Dizem-nos, com frequência, que, malgrado a sua herança colonial europeia, Aruba é a mais próxima dos Estados Unidos e a mais americanizada das Pequenas Antilhas ABC.
Irmã geográfica e histórica de Bonaire e Curaçao, praticamente equidistante dos E.U.A., serão outras as razões para essa realidade. Em particular, o facto de, à margem de porto obrigatório dos cruzeiros que sulcam as Caraíbas, há algum tempo se ter tornado um destino de evasão mais duradoura dos gringos.
Um abrigo insular repleto de hotéis, resorts, praias e actividades e um circuito turístico próprio que, durante o Inverno do hemisfério norte, justifica voos directos regulares e que americanos e canadianos cheguem em catadupa.
Quando descemos do avião proveniente de Curaçao, o nome Aeroporto Internacional Rainha Beatriz comprova a integração de Aruba no Reino dos Países Baixos.
Já os visuais e os comportamentos dos oficiais da emigração e dos taxistas, remetem-nos para uma realidade norte-americana.
Aruba: entre o Imaginário dos Países Baixos e o dos E.U.A.
Deixam-nos confusos.
Ao chegarmos a Oranjestad, constatamos a abundância de fachadas e frontões curvilíneos e multicolores típicos dos Países Baixos, no casario do centro. Voltamos a render-nos ao imaginário neerlandês.
Instalamo-nos em três tempos num hotel do centro.
Pouco depois, anoitece. Rendemo-nos ao cansaço do dia inteiro a viajar.
Na manhã seguinte, é Domingo. Oranjestad revela-se quase deserta.
Por norma, instaladas no rés-do-chão de edifícios coloniais desse género, as lojas e outros negócios estão fechados e selados por grades de correr.
É Domingo. Cruzeiros ao Largo e a Cidade Oranjestad Fechada
Uma vez que, aos Domingos, quase não há vida comercial na cidade, os cruzeiros, noutros dias da semana, vários ancorados, evitam-na.
Também a ausência dos seus milhares de passageiros-visitantes contribuía para aquela Aruba fantasma que nos acolhia.
Cedemos ao insólito. Cirandamos pelo cerne da capital focados na sua faceta urbanística e arquitectónica. Percorremos ruas atrás de ruas, na sua maioria, identificadas como straat.
Um grande complexo comercial destaca-se, em tons rosados, acima do porto da cidade, diante das docas em que os cruzeiros atracam.
O Legado Holandês do Renaissance Aruba
Em tempos um hotel, o centro comercial denomina-se Renaissance Aruba.
De acordo, recupera e exibe aos recém-chegados os traços arquitectónicos característicos de Amesterdão e outras cidades dos Países Baixos, os mesmos telhados de gambrel ornamentados, acima de segundos pisos dotados de varandas.
No interior, dezenas de boutiques e outros estabelecimentos requintados, seduzem os forasteiros com os produtos luxuosos mais invejáveis. O complexo complexificou-se.
Hoje, abarca um resort e dois casinos, restaurantes, desportos aquáticos e, ao largo, uma ilha privada adornada por flamingos a que – assim nos delatam moradores da cidade – são removidos excertos das asas, de maneira a que se tornem residentes.
Como seria de esperar, malgrado os processos maquiavélicos da empresa proprietária, os flamingos, em particular, atraem dezenas de visitantes endinheirados por dia.
Os clientes pagam mais de 100€ pelo transporte em lancha até à ilha e vinte minutos de convívio com as aves escarlates, repletos de fotos e, sobretudo, de selfies instagramáveis.
Oranjestad: a Grelha Urbana de Influência Holandesa da Capital
Oranjestad é muito mais e melhor que esta sua atracção famosa mas desmiolada.
O Aruba Streetcar, um eléctrico de dois andares abertos percorre um itinerário fulcral que passa por detrás do Renaissance Aruba, pela frondosa e quase pedestre Main Street.
Uma vez mais, este eixo, conduz os forasteiros de um extremo ao outro de Oranjestad.
A oeste da rua, sucedem-se as expectáveis montras da Victoria Secret, da Zara e da Mango.
Nas imediações, ao percorrermos a perpendicular Oranjestraat, damos de caras com o Museu Histórico de Aruba, bem identificado pela torre Willem III e pelo Forte Zoutman em sua volta.
O Cerne Colonial da Cidade Oranjestad e de Aruba
Estamos perante o mais antigo legado colonial holandês da ilha, datado de 1796.
Por essa altura, a disputa entre as potências do Velho Mundo (também pelas ilhas do Mar das Caraíbas) era ainda tal que um almirante que derrotou uma frota britânica no Mar do Norte mereceu o baptismo do forte.
À data da sua construção, a fortificação alinhava com a linha de costa da ilha. Vários canhões desmotivavam os inimigos de se acercarem.
Malgrado a presença de Britânicos, Franceses, Espanhóis, Dinamarqueses e outros nas águas e Antilhas em redor, diversas dessas ilhas eram covis dos piratas que faziam do Mar das Caraíbas o seu raio de acção.
