O teleférico ganha altitude.
Desvenda a vastidão inóspita e amarelada do Deserto de Negev e, a leste, a mancha de névoa gerada pela evaporação do Mar Morto.
Tinha-nos passado pela cabeça subir a pé pelo trilho que serpenteia ao longo da encosta íngreme mas o calor de Verão aperta e desmotiva. Sobram outras paragens para o resto da tarde e até nestes cenários bíblicos e seculares o tempo corre.
Alguns visitantes optaram por não resistir ao apelo e esforçam-se para acrescentar sensações à memória solene do lugar. Vemo-los, a meio do trajecto, relativamente de perto mas, à medida que a cabine se aproxima do topo, as suas figuras quase se somem contra a dimensão da meseta.
Uma plataforma semi-suspensa conduz-nos a partir da saída do teleférico e, passada uma porta escavada na rocha, entramos, por fim, no reduto elevado de Massada em que sobressai, de imediato, a bandeira azul e branca de Israel.
Inteiramo-nos da configuração do espaço. Seguimos à procura das estruturas que resistiram à erosão, perdidos, aqui e ali, numa multidão internacional de forasteiros e guias que nos fazem pensar que também poderíamos estar no cimo da mítica Torre de Babel.
A Remota Origem Judaico-Romana de Massada
Até por volta de 103 a.C. – quando começou a ser fortificada – Massada não passava de um pequeno planalto com cerca de 400 metros de altitude e quase inacessível, perdido na imensidão do Negev.
Onde outros governantes não tinham achado nada de interessante, Herodes, o Grande, viu um refúgio perfeito para se proteger tanto de uma eventual revolta judaica, como dos caprichos de Cleópatra que, por essa altura, lhe ansiava subtrair toda a Judeia.
Diz-se que logo no seu primeiro encontro, a rainha adulterou a máxima romana Vini, Vidi, Vinci.
Marco António chegou e viu. Cleópatra conquistou-o. Se o romano não se havia atrevido a fazer a vontade completa à amante, partes simbólicas do subdomínio de Herodes, incluindo as suas plantações reais de tâmaras e bálsamo de Jericó e Ein Gedi, tinham-lhe já sido oferecidas.
Em Massada, Herodes preparou-se para futuras investidas da rainha egípcia.
A Meseta no Deserto que Herodes Apalaçou
O monarca reforçou as defesas da fortaleza com muralhas em casamata e torres. Adicionou ainda casernas, arsenais e armazéns e, de maneira a garantir que qualquer retiro forçado não fosse passado em desconforto, construiu também dois palácios luxuosos equipados com terraços com vista sobre o deserto e o Mar Morto, banhos termais e piscinas.
Muitas destas estruturas mantiveram-se reconhecíveis aos arqueólogos. Alimentam o imaginário dos visitantes, enriquecido pelas descrições e explicações dos guias que se esforçam também por esclarecer diversas interrogações associadas.
São os casos do complexo armazenamento e abastecimento de água, a real função do pombal e o local em que, mais tarde, os romanos viriam a aceder ao topo.
A Tomada dos Revoltosos Judaicos
Herodes morreu de causas naturais no ano 4 a.C.. Nunca chegou a usar o seu refúgio esplendoroso. Em 66 d.C., deu-se a primeira revolta dos judeus contra os romanos. Um grupo de Sicários (zelotas extremistas que usavam sicae, punhais) proveniente de Jerusalém, tomou a fortaleza às tropas imperiais que a guardavam.
Viram-se prendados com uma reserva variada de armas e munições, matérias primas que permitiam construir mais, bem como grãos, óleos, vinho, tâmaras e hortas que forneciam alimentos frescos. Também as cisternas que recebiam as águas das chuvas se revelaram cheias.
Sete anos depois, Massada ainda se mantinha ocupada por 960 zelotas e famílias de judeus sob o comando de Eleazar ben Yair, usada como base para ataques planeados aos romanos.
