Salvador Dali ainda não tinha visto tudo quando qualificou Edward James como “mais louco que todos os surrealistas juntos”. Nós, ao vivo, apreciámos apenas o seu jardim de Las Pozas, em Xilitla. Foi o suficiente para nos pormos de acordo.
Desde que chegámos à Xilitla que apaixonou James que sentíamos uma excentricidade luxuriante no ar, sublimada na névoa que cobria os vales na vertente leste da Sierra Gorda e que pareciam aconchegar a povoação para a noite.
Tão abrupta como se tinha estendido, a névoa debandou na companhia da aurora.
Quando despertámos, já o vale florestado por diante exibia o seu dedo em forma de OK destacado da crista das montanhas, contra o azulão celeste.
Cruzamos o centro da cidade, entregue a azáfama castigadora de qualquer manhã de segunda-feira. Por sucessivas ladeiras íngremes abaixo, não só nos safamos da confusão, como damos connosco envoltos de floresta clorofilina, grande intensidade arbórea e em que saltitavam esquilos e aves estridentes.
Tínhamos passado quatro meses, na Costa Rica, sob o feitiço do canto das oropéndulas de Moctezuma.
Decorrido menos de um ano, o seu reencontro intensificou o inevitável encanto de Xilitla, a mesma sedução pelo selvagem que deixou Edward James inebriado, numa altura em que a povoação era uma amostra da de hoje e a selva quase a engolia.
A Origem Aristocrata Inglesa de Edward James
Edward James nasceu num palacete de West Dean, uma vila do condado inglês de West Sussex. Foi o único filho homem (teve quatro irmãs mais velhas) de William James e de uma escocesa colunável, Evelyn Forbes.
Do pai e do tio, James veio a herdar o palácio e a fortuna gerada pelo avô, o mercador abastado Daniel James.
Essa fortuna permitiu-lhe ter uma educação nos melhores colégios ingleses (incluindo Oxford) e contactos e oportunidades de expressão artística ao alcance apenas de alguns privilegiados.
Em 1930, aos seus 27 anos, James esposou Tilly Losch, uma bailarina e coreógrafa austríaca a quem veio a dedicar várias produções. Decorridos quatro anos de matrimónio, James acusou a esposa de infidelidade. Tilly Losch contestou, em tribunal, que o marido era homossexual.
Perante a lei, a orientação sexual de Edward James ficou por provar. Divorciado, James viu reforçada a sua liberdade, sempre em comunhão com núcleos talentosos da aristocracia europeia.
Admirador da expressão artística irreverente, louvou e, com o seu desafogo financeiro e voluntarismo, apoiou o Surrealismo emergente na ressaca da 1ª Guerra Mundial.
O movimento surgiu como uma reacção conceptual aos valores burgueses, conservadores, ostentatórios e fanfarrões que muitos pensadores e artistas afiançavam terem conduzido ao conflito bélico, até então, mais mortífero da História.
A Ligação ao Surrealismo e a Migração para a América do Pós-Guerra
Neste contexto, de 1938 em diante, já com a 2ª Guerra Mundial à espreita, James tornou-se admirador e patrono de Salvador Dali. Dali, por sua vez, aprofundou o envolvimento de James no Surrealismo.
Apresentou-o a Magritte. Enquanto hóspede de James, o belga retratou-o. Edward James surge em duas obras de Magritte, “Not to Be Reproduced” e “The Pleasure Principle: Portrait of Edward James”.
Em 1940, já com a guerra em pleno, James cruzou o Atlântico. Aterrou em Taos, uma paragem improvável dos Estados Unidos, um pueblo de origem indígena anasazi, colonial hispânico, de adobe e recém-transformado em colónia de artistas.
Alguns anos mais tarde, do Novo México, atravessou a fonteira do Rio Bravo. Segundo narra a historiadora de arte Irene Herner, numa das suas deambulações pelo México, James necessitou de enviar um telegrama.
Entrou no balcão de telégrafos de Cuernavaca, estado mexicano de Morelos.
A Relação para a Vida com Plutarco Gastélum
Lá se deslumbrou com Plutarco Gastélum “um orgulhoso nortenho, filho de uma família de rancheiros de Álamos, Sonora,
bonito, alto, de corpo atlético e que aproveitava as entregas de telegramas para se treinar para a sua incipiente carreira de boxeur.”
Em 1945, a 2ª Guerra Mundial tinha por fim terminado. James procurava um lugar nas Américas em que pudesse reassentar, longe dos escombros terrenos e ideológicos do Velho Mundo.
Convenceu Plutarco a ser seu guia. Passados dois anos, a bordo de um Lincoln Continental vermelho, chegam juntos a Xilitla, no sudeste do estado de San Luís Potosi.
Ainda de acordo com Irene Herner “Plutarco manteve-se sempre um amante esquivo, desdenhoso, e a perspectiva de contrair matrimónio com outro homem parecia-lhe um inferno”. No entanto, Plutarco assinou várias cartas para Edward James como Palú.
Diz-se ainda que, quando se banhavam num rio, os envolveu uma nuvem de borboletas. James viu magia no ar.
Tal magia servir-lhe-ia de inspiração para o que se revelaria o seu “Jardim do Éden” particular, estendido a Xilitla e arredores, onde, mais tarde, seria visto, com frequência, a passear, como Deus o tinha trazido ao mundo.
