Não existe em Kauai, um fenómeno urbano que se assemelhe, nem de leve, ao da capital havaiana Honolulu.
A atmosfera desta ilha anciã é bucólica e os seus habitantes distribuem-se por povoações pacatas com menos de 10.000 habitantes. São todos moradores de domicílios antigos ou com aspecto histórico, por lei, sempre mais baixos que um coqueiro.
Escolhemos Lihue, a principal e maior das povoações, como base para exploração. Damos entrada num motel-restaurante simpático, explorado por uma família nipónico-havaiana extensa que durante a hora de almoço serve comida tradicional polinésia. Mudam a decoração por completo para os jantares, refeição em que o restaurante se transforma num verdadeiro japonês.
Do lado oposto da rua, várias casas ostentam cartazes políticos que aconselham Carvalho para Mayor.
Os 13.000 emigrantes portugueses depressa se multiplicaram. formaram uma comunidade actual com mais de 60.000 luso-descendentes. Entre tantos e há tanto tempo radicados, vários entraram na esfera política havaiana com grande aceitação.
O Esplendor Geológico de Kauai, a Ilha Mais Verde do Havai
Em Kauai, o segredo do sucesso é, aliás, simples. Por norma, basta conceder aos forasteiros as melhores condições para se encantarem com os panoramas da ilha e gastar com honestidade e eficiência os dinheiros que estes ali deixam, como aqueles os que o governo federal concede.
Ao contrário do que se passa em Oahu, a ilha havaiana do encontro e a mais cosmopolita do Havai, as grandes atracções de Kauai são 100% naturais.
Atravessamos a ilha de leste a oeste para chegarmos à primeira, o canyon furtivo de Waimea, um cenário dramático comparável ao Grand Canyon norte-americano em termos de formas, texturas e tons.
Canyon de Waimea. Grand Canyon à Moda do Havai
Waimea esconde-se nas profundezas da ilha. É alcançável pelas estradas Koke’e e Waimea Canyon Drive que o cruzam até atingir o seu limite ocidental. Foi escavado ao longo das eras pela lenta passagem do rio homónimo e seus afluentes. Mas também pela actividade sísmica e vulcânica, da mesma maneira que o congénere gigantesco do Arizona.
Se é verdade que a dimensão do canyon de Waimea fica muito aquém da do modelo continental, já a configuração impressionante dos desfiladeiros e da sua paleta de cores quase se confundem.
Espantamo-nos com as subtis variações de tons de cada vez que o caminho nos leva a novo ponto de observação e revela diferentes perspectivas e, à medida que as nuvens e a chuva se dissipam, distintas luminosidades.
Por fim, a Koke’e Road chega ao seu término e às imediações da entrada do Parque Estadual Napali Coast.
A Visão Inverosímil da Crista de Kalalau
Deixa-nos abismados de frente para Kalalau, um vale recortado e exuberante, só acessível pelo seu sopé contíguo ao oceano Pacífico ou por um trilho exigente de tal forma concorrido que as autoridades têm que controlar, dia após dia, a quantidade de caminhantes que o percorrem.
Até ao século XX, muitos havaianos nativos viveram neste cenário luxuriante e colorido em que plantavam taro em socalcos conquistados à vegetação. Nos dias que correm, o estatuto do parque proíbe toda e qualquer edificação.
Vista no mapa, a Napali Coast surge apenas uns quilómetros para norte do canyon de Waimea. A ausência de estrada a ligar as duas seria, por si só, um bom motivo para a explorarmos apenas no dia seguinte.
Tínhamos, no entanto, outra razão incontornável. Íamos fazê-lo a partir do ar.
Um Voo Panorâmico Tão Excêntrico como Kauai
Regressamos a Lihue, a meio da tarde, apenas com tempo para nos metermos num helicóptero panorâmico. Kurt, um funcionário meio desvairado que faz questão de nos tratar e aos restantes clientes por “kids”, conduz-nos entre o escritório da empresa e o aeroporto da cidade.
Por sua vez, Michael, o piloto, assegura aos passageiros que vão embarcar numa das experiências mais solenes das suas vidas. Logo, tira os sapatos para o lado dos pedais e faz o helicóptero elevar-se para o céu.
Num ápice, deixamos para trás Lihue e a civilização. Regressamos ao canyon de Waimea que, visto do ar, se prova fascinante a dobrar.
Michael aumenta o volume da 5ª Sinfonia de Beethoven que escolhera como banda sonora para o voo. Faz a aeronave penetrar num manto de nuvens retidas contra a montanha. À saída da névoa, o piloto acentua a pompa da locução e anuncia o ponto alto do percurso, a Napali Coast.
A Napali Coast e o Norte (ainda mais) Exuberante de Kauai, vistos do Ar
Perante nós, desvenda-se o oceano Pacífico e toda a costa noroeste de Kauai, esculpida pela chuva intensa e pelo vento que desde sempre castigam as montanhas vulcânicas.
Mais que se aproximar, o piloto prenda e assusta os passageiros com incursões fílmicas em desfiladeiros e vales profundos. Acompanha longas quedas de água e penhascos cobertos de musgos e vegetação verdejante que contrastam com os vermelhos e castanhos das paredes rochosas a que se agarram.
Acima, impera o cume fulcral do monte Wai’ale’ale (1570 m) que retêm a humidade proveniente do Pacífico do Norte e é um dos pontos mais encharcados do planeta com uma média anual de pluviosidade superior a 1160mm.
Nada se ouve a bordo além da música clássica e o seguimento da locução do piloto. Michael disserta acerca da antiguidade geológica do lugar. Aproveita para enumerar alguns dos seus mais recentes prodígios na 7ª arte.
Sublime como poucas, Kauai e, em particular, a Napali Coast abismam quem quer que as descubram. Na lista contam-se inúmeros realizadores e produtores de Hollywood.
Os seus cenários foram usados em mega-sucessos como “Parque Jurássico”, “King Kong” o musical “Ao Sul do Pacífico”, “Salteadores da Arca Perdida”, a série televisiva “Ilha da Fantasia” e “Feitiço Havaiano” que lançou Elvis Presley para um prolífico estrelato, entre outros.
Esta presença regular nos ecrãs constitui há muito a prova mais mediática de como o tempo só favoreceu Kauai.