Quase 500km contados desde o litoral da Califórnia, cruzamos para o Arizona.
O Nevada está logo acima. Já dentro do 48º estado dos E.U.A., avançamos até Kingman. Gasta, a via 10 assume-se Oatman Highway. Avança na direcção de umas tais de Black Mountains que a aproximação faz despontar do deserto de Mojave.
A via interna-se por um vale e pela base de encostas pedregosas que nos obrigam a serpentear. Com o dia a caminhar para o fim, sombras alongadas apoderam-se do ocre e amarelado antes disseminado pelo ocaso.
Cruzamo-nos com caravanas de motoqueiros, refastelados nas suas motas, de braços bem abertos nos guiadores cromados.
Percorremos mais uns poucos quilómetros. Sem aviso, a estrada alarga.
Entrega-nos ao destino epónimo, um povoado disperso ao longo de vertentes áridas e por elas acima.

Panorâmica de Oatman, aldeia ex-mineira situada nas Black Mountains do Arizona
Coroam-no alguns cimos. Uns, afiados, outros nem tanto.
Entrada confirmada em Oatman, Arizona
Uma grande placa de madeira, com letras amarelas sulcadas identifica Oatman.
Dá-nos a altitude do lugarejo, situado sobre os 830 metros, e um apanhado do seu passado. Mais de 7h de condução mal climatizada no pino do calor, estávamos de rastos, ansiosos por assentar e descansar.
Concentramo-nos, assim, em encontrarmos onde pernoitar.
Por altura da nossa incursão, não havia, em Oatman, um hotel funcional digno desse nome.

Cartaz exuberante de Oatman, Arizona
O principal candidato, o Oatman Hotel, destacava-se dos demais edifícios, amplo e elegante, com cortinados nas janelas e, algures, a indicação de que possuía oito quartos.
Deserto, à imagem do Mojave, albergava, apenas, uma sugestiva ilusão.
Nesse tempo, as sombras tinham cedido de vez.
Assentava um arrebol azulado a que só resistia o cobreado pardo das montanhas.

A Lua acima de Oatman, Arizona
Pressionados pelo anoitecer, sem vermos o que quer que fosse aberto ou vivalma, aceleramos a demanda. Chegamos aos fundos da aldeola. Por fim, damos com um saloon. Percebemos luzes acesas e o ribombar de música, por detrás das pequenas portas de mola vaivém.
Entramos. Espantamo-nos com uma clientela exuberante, também ela surpresa, feita de motards gringos e mexicanos, uns como os outros, retidos pela frescura da cerveja numa galhofa há muito ébria.
Desenquadrados, mas decididos, atravessamos o salão apontados ao balcão. Saudamos o barman. “Não sabe de um lugar onde possamos dormir, por aqui”. “Por acaso, sei!” descansa-nos. “Deixem-me só ligar à minha mulher, para ver se não vos respondo só da boca para fora.”
O homem refugia-se da música infernal vinda da jukebox. Regressa com boas notícias. “Por nós, está feito. Podem ficar no nosso trailer de férias!”. Nuns minutos, a mulher aparece.

Mulher junto a um de vários murais coloridos de Oatman
Noite passada numa Roulotte, cercados por Cascavéis
Guia-nos até ao quase cimo de uma falda rochosa. Entre rochas e cactos, abre-nos a porta de uma grande roulotte por ali encaixada.
O interior depressa nos comprova uma casa em uso, dotada de um velho gira-discos e vinis de música country, de fotografias de família e uma TV também antiga virada para uma kitchenette equipada.
Instalamo-nos. Judy, a dona, despede-se com um aviso singular. “Quase me esquecia. Se tiverem que sair, levem uma lanterna e olhem bem para o chão. Amanhã, de dia, mantenham-se atentos. Isto é terra de cascavéis. Estão por toda a parte! Incluindo debaixo do trailer.”
Sentíamo-nos demasiado cansados para nos preocuparmos. A roulotte vinha com uma rede Wifi que podíamos usar. Como sempre, abrimos os portáteis sobre a cama. Vemos uns poucos sites, esforçamo-nos por cumprir algumas tarefas. Em menos de uma hora, rendemo-nos à exaustão.
Dormimos até mais não. Voltamos a sair passa das onze e meia da manhã. Faz um calor de fornaça igual ao da véspera. Contornamos a roulotte sem sobressaltos com répteis.
Conduzimos já o velho Buick Le Sabre vindo de Seal Beach, quando detectamos uma cascavel na beira da estrada.
Detemo-nos para a admirarmos. A cobra persegue o carro. Tenta enfiar-se no motor. Livrarmo-nos dela sem a matarmos prova-se complicado.
O Inesperado Domingo animado de Oatman
É quase Domingo à tarde.
Quando descemos, o Oatman Hotel está, afinal, aberto, apenas para refeições.

Cientes no restaurante do Oatman Hotel
Almoçamos por lá, entre comensais barulhentos e notas de dólar sem conta, elemento fulcral da decoração.
Não tarda, Robert Fox, um dos moradores, artista local, inaugura uma actuação a solo, sobretudo de temas country. Acompanhamos um pouco.

