Com todo o arquipélago de Orango a oeste e a bloquear o oceano aberto, o “Africa Princess” navega da ilha Roxa para o litoral oriental de Orangozinho sobre águas ainda mais tranquilas.
Tanto a maré como o sol descem a olhos vistos. O comandante faz lançar âncora nas imediações da Ponta de Canapá.
O transbordo deixa-nos ao alcance da costa sul da ilha e da praia extensa que lhe dita o fim.
Como sempre, Pinto lidera o caminho e marca o passo, ao longo do areal em que a baixa-mar legava umas poucas poças.
Como acontece, com frequência, nas Bijagós, em vez de banhistas, frequentam-no umas poucas vacas malhadas, de pequeno porte, mais intrigadas que apoquentadas pela nossa súbita aparição, avessas a qualquer contacto.
“Estamos mesmo com pressa!” provocamos o guia na brincadeira. “Queria ver se chegávamos ao marco dos colonos ainda com luz, para vocês verem e fotografarem. Mas ainda falta um bocado.”
Caminhamos. E continuamos a andar para sul de Orangozinho. Sob o olhar cirúrgico de águias pesqueiras no cimo das palmeiras-dendê.
Até que atingimos a ponta sudeste de Orangozinho. Um recife de rocha reduz o areal. Aperta-o de tal maneira que o eleva contra a vegetação.
A torre-farol legada pelos colonos
“O marco dos colonos está aí por detrás! “, assegura Pinto. “Só que a vegetação cresceu muito. Está mais escondido que antes”. Subimos para o cimo das dunas limiares.
Dali, conseguimos, por fim, vislumbrar uma torre metálica enferrujada, coroada por uma velha lâmpada. Pinto chamava-lhe marco dos colonos.
Na prática, seria mais uma das infraestruturas deixadas pelos portugueses depois de os Bijagós terem trocado a sua resistência feroz por um tratado de paz.
Nesses anos de Partilha de África e pós-Conferência de Berlim, o arquipélago de Orango era governado por uma rainha poderosa, Pampa, (falecida em 1930, considerada a última verdadeira monarca dos Bijagós) e por uma elite esclarecida, determinada e guerreira que chegou a lucrar com o comércio de escravos de etnias rivais.
Apercebemo-nos de que uma escada servia o farol. Atraídos pela possibilidade de subirmos, sugerimos a Pinto que lhe procurássemos a base. Pinto torce o nariz. “Vão-se arranhar todos, e a escada está a desfazer-se.” Essas, eram as desmotivações mais óbvias a que chegara.
Mais tarde, apuramos que o farol se encontrava junto de uma zona delimitada para os Fanados das Mulheres, períodos-rituais de iniciação da etnia bijagó em que lá deveriam permanecer isoladas da comunidade.
Ele próprio Bijagó, natural da ilha vizinha de Canhambaque por que tínhamos antes passado – a leste da de Bubaque – Pinto sentia-se na obrigação de nos demover de tal intrusão e do provável castigo.
Submetemo-nos ao seu juízo. Regressamos ao areal aplanado. Retomamos a caminhada por Orangozinho.
O Ocaso que Doura o Limiar Sudeste do Parque Nacional Orango
Vencida uma derradeira esquina do litoral, ficamos com o areal meridional pela frente, tão comprido que mal lhe percebíamos o fim.
O sol assentava para esses lados, o que turvava a contemplação.
Concentramo-nos no imediato: em como um palmeiral próximo gerava silhuetas de que, a espaços, descolavam águias-pesqueiras.
E, já de regresso, em como palmeirais distintos rasgavam o céu em fogo, com um espelho-de-água-salgada a reflecti-lo.
Voltamos ao “Africa Princess”. Estava nos planos regressarmos a Orangozinho.
Como tal, jantamos e pernoitamos ao largo.
De Volta a Orangozinho, em Busca de Uite
O amanhecer confirma novo transbordo para a lancha de apoio e incursão à ilha.
Ainda com a referência da ponta de Canapá, metemo-nos no rio Canecapane e no manguezal que o envolve.
À entrada, numa floresta de mangal que a maré-baixa deixara com as raízes a descoberto, damos com um bando de macacos-verdes entretidos a mariscar.
Serpenteamos Canecapane acima.
A certo ponto, desviamos para um canal apontado ao interior da ilha.
Subimo-lo até ao seu término lodoso, onde dois barcos tradicionais acrescentavam cores à paisagem verdejante.
Para evitarmos atascar-nos, tiramos o calçado.
Entre perioptalmos desconfiados, passamos para um caminho estreito e sombrio. Sem aviso, o trilho abre para uma clareira que abrigava uma escola.
A Maior Tabanca da Ilha
Depois de algum tempo sem vermos vivalma, surpreendemo-nos com dezenas de jovens alunos e estudantes.
