Na capital de uma região com bem mais de 300 dias de céu limpo por ano, o sol assume um estrelato impossível de ignorar.
Resplandece, ocaso após ocaso, por detrás da sebe de coqueiros e palmeiras com que as autoridades apostaram em tropicalizar o malecón que une La Paz ao Mar de Cortés.
Admiramos o entardecer. A partir da Plaza de las Califórnias que acolhe o letreiro tridimensional e colorido da cidade, que lhe serve de terraço com vista sobre o Golfo da Califórnia.
Os troncos inclinados dissimulam uma floresta de mastros oscilantes que despontam de dezenas de veleiros ancorados na Marina Cortés.
À medida que a circunferência do grande astro se precipita, condena todos esses elementos e mais alguns a silhuetas servas do áureo.
Bandos enfileirados de pelicanos sobrevoam-nos, de olho nos cardumes encurralados na Baía de La Paz. Ao nível do solo, outras movimentações reforçam um habitual frenesim crepuscular.
Corredores, ciclistas e patinadores cruzam-se, entregues aos seus esforços preventivos do dia.
Apesar do compromisso de entregar a beira-mar aos pedestres e desportistas, o cabildo de La Paz falhou em deslocar o trânsito para zonas interiores secundárias.
As frequentes travessias da Via 11 – Paseo Álvaro Obregón agravam filas lentas, quase paradas, de veículos, que rumam aos arredores inóspitos, mas habitacionais da cidade.
De quando em quando, circulam com óbvia prioridade, jipes do exército, repletos de soldados que seguram metralhadoras. Por enquanto, a Baja Califórnia Sur é dos estados com menor presença dos cartéis mexicanos.
A sua posição às portas dos E.U.A. tornam-na um domínio apetecido que, na ausência do contrapoder militar, descambaria numa Cartelândia caótica e sanguinária, à imagem de boa parte do México.
O derradeiro pôr do sol e a iluminação artificial activada sobre o lusco-fusco, douram e recompõem a marginal e conferem novos tons às estátuas que decoram o malecón.
Damos com a da pomba hiperbólica que ilustra o nome da capital da Baja Califórnia Sur.
Com as erguidas como monumento às baleias e aos tubarões-martelo que afluem àquelas águas providenciais. D
amos ainda com a que honra o oceanógrafo Jacques-Yves Cousteau que estudou e documentou estas e tantas outras espécies.
John Steinbeck, um Escritor que Celebrou La Paz e a Baja Califórnia
E ainda com a que louva outra das preciosidades naturais da região, as ostras e as suas pérolas. Esta estátua, em particular, remete-nos para uma das personalidades notórias que contribuíram para a fama da Baja Califórnia e de La Paz: John Steinbeck.
Numa altura em que Acapulco concentrava as atenções dos norte-americanos célebres e endinheirados, Los Cabos começou a seduzir outros, atraídos pelas suas areias douradas e águas cristalinas repletas de marlins e grandes peixes afins.
Foram os casos de Lucille Ball, John Wayne, Bing Crosby, para mencionarmos os mais conhecidos.
Estes nomes difundiram, entre os gringos, uma Califórnia Mexicana glamorosa.
De tal maneira, que os próprios milionários ligados a Hollywood, resolveram investir em resorts pioneiros.
Como sempre acontece nestes fenómenos turísticos, outros nomes, com interesses distintos, dedicaram-se a lugares da região menos explorados.
Desde, pelo menos, 1930 que John Steinbeck era influenciado pelo amigo e biólogo marinho Ed Ricketts em apreciar o mar e as suas formas de vida.
A Expedição a Bordo do “Western Flyer”
Decorridos dez anos, ambos decidiram alugar um barco de pesca de sardinha, o “Western Flyer”, na Baía de Monterrey, de onde zarparam para uma expedição Mar de Cortés abaixo. Steinbeck e Ricketts contaram com quatro elementos adicionais e cruciais à navegação.
E ainda com Carol, a mulher de Steinbeck. Este, esperava que a evasão fosse benéfica para o seu casamento. Na realidade, o casal separou-se de vez pouco depois do regresso.
A rota que seguiram levou-os até Cabo San Lucas. Contornaram a ponta sul da península e subiram o Golfo da Califórnia até La Paz e à ilha de Espiritu Santo. Logo, pela costa do estado de Sonora acima. Após o que regressaram a La Paz.
Pelo caminho, Steinbeck, Ricketts e Carol, ajudados por outros tripulantes, recolheram espécimes com que o duo planeava publicar um livro científico que, no mínimo, esperavam que viesse a compensar o custo da expedição.
Contactos com mexicanos da cidade e o esgotar da cerveja a bordo levaram-nos a La Paz, que consideraram agradável e hospitaleira.
Na cidade, Steinbeck inteirou-se da abundância e da importância das pérolas na vida das gentes da região. Fascinou-se também com um conto local centrado num mergulhador de pérolas indígena, Kino.
