Ainda não são oito da manhã, quando Herculano, o homem do leme, nos faz zarpar da ilha Kéré.
Seguimos a bordo de uma lancha metalizada que desliza sobre o mar raso das Bijagós quase sem oscilar. Pela frente, na direcção do poente e do Atlântico, temos o canal que separa as ilhas de Carache e Caravela.
Se o tomássemos, do lado de lá, estaríamos mais expostos ao Atlântico. Em vez, contornarmos o extremo leste afiado de Carache, rumo ao canal Pedro Cintra e ao âmago do arquipélago.
Sucedem-se as palmeiras-de-óleo-africanas, tão características destas partes de África que também são conhecidas por palmas-da-Guiné, superadas em altura apenas pelos poilões com mais idade.
A sudeste, ao longo da costa da ilha de Enu e no litoral imediato de Uno, salvo a excepção de umas poucas zonas de manguezal, o cenário mantem-se nesta mesma constância vegetal.
Metemo-nos entre Uracane e Uno. Aproximamo-nos do sub-grupo de ilhas que forma o PN Orango.
Paulo Martins, o guia, e Miguel LeCoq, o biólogo e também guia, elucidam-nos de tudo um pouco do que diz respeito aos ecossistemas e à cultura das Bijagós. Aí chegados, alertam-nos para algo especial.
O Banco de Areia Asado no Caminho de Orango
Vislumbramos o que nos parece um banco de areia deixado a descoberta pelo vazar da maré, ocupado por uma miríade de aves. Quando dele nos aproximamos, o que aparentava, confirma-se. Distintas espécies partilham-no.
Muitas das aves só têm espaço na orla do banco, onde as vagas as refrescam.
Acercamo-nos um pouco mais. Apercebemo-nos que essas últimas são pernaltas.
Dezenas de flamingos de olho na embarcação. Têm a companhia de várias centenas de maçaricos, recém-chegados da longínqua Islândia.
Prosseguimos a navegação. Malgrado a distância, algumas aves desconfiadas optam pelo seguro. Ao descolarem, incitam as outras a segui-las.
Geram um caos asado que nos consegue baralhar. Aos poucos, enquanto circundam o banco de areia numa volta evasiva, entram nas suas devidas formações.
Os flamingos libertam-se dos maçaricos. Daí em diante, admiramos, sem interferências, a exuberância das suas cores e formas, a graciosidade do seu voo sincronizado.
Enquanto nos afastamos do banco de areia, os flamingos completam a sua elipse. Regressam ao ponto de partida.
No entretanto, passamos ao largo da tabanca de Anônho e, logo, entre esta e a de Eticoga. Detemo-nos no molhe do hotel Orango. Lá se nos junta Belmiro Lopes, nativo de Orango e guia do PN Orango, responsável por nos levar ao encontro dos hipopótamos.
Herculano e Miguel saúdam-no. Acolhem-no a bordo e inteiram-se de novidades, parte delas, importantes para expedição. Fazem-no no crioulo guineense que, devido ao seu largo tempo de Guiné Bissau, Miguel também domina.
Prosseguimos pela costa de Orango abaixo, na senda do ponto de desembarque. Nesse derradeiro trajecto, ficamos na iminência do limiar do arquipélago, mais expostos ao oceano.
Pela primeira vez, o Atlântico banha o areal com amostras de vagas que pouco ou nada importunam a transição para terra.
Desembarque em Orango e Caminhada pelos Prados de Anôr
Já sobre a areia escaldante, desentorpecemos as pernas das quase três horas na lancha.
Examinamos a vegetação costeira, baixa, quase arbustiva, desprovida das grandes palmas-da-guiné e dos poliões que se haviam sucedido desde a agora remota ilha Kéré.
Belmiro conduz-nos ao trilho por que avançaríamos para o interior de Orango.
Nuns poucos metros, notamos que sulca uma savana amarelada, e uma paisagem distinta das de Kéré, Caravela e Carache, o trio das mais de oitenta Bijagós que, por essa altura, tínhamos explorado.
Miguel explica-nos que, tal como a víamos, a savana de erva alta dourava à medida que a época seca da região se estendia.
Chegadas as chuvas, aqueles prados ensopavam, tornavam-se verdejantes, mais condizentes com a vida anfíbia dos hipopótamos.
Nem por acaso, instantes depois, detectamos uma pista de prado arrancado e terra arenosa, criada pelas sucessivas passagens dos cavalos-do-rio.
Caminhamos entre árvores de tambakunda. Com o calor a apertar, os seus frutos ilusórios e duros como pedra, fazem-nos sonhar com kiwis sumarentos.
A recompensa é outra.
A Primeira das Lagoas de Anôr
O trilho revela-nos a primeira das três lagoas abrangidas e a hipótese inicial de avistarmos os hipopótamos.
Belmiro e Miguel perscrutam o corpo de água pejado de nenúfares, envolto de capim e numa orla secundária, de acácias e, aí sim, de algumas palmeiras-de-óleo-africanas.
Nessa busca, damos com dois crocodilos a recarregarem-se.
Fotografamos uma comunidade prolífica de aves: tecelões autores de um impressionante macramé de ninhos de palha.
E ainda patos, íbis, garças e outras.