Alguns, tagarelavam, sentados lado a lado, sobre troncos horizontais de uma velha árvore. Outros, espreitavam pelas janelas de uma das salas de aula, a tentarem perceber quem seria aquela gente que os visitava.
Conversamos algum tempo com o jovem professor, destacado de Bissau. Quando nos informa que tem que começar nova aula, retomamos o périplo.
Estávamos em Uite, a maior povoação de Orangozinho, com mais de setecentos habitantes, assim nos esclarece Pinto, nem todos de etnia Bijagó.
Como é apanágio das visitas a tabancas bijagós, cerca-nos um magote de crianças pedinchonas.
Reclamam da atenção que vários adultos tornados anfitriões usufruíam.
Um deles, informa-nos que antes a aldeia não era assim, que tinha telhados tradicionais, de colmo, mas que um fogo desgovernado destruiu boa parte das casas e ditou a sua reconstrução com chapa.
Ora, se essa explicação nos apanha desprevenidos, outra seguinte ainda mais.
Uite, uma Tabanca Muçulmana, Cristã e Animista
Ao ver um morador em dificuldades linguísticas, Pinto recorre ao seu português esforçado.
Na prática, procuravam justificar-nos o porquê de tantas raparigas e mulheres da tabanca usarem abaias, ou afins.
“Aqui em Uite, têm duas religiões.
Daquele lado da tabanca são muçulmanos. Deste, são cristãos e acreditam nas coisas bijagós”.
Andávamos havia dez dias à descoberta do arquipélago. Aquela era a primeira ilha em que tal acontecia. O porquê da inesperada comunhão intrigava-nos.
Ora, sabe-se que a determinada altura da colonização das ilhas de Orango, famílias de pescadores de etnias beafada e mandinga deixaram o continente africano e ocuparam o sul de Orangozinho.
Os seus descendentes formam boa parte da população uitense. São responsáveis pela islamização da ilha e do arquipélago, mesmo se, em Orangozinho competem com a igreja católica e a protestante.
A fixação destas duas etnias está longe de ser única. Também os denominados pescadores Nhomincas desceram da região senegalesa do Delta do Rio Saloum, conhecido por rio de Barbacins, na era dos Descobrimentos. Fixaram-se em Orango e em ilhas do vasto arquipélago bijagó Urok.
Atraídos pela abundância de peixe e pela permissividade dos nativos, de tempos a tempos, instalam-se também nas Bijagós ou percorrem-nas grupos chegados da Costa do Marfim, da Guiné Conacri e até da Serra Leoa.
A integração dos Nhomincas, dos mandingas, beafadas, papeis e outras etnias no território e sociedade bijagó daria para toda uma tese de doutoramento. Em vez, retomemos o périplo por Uite.
Pinto explica-nos que, apesar da cisão territorial estabelecida pela “avenida” de terra principal, toda a gente na tabanca se dá bem. “Eles sabem respeitar-se uns aos outros e os conflitos são raros.
Um Périplo Aturado por Uite
Olhem, só para verem, a equipa de futebol daqui de Uite é das melhores das Bijagós. Foram eles os últimos a ganhar o campeonato cá do arquipélago!”
A avaliar pela paixão dos miúdos pelo futebol sob diversas expressões, essa conquista fazia todo o sentido.
Uns poucos, mantêm-se compenetrados num torneio levado a cabo com tampinhas, botões e latas de atum como balizas.
Outros mais velhos, dão toques numa bola atada a uma corda.
Quando os fotografamos, duas ou três mulheres confiscam-lhes o esférico e mostram-nos do que são capazes.
Finda a exibição, rogam a espectadoras vizinhas que nos deem a provar do seu vinho de caju recém-fermentado. Bebericamos.
Sabe-nos bastante melhor que o último vinho de palma que tínhamos provado em Acra, capital do Gana.
Pinto dá a indicação de que estava na hora de partirmos.
De regresso ao Africa Princess, fazemos escala numa língua de areia ao largo, perfeita para banhos.
Por ali, a bordo de um seu barco tradicional, pescadores de Uite preparavam uma continuação de pesca iminente.
Perguntam a Pinto se não precisávamos de levar alguns. Pinto explica que, durante a nossa visita a Uite, a tripulação do African Princess já tinha tratado da sua própria pesca.
Assim era. Quando reentramos na embarcação-mãe, tínhamos, quase pronto, um almoço repleto de peixe das Bijagós.
Naquela tarde, prosseguiríamos rumo à ilha de João Vieira, parte do sub-arquipélago homónimo vizinho do de Orango que tínhamos já percorrido, a partir da ilha Kére, em busca dos seus esquivos hipopótamos.
COMO IR:
Voe com a Euroatlantic , Lisboa-Bissau e Bissau-Lisboa, às sextas-feiras.
CRUZEIRO ” AFRICA PRINCESS “
Reserve o seu cruzeiro pelo arquipélago das Bijagós em: africa-princess.com
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Telm: +351 91 722 4936