Este conto, veio a inspirar o seu romance “A Pérola”, publicado onze anos após a expedição em redor da Baja Califórnia e da publicação da narrativa “The Log from the Sea of Cortez”.
La Paz, Entre o Deserto e o Golfo da Califórnia, ou Mar de Cortés
Em La Paz, após ter constatado a construção de um novo hotel, Steinbeck augurou: “O mais certo é que os aviões comecem a trazer turistas de fim-de-semana de Los Angeles e a pobre, maravilhosa, velha cidade vai florescer com uma feieza floridense.”
Tal como pudemos constatar, essa mácula afectou Los Cabos e a faixa até San José del Cabo, não tanto La Paz.
São só uns poucos os resorts em volta da cidade.
Pouco ou nada a desvirtuam e aos seus cenários costeiros impressionantes, em boa parte, protegidos como parques e reservas naturais que temos o privilégio de explorar.
A incrível Playa e Baía Balandra, a vizinha de Tecolote, a ilha de Espiritu Santo e a barreira de areia de Mogote, entre outras.
Todas, lugares com uma beleza difícil de descrever.
Desprovida desses resorts rendidos às férias de pacote, La Paz, os seus bares, restaurantes e clubezecos, misturados com agências de tours e uma miríade de negócios que servem sobretudo os seus quase 250 mil moradores, atraem visitantes diferentes dos de Los Cabos.
Os, como nós, propensos a férias pouco programadas, a experiências genuínas na Natureza e a uma diversão e convívio mais modesto, mas aberto ao inesperado.
A partir de La Paz, deambulamos por mares de cactos. Chapinhamos entre bandos de pelicanos que almejam peixes em voos picados.
Nadamos lado a lado com tubarões-baleia.
La Paz: A Urbe que se Tornou Capital da Baja Califórnia Sur
Deixamo-nos perder nas dunas de Mogote, acima das areias que retêm o zooplâncton e o fitoplâncton de que os maiores dos peixes se alimentam.
Também a cidade, em especial o centro e a sua longa marginal, nos retém mais tempo do que estávamos a contar. Abundam, em La Paz, pinturas murais criativas que celebram a natureza e a cultura da região.
Dão mais cor ao âmago histórico da capital, marcado pela Catedral de Nuestra Señora de La Paz, pelo Jardim Velasco e pelo Museu de Arte da Baja Califórnia Sur, identificável pela sua enorme sebe de candeeiros de rua, sobre um piso quadriculado.
A actual catedral foi erguida em 1865, no lugar em que os Jesuítas fundaram a sua missão local, parte de uma história de proselitismo católico que legou outras grandes catedrais a lugares surreais da Baja Califórnia.
Fortún Ximenez e os Conquistadores que se Seguiram
Como sempre acontecia, a Companhia de Jesus chegou na peugada dos Conquistadores espanhóis.
Ora, a sua imposição colonial nestas partes das Américas revelou-se tudo menos pacífica.
O primeiro europeu a desembarcar na Baja Califórnia e em La Paz foi Fortún Ximenez, um navegador e subcomandante de uma expedição enviada por Hernán Cortés, em 1533, encarregue de explorar os mares do sul do oceano Pacífico.
Ximenez revoltou-se, matou o comandante da expedição e submeteu a facção da tripulação que lhe era fiel.
Na sequência, navegou para ocidente. Entrou na baía de La Paz.
Deu com um litoral habitado por nativos pouco vestidos.
Os homens ao serviço de Ximenez perceberam que os indígenas guardavam grandes pérolas, abundantes nas ostras da zona.
Gananciosos e instigados pelos exemplos do irascível Ximenez, pilharam as pérolas e violaram mulheres que, ao contrário das de Espanha, viviam quase nuas.
Esta violência, levou a que os nativos matassem Ximenez e vários dos seus homens, sendo que os sobreviventes retiraram em pânico.
Era já a terceira expedição enviada por Cortés, que falhava em anexar terras ou descobrir riquezas, além de umas poucas pérolas que lhe foram apresentadas. Frustrado, Cortés decidiu liderar uma quarta expedição.
A 3 de Maio de 1535, desembarcou na baía reportada pelos homens sobreviventes de Ximenez. Lá confirmou a morte do subordinado rebelado e decidiu estabelecer uma colónia.
Também esse seu projecto falhou, devido à falta de colonos e aos constantes danos infligidos pelos nativos.
Foram necessários outros 61 anos.
Só em 1596, Sebastián Vizcaíno, um almirante originário de Huelva, conseguiu dominar os nativos que tinham frustrado os seus antecessores.
Estabeleceu, por fim, a colónia que baptizou condignamente de La Paz, ainda hoje, abençoada pela inevitável catedral.
Como então, La Paz e a Baja Califórnia Sur em volta mantêm-se invejáveis.
E dignas do oceano Pacífico iminente.