular de Taiwan, a Ilha Formosa
Em redor, a riqueza e a sofisticação são indisfarçáveis. Transformaram esta ilha montanhosa e sobrelotada (22.5 milhões de habitantes em 35,980 km² ) num dos quatro Tigres Asiáticos, junto com a Coreia do Sul, Singapura e Hong-Kong, com um PIB per capita, em 2010. Superior ao do Japão e da França.
“Wait, wait, I come back” assegura o motorista que nos conduz por Taiwan por quinze dias. Vêmo-lo avançar até uma casota coroada por caracteres chineses de néon vermelho. Lá o atende uma jovem de mini-mini saia e top descaído.
Foi esta apenas a primeira de muitas ocasiões em que interrompeu a condução para comprar a noz de bétele que mascaria durante toda a viagem.
Taiwan tem destas coisas. São resquícios curiosos de um passado tradicionalista em que, abençoada pelo ambiente democrático, a religião continua a ter o seu papel.
A modernização da capital e restantes grandes cidades não anularam a existência quase rural do interior montanhoso.
À moda do extremo-oriente, Taipé revela-se simultaneamente caótica e organizada, cinzenta mas sedutora. Inspirou-se nas soluções dos vizinhos japoneses.
Até que se emancipou, sob as luzes dos seus próprios outdoors futuristas, inspirada pelas montras das multinacionais do luxo e pelas criações geniais dos engenheiros e programadores que forma.
Mesmo assim, nem todos os nativos estão para aturar para sempre os caprichos da metrópole frenética. Centenas de quilómetros depois de a deixarmos, paramos numa margem do Lago Sun Moon.
O Retiro Lacustre e Religioso do Grande Sun Moon Lake
Malgrado o nevoeiro, damos com três nadadores equipados a rigor. Pedimos para os fotografarmos. Solta a conversa, adiam as próximas braçadas para nos explicarem o porquê da sua actividade madrugadora: “Somos amigos, todos ex-professores …”, esclarece, em inglês, Julia Wang, a mais extrovertida do trio.
“Trabalhámos em Taipé os anos necessários para a reforma. Depois, refugiámo-nos aqui no Sun Moon. Como vêem, atravessamo-lo quase todos os dias para nos mantermos em forma… “ “Quando éramos mais jovens até gostávamos da vida de Taipé mas, com a idade, começámos a achar que este era o melhor lugar para a pátria retribuir os nossos serviços…”
A palavra é usada com frequência pelos habitantes da ilha. Em termos práticos, os taiwaneses não vivem num país.
Nem numa província ou dependência de outra qualquer nação.
Fazem parte da República da China, um caso de indefinição geopolítica único no mundo que, apesar da sua actualidade, se esboçou no longínquo ano de 1949.
A Génese da República da China, Ainda na China Continental
Durante a 2ª Guerra Mundial, ainda na grande China, o exército comunista de Mao Zedong e o nacionalista Kuomintang de Chiang Kai-shek uniram forças para expulsar o inimigo japonês.
Com o objectivo garantido, reataram a Guerra Civil, tal qual onde a tinham deixado, para decidir quem ficaria à frente do país.
Graças a um apoio soviético massivo, os comunistas inverteram o ascendente inicial nacionalista.
Em 1949, obrigaram o General Chiang Kai-shek e o seu exército de 600.000 homens, mais um milhão de outros apoiantes, a fugir para Taiwan, um reduto situado a 60 km ao largo da costa leste da China, governado pelo Kuomintang desde a expulsão dos japoneses decretada pelo Acordo de Yalta.
Aquando da fuga, as tropas do Kuomintang levaram consigo a constituição e a bandeira da República da China original, fundada, em 1911, pelo seu primeiro presidente, Dr. Sun Yatsen, uma das poucas figuras admiradas tanto na China como em Taiwan.
Foi desta transposição ideológica do continente para os territórios insulares que surgiu a República da China actual.
Apesar da retirada abrupta, Chiang Kai-shek, o novo presidente da ROC, estava convicto que a estadia do KMT em Taiwan seria breve, de que, assim que o seu exército estivesse reorganizado, voltaria à carga.
Ao mesmo tempo, a ocidente do estreito, os comunistas preparavam a invasão de Taiwan. Nenhum dos planos se viria a concretizar. A República Popular da China comunista, como a República da China, desenvolveram-se nos seus próprios territórios.
Top View Observatory: Uma Perspectiva Quase Aérea Sobre a Capital Taipé
Do terraço do Top View Taipei Observatory, contemplamos a imponência urbana de Taipé. De lá se destaca o famoso 101 (One o’ One). Com 509 metros, foi este o edifício mais alto do mundo de 2004 até à recente construção do Burj Khalifa, no Dubai.
“Sugoi!” exclamam vários japoneses entusiasmados. Não obstante a despromoção, gente dos quatro cantos do planeta e até os ultra-sofisticados nipónicos se surpreendem com a audácia arquitectónica deste arranha-céus de Taipé e com a prosperidade desafiante da pequena Formosa.
Ao contrário da economia exemplar da ilha, a situação política de Taiwan mantém-se há muito estagnada.
O regresso do Kuomintang ao poder suavizou o relacionamento entre as duas partes e tornou tanto a declaração de independência como um eventual conflito menos provável.
A aproximação não implicou que Taiwan aceitasse a China Única há muito perseguida por Pequim.
O Dragão ultrapassou entretanto o Japão como segunda economia do mundo.
De acordo, o seu orçamento militar atinge números recordistas que começam a preocupar tanto a República da China como os Estados Unidos, os principais aliados militares de Taiwan.
A Protecção dos Estados Unidos que Desencoraja a República Popular da China
Barak Obama deu seguimento ao compromisso assumido na Taiwan Relations Act.
Renovou, assim, o jogo duplo dos americanos, que privilegiam a interacção diplomática oficial com a República Popular da China mas inibem qualquer sua intenção de anexar Taiwan e restantes ilhas da RDC, rumo à desejada Grande China.
Os EUA renovam com frequência a suas vendas de material militar aos taiwaneses. De cada vez, irritam o governo chinês que, como faz já de forma quase automática, liberta nova série de avisos e intimidações controladas.
Não é nada que afecte demasiado o dia-a-dia ocupado dos taiwaneses. Desde a chegada de Chiang Kai-shek à Formosa que Taiwan vive sob ameaça.