Como tal, os holandeses mantinham os seus escritórios administrativos e o farol providencial de que foi dotada a torre Willem III no interior do forte. Esta torre tornou-se uma estrutura e imagem de marca da cidade Oranjestad.
E um museu que exibe artefactos chave da vida da ilha desde os primórdios em que a habitavam os nativos aruaques e caiquetios.
Diante da torre, destaca-se a estátua de Jan Hendrik, identificado como “defensor di pueblo” e da luta pela autonomia de Aruba.
Aruba: de Ilha Caiquetia a Ilha Multiétnica e Multicultural
Com a interferência colonial, intensificou-se a mixagem.
Aos poucos, constatamos, em Oranjestad a mistura étnica prevalecente nos Países Insulares Constituintes do Reino dos Países Baixos, do Caribe.
Ao longo dos séculos, combinaram os seus genes, em Aruba, os indígenas e os colonos europeus, primeiro, os espanhóis, depois holandeses. Estes últimos, levaram para a ilha escravos africanos que eram mantidos em Cabo Verde.
Juntaram-se-lhes judeus expulsos pelas Coroas Ibéricas de Portugal, Espanha e do Brasil.
Sobretudo os escravos que chegaram em grande número a falar crioulo, ditaram a base linguística do Papiamento, o dialecto fascinante falado em Oranjestad, como no resto de Aruba, em Curaçao e em Bonaire.
Mais tarde, milhares de emigrantes da América do Norte e do Sul, sobretudo da Venezuela que tem a sua Península de Coro a umas poucas milhas a sul de Aruba.
E até emigrantes portugueses mais recentes. Numa das noites, jantamos no restaurante West Deck de Oranjestad.
Lá nos saúda a proprietária, Anabela Peterson de Sousa, nascida no Funchal, casada com Robby V. Peterson. Formam um casal de empresários da hotelaria e restauração com renome na ilha.
Por sua vez, Johnatan, o guia local que nos ajuda a explorar Aruba é descendente de holandeses e casado com uma holandesa.
A sua mãe é holandesa, o pai, um Maduro com origem na Venezuela.
Ao Longo da Lloyd G. Smith Boulevard
Com o sol ainda bem alto, a caminhada pela grelha urbana do centro começa a desgastar-nos.
Concordamos na urgência de descansarmos e de nos refrescarmos.
Apontamos à Lloyd G. Smith Boulevard, a avenida marginal da cidade, banhada pelo Mar das Caraíbas que concede areais exíguos, dotada de sombra por árvores híper-amificadas, com copas multiplicadas.
Damos, por ali, uns mergulhos. Logo outros.
De olho nos aviões que, a umas meras centenas de metros, rasavam o mar na sua aproximação ao aeroporto Rainha Beatriz.
A Grande Festa Balnear de Domingo
Sem aviso, chega-nos aos ouvidos o som de música caribenha, sobretudo reggaetón, intercalada pela locução de um qualquer animador.
A promessa de celebração intriga-nos.
Caminhamos praia fora, até passarmos pelo outro restaurante do casal Sousa Peterson, o “Pinchos Bar and Grill”. Chegamos à Surfside Beach e à baía aberta que antecede o aeroporto.
Por ali, do nada, desvendamos o paradeiro de boa parte da população em falta no centro da capital. Pelo menos, boa parte da mais jovem.
Damos com dezenas de embarcações de recreio.
Estão ancoradas, lado a lado, à laia de aldeia flutuante improvisada, colonizada por uma comunidade náutica e balnear determinada a tornar o Domingo memorável.
Entre o areal e essa frota de barcos, para cá e para lá, ciranda uma outra, feita de flamingos, cisnes brancos, negros e dourados, unicórnios, colchões e mini-botes a remos.
Uma miríade de utensílios e brinquedos marinhos em que a multidão se fazia flutuar, em que dançava, bebia cerveja, mojitos e rum punches uns atrás dos outros.
Em que brindava e engendrava coreografias e tropelias sem fim, numa emulação contagiada e contagiosa de tantas Pool e Beach Parties que a MTV e canais musicais afins popularizaram, nos Estados Unidos e em redor do Mundo.
Não temos como resistir àquele maremoto de vida e de cor.
Sacamos das máquinas fotográficas e dos telefones. Registamos o evento.
Dão-nos acesso ao espaço VIP e da organização.
Quando nos incitam a subirmos à torre dos DJs, aceitamos.
Lá em baixo, dois adolescentes passeavam e abusavam de uma boneca insuflável que, de quando em quando, regavam de cerveja.
Centenas de outros festeiros respondiam ao repto do DJ.
Acenavam os braços e geravam nova onda de deslumbre caribenho.
Daquele cimo, na companhia dos protagonistas musicais, apreciamos uma cidade Oranjestad em festa que destoava da moribunda que, até então, tínhamos conhecido.
Na manhã seguinte, com os cruzeiros de volta e os estabelecimentos abertos, vimos a capital de Aruba algo ressacada, recuperar o seu dia-a-dia e a sua identidade neerlandesa com óbvios trejeitos gringos.