A Vida Simples no Pueblo Pitoresco de Xilitla
Foram necessários quase seis anos para Edwards convencer Plutarco a radicar-se em Xilitla, de maneira a viverem a sua fantasia partilhada. Em 1952, por fim, Plutarco acedeu.
Tinha-se afeiçoado à vida simples e ao povo. Adorava banhar-se nos riachos com os amigos e com a criançada do pueblo que fazia questão de ensinar a mergulhar.
Quatro anos depois, Plutarco esposou Marina Llamazares, filha de um comerciante espanhol, num casamento apadrinhado por Edwards e com banquete faustoso por ele pago.
Plutarco e Marina teriam quatro filhos.
Nesse tempo, James vira as suas relações familiares britânicas cortadas. Em simultâneo, a lei mexicana impedia os estrangeiros de deter propriedades no México. James fez de Plutarco seu sócio.
Em seu nome, compraram as antigas plantações de café banhadas por cascatas e riachos de um tal de Coronel José Castillo, que Edwards, por confusão, tratava por general.
Nessas terras de quase nove hectares, desenvolveram uma plantação com cerca de cinco mil orquídeas e dezenas de aves selvagens.
A Plantação de Orquídeas de que Brotou um “Jardim do Éden” Escultórico
Em 1962, uma forte granizada destruiu-a. James persuadiu Plutarco a erguerem algo perene. Discordavam, tanto quanto possível quanto ao que seria. Plutarco reclamava uma rede de caminhos em que percorreria a selva no seu jipe.
De forma sub-reptícia, Edwards obtinha a aprovação de Plutarco para erguer escadarias que só serviam para barrar o jipe.
Durante longos trinta e seis anos, Edwards e Plutarco, com a participação entusiasta de Marina, dedicaram-se a dotar “Las Pozas” de estruturas inusitadas. Num total de vinte e sete.
À medida que subimos e serpenteamos, nos passos do jovem guia Fidel Cardenas, descobrimos as sucessivas obras surrealistas de “Las Pozas.
As Sucessivas Obras sem Aparente Nexo de Edward James
A primeira com que nos deparamos é o “Cinematógrafo” que James pensou com a função de “projectar” para os amigos visitantes, através de um arco, o cenário glorioso da selva.
Coroou-o de uma “Escadaria para os Céus” que, como o nome deixa transparecer, não leva a lado nenhum.Nas imediações, Fidel mostra-nos a “A Cabana de Don Eduardo” e as várias casas em que James chegou a manter os animais selvagens que lhe faziam companhia, ocelotes, cobras, veados, flamingos, periquitos, entre outros.
Passamos pelo, elegante, mas desabrigado “Palácio de Bambu”, condizente com a filosofia apreciada por James de viver o mais possível sem paredes e a que preferia chamar “Torre da Esperança”.
Surge destacado da encosta entre helicónias e bromélias encharcadas. Assente numa base que aparenta uma baleia, uma cabine de avião ou um submarino, dizem, alguns, tratar-se do “Náutilus” de Júlio Verne.
Pouco acima, a aproveitar o fluxo de um riacho, vemos uma banheira jacuzzi natural instalada em forma de metade de abacate.
Casas que nunca Chegavam a ser Bem Casas
No extremo oposto à “Cabana de Don Eduardo”, encontramos a “Casa de Três Pisos que Poderiam ser Cinco”. James concebeu-a para receber amigos.
Em particular, a família dona da famosa cerveja Guiness irlandesa, com quem tinha óptima relação.
Ladeou-a de mais escadarias apontadas ao céu.
Tudo interligado de forma tão precária que, de maneira a evitar quedas ou desmoronamentos, a Fundação Pedro y Elena Hernández que após a morte de Edward James passou a gerir “Las Pozas” se viu obrigada a proibir o acesso, antes abusivo, dos visitantes.
Espantamo-nos ainda com grandes flores, mesmo se de cimento, com coroas que nos fazem lembrar as orquídeas que James e Plutarco perderam.
E com uma espécie de biombo que emula os favos das colmeias.
Já no sentido descendente, cruzamos outro portal do seu “Jardim do Éden”.
Os turistas pioneiros baptizaram-no de “Anel da Rainha”. Nós, vemos uma maçã que dá passagem para o “Caminho dos Sete Pecados Capitais”, ladeado das respectivas serpentes.
A Obsessão de Edward James pelo Surreal no Natural
Frustrava Edward James que as suas criações resultassem demasiado lineares. Sempre que tal acontecia, mandava destruir e ditava nova construção do zero. Todo e cada recomeçar satisfazia os trabalhadores.
Empregados por Edwards, as tarefas surgiam-lhes em catadupa e eram mais bem pagas que noutros biscates. Como se não bastasse, em plena natureza e em convívio, eram mais agradáveis de cumprir.
James Edwards ia e voltava da Europa onde mantinha o seu círculo artístico de amigos. Com frequência, levava consigo o telegrafista-feito-artista Gastélum e a esposa Marina que já não dispensavam as incursões boémias ao Velho Mundo.
Assim foi, até que, em 1972, Plutarco se viu a braços com uma doença de Parkinson, uma provável consequência dos seus anos de boxeur. James viajou por várias vezes para a Europa, na demanda de uma cura.
Malgrado o mal de Parkinson, Plutarco viveu mais seis anos que Edward James (faleceu em 1984) e sete que Marina (1983).
James e Plutarco legaram o Éden surrealista de Xilitla para todo o sempre.