Jermaine intensifica esforços para nos levar às imediações do vulcão.
Volta a sublinhar o carácter excepcional do tour em que nos ia meter. “Acreditem que é só por vocês. Não faço isto há anos. Até porque é bastante proibido, por assim dizer!”
A introdução deixa-nos intrigados a dobrar. Perto do vulcão já tínhamos estado. A St. George Hill que nos anunciava tinha que reservar algo de especial.
Jermaine detém a van em que nos conduzia na meia encosta de uma ladeira, como quase todas, em Montserrat, semi-invadida pela vegetação tropical.
“Daqui, já não passamos!” informa-nos o cicerone, a apontar para uma cancela trancada a cadeado. “Vamos andar um bom bocado mas vai valer a pena!”
A Ascensão às Alturas Panorâmicas da St. George Hills
Além de um bom bocado, o caminho que faltava era quase todo a subir. Pelo nosso lado, há vários meses com quilómetros das Antilhas nas pernas, o esforço pouco apoquentava.
Para Jermaine, o panorama era outro. Depressa percebemos que, não só há muito não percorria aqueles confins da ilha, como não fazia qualquer tipo de exercício.
De fatigado, o guia passou a extenuado. De extenuado, a derreado. De tal maneira abalado pelas ladeiras que começámos a temer que o vitimasse um qualquer enfarte.
Abrandamos o ritmo, interrompemos a marcha com mais frequência do que necessitávamos. Aos poucos, pouco a pouco, lá atingimos, em trio, as alturas alisadas da St. George Hill, onde a estrada estreitava e uma vegetação pouco incomodativa nos chegava à cintura.
Concluímos que, por aquela altura, Jermaine estaria a salvo de colapsos. Dedicamo-nos a apreciar e a fotografar as novas paragens de Montserrat, elevadas e laterais face ao Soufrière Hills.
De tal maneira próximas que, se fossemos loucos, dali chegaríamos em pouco tempo à cratera sulfurosa do vulcão.
Sobre o casario desafortunado de Plymouth e até ao azul do Mar das Caraíbas.
Dali, percebíamos ainda as manchas sulfurosas do cimo do vulcão e de como, delas, vertiam sucessivas erupções de fumos tóxicos.
A Inesperada Quase-Implosão do Dólar das Caraíbas do Leste
Revigorado pela imponência do cenário, Jermaine senta-se sobre a erva e conta-nos algumas peripécias curiosas de Plymouth, uma delas mais fascinante que as demais.
Corria o ano de 1996. Vários políticos da região laudavam o dólar das Caraíbas do Leste como um projecto de moeda comum prodigioso, de tal maneira estável e benéfico que apelavam a que os maiores países caribenhos trocassem as suas moedas concorrenciais e aderissem ao EC$.
Chegamos a Maio de 1997.
O Soufrière Hills que fumegava à nossa frente, estava em erupção desde Julho de 1995.
Tinha soterrado Plymouth, a capital de Montserrat e forçado os seus habitantes a abandonarem a cidade.
No caos da debandada, bens valiosos ficaram para trás.
Entre eles, milhões de dólares das Caraíbas mal guardados num cofre da agência local do Barclays Bank.
Um grupo de ladrões oportunistas inspirou-se numa vaga de pilhagens perpetradas por outros assaltantes, chegados de lancha e noutros tipos de embarcações das ilhas circundantes e agarrou à oportunidade.
Conscientes de que ninguém vigiava as redondezas, escavaram um túnel e rebentaram com um cofre feito de cimento com meio metro de espessura, reforçado com grelhas de aço.
Consumado o golpe, escaparam com mais de 900.000 ECs, em notas entre os 5 e os 100 dólares, nenhuma delas considerada “no mercado” ou legal.
O golpe forçou inúmeros negociantes a interromper as suas actividades para verificarem os números de série das notas que haviam recebido durante o dia.
No limiar difuso entre a legalidade e a ilegalidade do dinheiro, enquanto o Banco Central das Caraíbas do Leste não encontrava uma solução eficaz para o imbróglio, o próprio futuro do EC, chegou a ser questionado.
“Aqui em Plymouth, foi ainda mais incrível” conta-nos Jermaine. “Um bêbado que se recusava em deixar a cidade apareceu com a conversa de que ouvia fantasmas no banco Barclays.
Como era de esperar, ninguém lhe ligou. Depois, descobriu-se o que se descobriu.”
E a Incursão Realizadora de Alguns Velejadores-Aventureiros Franceses
Algum tempo mais tarde, já Plymouth pouco ou nada tinha para pilhar, ancoraram ao largo, dentro da Zona de Exclusão, alguns veleiros franceses. A ausência de vigilância voltou a permitir todas as veleidades.
Os navegantes permaneceram vários dias. Entraram e saíram da cidade abandonada quando quiseram e documentaram a aventura em fotografia e vídeo.
Os seus registos resultaram em mini-documentários de surpreendente qualidade, assim os qualificou Jermaine.
Terão tido, pelo menos, um tom bem mais genuíno do que o de outras realizações mais tarde lá levadas a cabo.
Quando a Saga dos Reality-Shows de Sobrevivência chegou a Montserrat
Em Setembro de 2011, a Temporada 2 do reality show “Man, Woman, Wild” do Discovery Channel, contou com um episódio denominado “Volcanic Destruction”, todo ele filmado em Montserrat.
Seis anos mais tarde, também os produtores de “Aventura à Flor da Pele” (“Naked and Afraid”) se lembraram de Plymouth.