Os repetidos sons graves de palmas produzidos por Belmiro falham em revelar e atrair hipopótamos. Os guias decretam-nos ausentes daquela lagoa.
De acordo, dão por findo o também descanso e põe-nos a caminho da lagoa que se seguia.
Por algum tempo mais, serpenteamos pela savana.
A espaços, por um prado tão crescido que nos batia em altura. Cruzamos corgas e poças enlameadas e escuras, sintomas de que estávamos mais perto de redutos alagados.
A Segunda Lagoa de Anôr, ainda em Busca
Atravessamos um derradeiro charco de água negra-oxidada, para uma floresta densa, repleta de galhos frondosos e lianas enrodilhadas. Belmiro anuncia que estamos à entrada da segunda lagoa.
Deixa-nos a uma distância de segurança, na expectativa.
Logo, avança para a orla algo elevada. Dissimulado pelo mato, recupera as palmas ressonantes da primeira lagoa. Uma vez. Duas. Várias mais.
Durante quatro ou cinco minutos, sem resultado. Belmiro muda-se para a frente de um outro ponto em que, via um canal curto, essa lagoa tinha uma extensão. Aí, volta às suas palmas convocatórias.
Parece-nos a todos que ainda em vão.
Por Fim, o Encontro com os Hipopótamos de Orango
Estamos a virar costas e a mentalizar-nos para nova hora de caminhada e para a derradeira tentativa, quando Belmiro dá o alerta a Miguel. “Estão aqui!” confirma-nos o biólogo. Alinhamo-nos na orla, o mais silencioso que conseguimos.
De início, não vemos sinal dos bichos. Belmiro carrega nas palmas, mais intensas e ecoantes. Por fim, emerge um hipopótamo curioso, as orelhas e cabeça a despontarem da água coberta de uma densa selagem vegetal. Logo, um segundo.
Outro mais. E outro ainda.
Pouco depois de nos ajustarmos aos contornos do mato e de com eles nos espantarmos, contamos, pelo menos, dez hipopótamos, todos com as cabeças fora de água, apenas das narinas para cima, de orelhas espetadas.
Intrigados pela embaixada que lhes dedicávamos.
Aos poucos, aproximam-se de nós.
De tal maneira que, mesmo conscientes que o plano superior em que os observávamos nos protegia, nos começam a intimidar.
Estávamos a admirá-los havia quinze minutos.
Belmiro, considerou que os animais se aproximavam em demasia e que o tempo se esgotara.
De acordo, voltamos a atravessar o charco escuro, para fora da bolsa de floresta que envolvia a lagoa.
“Bom, isto, hoje, foi muita sorte mesmo!” desabafa Belmiro. “Nas últimas vezes que cá vim, nunca os consegui ver. Vocês, mal chegam à segunda lagoa, dão logo com um grupo destes!”
A Evolução Suscitada pelas Sanguessugas
Partilhávamos uma euforia justificada. Afectada apenas pela preocupação de examinarmos os pés e as pernas, em busca das sanguessugas que infestam aquela lagoa e em redor, como outras de Orango.
Por uma derivação da mesma sorte, não portávamos nem um desses parasitas que há muito se aproveitam dos hippopotamus amphibius das Bijagós e que se crê que acabaram por determinar um comportamento único dos quase duzentos espécimes estimados no PN Orango.
A espécie das Bijagós é a comum. Em termos ecológicos, apresenta uma evolução tornada possível pelo passado geológico da região.
A Provável Explicação Geológica
Em tempos, a área actual do arquipélago das Bijagós foi preenchida por um delta fluvial vasto, coberto de água doce. Ao longo dos milénios, o oceano avançou.
Tornou-a marinha.
Os hipopótamos que chegaram a proliferar em várias outras grandes ilhas do arquipélago, Caravela, Formosa e, sabe-se que até Bubaque, ajustaram-se às novas condições.
A determinada altura, os animais apreenderam que, ao meterem-se na água do mar, tão próxima das lagoas, se livravam das sanguessugas que perfuram as suas peles.
Assim, quando as sanguessugas os importunam, vão até ao oceano. Mantêm-se em banho salgado por uma ou duas horas. Às vezes mais. Ao retornarem às lagoas em que vivem, já o fazem purificados.
Por vezes, os hipopótamos fazem travessias marinhas mais longas. Muitos deles, chegam a viver em permanência no mar, de que saem para beberem água doce e se alimentarem.
Acontece, a espaços, passarem para terra junto das tabancas das Bijagós, até mesmo fora do PN Orango, como aconteceu nas ilhas relativamente distantes de Unhocomo e Unhocomozinho.
Nessas ocasiões, as gentes das Bijagós temem-nos, mas limitam-se a afugentá-los.
Desde que o povo Bijagó tem memória que os hipopótamos são vistos como poderosos e quase sagrados, como tal, protegidos.
Encontrá-los numa ilha do PN Orango, ou noutra Bijagó qualquer, tem o seu quê de Graal animal.
COMO IR:
Voe com a Euroatlantic , Lisboa-Bissau e Bissau-Lisboa, às sextas-feiras.
RESERVE AS SUAS FÉRIAS NA ILHA KÉRÉ E EXPEDIÇÕES EM BUSCA DOS HIPÓPOTAMOS e/ou TARTARUGAS DAS BIJAGÓS EM:
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