Como quase todos os visitantes, questionamo-nos se os vários rectângulos visíveis no solo rochoso em redor da fortaleza serão vestígios de acampamentos militares romanos.
Os guias resumem-nos, pela milionésima vez, mas com entusiasmo, a resposta epopeica da história.
Massada. Um Baluarte de Resistência que Embaraçava os Romanos
Durante dois anos, a guarnição foi o último foco de insubordinação judaica na região. Resistia aos ataques das legiões romanas e humilhava os líderes ocupantes.
Por essa altura, o governador general Flavius Silva assumiu ele próprio as operações militares no sul da Judeia e, determinado em pôr cobro ao insulto, liderou a marcha da Legio X Fretensis de Jerusalém para o Mar Morto.
Chegado a Massada, distribuiu 8000 homens em oito campos instalados em volta da base da montanha e, com recurso a escravos judeus, aproveitou uma formação natural para instalar uma rampa de terra junto à encosta hoje considerada traseira da fortaleza.
Os engenheiros romanos planearam-na com uma base de 210 metros e um gradiente de 1:3. Naquele ponto, a rampa precisava de evoluir apenas cerca de 140 metros. Quando a obra ficou pronta, foi instalada contra a muralha uma torre de cerco com 28 metros.
Do topo desta torre, os artilheiros romanos podiam operar os seus escorpiões e balistas, enquanto um aríete destruía a base da muralha.
O Assalto Final ao Baluarte Judaico
Cerca de um mês após a chegada de Flavius Silva a Massada, findos diversos preparativos que os zelotas acompanhavam do interior, os romanos estavam prontos para o assalto final.
Na manhã em que entraram na fortaleza, encontraram-na em silencio. Quando chamaram os rebeldes para o combate, depararam-se apenas com duas mulheres e cinco crianças.
Tão determinados como radicais, durante a noite, os resistentes tinham decidido que preferiam matar-se a ser mortos ou feitos escravos pelos romanos.
Começaram por sacrificar as mulheres e crianças e, depois, todos os outros, até que ficaram apenas o comandante e mais dez homens que sortearam entre si para apurar quem mataria os restantes.
Depois de o fazer, o último homem incendiou o palácio e suicidou-se. As cinco mulheres e crianças que apareceram aos romanos, esconderam-se da matança nas condutas subterrâneas de água.
A pouco e pouco, investigamos cada recanto da meseta, incluindo a zona em que a rampa dos romanos foi erguida e resistiu parcialmente à erosão.
Descemos ao terraço inferior do palácio de Herodes e apreciamos a vista do deserto e do Mar Morto, sobrevoados por bandos de pequenos corvídeos.
A Conversão de Massada no Símbolo Supremo da Determinação Judaica
Regressamos ao topo e, ao passarmos pelo espaço que resta da velha sinagoga dos zelotas, deparamo-nos com um ritual semi-retirado de Bar Mitzvah.
Uma família judaica norte-americana de férias em Israel decidira prendar os filhos com uma cerimónia solene sobre a fortaleza.
Depois da redescoberta e recuperação arqueológica de 1963, mais que um lugar religioso, Massada tornou-se no símbolo supremo da determinação sionista. A história do assédio de que foram vítimas os zelotas é frequentemente usada como representação da situação do estado judaico moderno.
De acordo, muitas escolas israelitas organizam visitas à fortaleza como rito de passagem para as suas crianças, algo tão importante como a aprendizagem do hebraico e da matemática.
Várias unidades das Forças de Defesa de Israel (IDF) levam ali a cabo os juramentos dos seus novos recrutas, concretizados com a renovação da promessa gritada de que: “Massada não voltará a cair”.
Estamos ainda no seu topo quando um rugido ensurdecedor vindo de sul se intensifica. Sem outro aviso, um esquadrão de caças israelitas sobrevoa o Deserto do Negev para o assegurar.
A ameaça romana pode ter ficado para trás mas os novos judeus de Israel também se encontram cercados.