A sinopse do episódio descreve que “Um instrutor de sobrevivência e um oficial retirado das Forças Armadas são inseridos na ilha devastada por um vulcão de Montserrat.”
A Destruição e Abandono de Plymouth e a Vasta Zona de Exclusão
Não é que a ilha toda tivesse sido arrasada. A destruição centrou-se em Plymouth e áreas em redor da capital, incluindo o aeroporto e o antigo porto da ilha.
A actual área de exclusão – a tal em que tínhamos voltado a penetrar – tornou inacessível todo o terço sul, a contar com duas áreas marinhas adjacentes para onde é expectável que a lava ou os fluxos piroclásticos fluam.
Após 1997, a assolação de Plymouth e a aniquilação da economia da ilha de que a capital era o motor, cerca de metade da população viu-se sem casas, sem lares e sem razões para ali continuar.
A maior parte mudou-se para a metrópole do Reino Unido, onde chegou com plenos direitos de residência e cidadania britânica.
A Colonização Pioneira Irlandesa de Montserrat e o Triunfo dos Britânicos sobre os Franceses
Isto, apesar de em termos históricos, Montserrat ter sido colonizada por irlandeses, chegados da vizinha do norte de Saint Kitts.
Mais tarde, fruto da inimizade dos irlandeses face aos ingleses, os pioneiros convidaram a França a apoderar-se da ilha (1666).
Os franceses chegaram a invadi-la e a detê-la. Por pouco tempo. Atentos à concorrência francófona, os ingleses conquistaram-na e conseguiram a ratificação da sua soberania.
Com o passar dos anos, habitaram Montserrat com escravos trazidos da África sub-saariana, forçados a trabalhar em plantações de cana-de-açúcar e de algodão.
No início do século XXI, a actividade do Soufrière Hills esteve reduzida à emissão de cinzas sobre as zonas já desabitadas do sul da ilha.
O Regresso à Actividade do vulcão Soufrière Hills e o Abandono Definitivo
No entanto, uma vez mais, no fim de 2009 e início de 2010, além da cinza, uma forte erupção libertou novo fluxo piroclástico por distintos flancos do vulcão abaixo.
Esta mais recente actividade provou, de uma vez por todas, a inviabilidade de se recuperar as imediações do vulcão.
Consolidou o estatuto da Zona de Exclusão, se bem que dividida em áreas de distintos riscos.
Nós, continuávamos acima do leito do rio Belham, ainda em pleno deslumbre.
Nos anos que passaram sem lançamento de cinzas, o mato tropical já se tinha voltado a apoderar da encosta e do sopé oeste do Soufrière Hills.
Há demasiado tempo responsável por aquela contemplação ilegal, Jermaine inaugura os 3.5km de regresso.
Desta feita, sempre a descer, o cansaço pouco o incomodou mas, tanto o guia como nós, tínhamos estimado uma ida-e-volta muito mais rápida e fácil.
Ninguém se lembrou de levar água suficiente.
Com o sol tropical a apertar, começamos a sofrer de sede. Ainda planeamos uma subida a um coqueiro carregado, facilitada pela catana com que Jermaine andava.
No fim, foram goiabas maduras ali abundantes que nos salvaram.
Da St. George Hill, regressamos ao centro e norte habitado de Montserrat.
Almoçamos numa banquinha de uma senhora que servia comida caribenha caseira, junto a alguns trabalhadores que animavam a sua refeição de uma conversa quase discussão, donos de vozes muito graves, habituais nestas partes do mundo.
Findo o repasto, Jermaine levou-nos ao miradouro Jack Boy Hill.
De lá, admiramos a vertente leste do vulcão, a grande laje coberta de lava de Spanish Point, onde está, também soterrada, a pista do antigo aeroporto W. A. Bramble.
Desse ponto, subimos a outro que coroa o extremo norte da ilha, bem mais elevado, com vista sobre boa parte do Sul e sobre o novo aeroporto John A. Osbourne, situado na vila de Gerald.
Antes do retorno à Olveston House, ainda paramos no hospital, para tratar de um ouvido que se tinha infectado devido às poeiras projectadas pelos jactos dos aviões, na praia Maho de Sint Maarten.
Devidamente medicados, despedimo-nos de Jermaine.
O dia seguinte, dedicamo-lo a visitar Brades, a actual maior cidade da ilha.
E a caminhar por Salem, a povoação que nos acolhera.
Em Salem, conversamos com donos teimosos de negócios.
Dos que resistiram a partir após a destruição de Plymouth e afiançam que só mesmo em caso extremo deixariam a sua Montserrat.
Num cabeleireiro movimentado, acompanhamos e fotografamos o lento entrançar do cabelo de uma cliente.
Inteiramo-nos do estado do espírito das senhoras e de algumas novidades inesperadas.
Uma delas, era a de que a empresa dona do ferry “Jaden Sun” em que tínhamos chegado ainda não o tinha reparado.
Ora, com viagem de regresso a Antigua na manhã seguinte, não sabermos de nada, auspiciava sarilhos.
À boa moda caribenha, tudo se resolveu. Após muitas chamadas telefónicas, recebemos indicação para estarmos no aeroporto às seis da manhã.
Meia-hora depois, estávamos a sobrevoar o Mar das Caraíbas com vista de ave sobre o Soufrière Hills.
P.S – Por altura da criação deste artigo, o vulcão Cumbre Vieja da ilha de La Palma, nas Canárias encontrava-se numa fase eruptiva tão ou mais destrutiva.
Por sorte, até à data, nenhuma das povoações da ilha estavam no caminho da lava, entre o vulcão e o destino final do oceano Atlântico.