Robert Fox, um cantor de country que actua com frequência, em Oatman
Findo o repasto, voltamos a sair à descoberta.
Oatman revela-nos uma inesperada animação. Centenas de visitantes calcorreiam a rua principal, de olho nas bugigangas e preciosidades das lojas, instaladas, sem excepção, em edifícios de madeira seculares.
A povoação preserva um visual e atmosfera de coboiada perdida no tempo.
Caminhamos sob arcadas repletas de letreiros.

Burro interrompe a passagem sob uma das arcadas da povoação
Os Burros e a Animação Legada pelo Período Áureo da Mineração
Dois burros sem rumo, bloqueiam a circulação à sombra e a saída de uma loja de um trio de mulheres horrorizadas.
Em vez de ajudarmos, esforçamo-nos por fotografar o insólito.
Ainda está por resolver, quando uma troca de insultos em alta voz, nos reclama a atenção.
Junta-se uma multidão.

Encenação de um duelo na rua principal de Oatman
Como acontece na bem mais famosa “vizinha” Tombstone, actores locais reencenam um dos muitos duelos que por ali tiveram lugar.
Integram os Oatman Outlaws, à imagem dos Oatman Ghost Rider Gunfighters, um dos grupos formados entre os menos de 100 moradores e amantes da povoação, encarregues de a animar.
Alguns disparos depois, os pistoleiros de ambos os lados exibem-se abatidos.
Ainda pairam no ar quente fumo e cheiro de pólvora seca quando um cowboy multi-instrumentista toca música estridente, algo burlesca, espécie de discípulo do irlandês Billy Bob Bob (Harvey), uma das personagens que mais alegraram Oatman.
Até ao seu falecimento, em 2023.

Saudoso Billy Bob Harvey, um animador e músico que, durante muitos anos, alegrou Oatman
Mais burros e burricos deambulam em redor.
Imagem de marca de Oatman, descendem dos levados para a zona a partir do meio do século XIX, na sequência de um evento histórico que tudo mudou.
John Thomas Moss, o Achado Pioneiro do Ouro e o Drama de Olive Oatman
Em 1863, um pioneiro e prospector chamado John Thomas Moss descobriu ouro nas Black Mountains envolventes. Registou vários talhões de terra.
Um, em seu nome.

Burro retirado numa encosta acima de Oatman
Outro, com o de Olive Oatman, uma colona que doze anos antes fora raptada e escravizada por indígenas Tolkepayas que lhe mataram os pais e os irmãos mais novos.
Só decorridos cinco anos, Olive se viu libertada, já por nativos Mojave, com quem os Tolkepayas a tinham negociado.
A tragédia da família Oatman depressa correram a imprensa e as narrativas populares norte-americanas. A sua imagem, em particular, revestiu-se de um misticismo reforçado devido à tatuagem azul que os Mojaves lhe fizeram no queixo.
Olive, a primeira mulher branca com tatuagem nativa, faleceu em 1905, com 65 anos.
O passado inusitado da família Oatman justifica que o sobrenome perdure no mapa e no imaginário do Oeste Americano.

Painel informativo de Oatman, Arizona com a identificação da Route 66
Durante cerca de quatro décadas após o achado de John Thomas Moss, a quantidade de ouro minerado na região oscilou.
A Mineração Industrial e o Crescimento Intenso da Produção, até ao Abandono
Sobre a viragem para o século XX, novas descobertas de filões e tecnológicas geraram uma riqueza inédita.
Uma tal de Tom Reed Mine e, em 1915, a empresa United Eastern Mining Company entraram em cena.
Asseguraram a exploração dum filão de minério superlativo.
E promoveram Oatman a uma das maiores produtoras de ouro do Oeste Americano.

Burro dourado remete para o período aurífero de Oatman
Assim se manteve por bem mais de uma década.
Em 1941, após a região ter gerado 40 milhões de dólares americanos em ouro, as autoridades dos E.U.A. ordenaram o encerramento de toda a mineração.
Por essa altura, os Estados Unidos entravam na 2ª Guerra Mundial. O governo estabeleceu que outros minerais cruciais à produção militar tinham prioridade face ao ouro.
O Valor Recuperado da Velha Route 66
Nos tempos sequentes, foi a passagem da movimentada Route 66 pela povoação que a sustentou.

Entrada para uma secção local da Route 66
Até 1953, quando um asfalto mais conveniente ditou Oatman e o seu trecho da Route 66 ao esquecimento.
Mais recentemente, o alastrar do turismo para o Arizona e uma recente celebração da Historic Route 66, ressuscitaram a zona.
Sobretudo aos fim-de-semana, feriados e períodos de férias, quando dezenas de forasteiros vindos de outras partes lá se encontram – mas raramente dormem – em busca de diversão.

Alguns dos muitos burros que se multiplicaram em Oatman, depois da povoação ter sido abandonada.
Também aquele domingo chegava ao fim. Apostados em apreciarmos Oatman na sua paz e esplendor panorâmico, ascendemos a uma encosta.
De novo, detectamos caravanas de motoqueiros a afastarem-se ao longo da Oatman Hwy que sobrava da em tempos gloriosa Route 66.
Ainda antes do crepúsculo, seguimo-los.
Rumo a Kingman e ao Grand Canyon no norte profundo do Arizona.
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