A altura da vegetação aumenta à medida que a latitude decresce.
Ao mesmo tempo, as nuvens brancas que salpicam o céu azulão assumem formas particulares e anunciam a experiência mais esotérica da longa Stuart Highway.
Situada a quatrocentos quilómetros para norte de Alice Springs, a povoação seguinte não passa de um ponto ínfimo perdido na vastidão do mapa australiano.
Fazendo fé em vários testemunhos, parece ter conquistado um lugar de destaque no Universo.
Luzes no firmamento, discos rotativos com cúpulas azuis e seres prateados deles teletransportados para a superfície, ali, vermelha da Terra, tudo isto parece ser comum em Wycliffe Wells.
Lew Farkas, gerente da estação de serviço e do parque de caravanas local durante vinte e cinco anos, não só decorou as suas instalações com estátuas e motivos de outros mundos como nos assegura “ … eu próprio já tive uma meia dúzia de avistamentos, só este ano”.
E, para que não fiquem quaisquer dúvidas, remata: “o dono anterior avisou-me logo quando me passou isto … com ele, e com vários aborígenes de cá, é exactamente a mesma coisa”.
As posições mantêm-se extremadas. Os analistas mais incrédulos afiançam que tudo se deve, na verdade, ao alto consumo de álcool do Território do Norte, à necessidade que os locais têm de acrescentar emoções àquelas que são consideradas as vidas mais monótonas do país.
Do lado oposto, sem complexos, os residentes rejubilam com as frequentes visitas de ovnilogistas conceituados, participam em convenções e descrevem os seus avistamentos de OVNIs e experiências aos media especializados internacionais.
A Tom, o guia que conhecemos em Alice Springs faz confusão, acima de tudo, o tamanho do restaurante. “Eu começo a pensar que eles ali alimentam os extraterrestres às escondidas, é a única explicação que me ocorre.” “Para que raio têm uma sala de refeições tão grande e com tantas mesas e cadeiras se nunca lá estão mais de cinco ou seis pessoas ?…”
Dez quilómetros para diante, duas viajantes inglesas aparecem paradas à beira da estrada.
Apesar de terem acabado de passar mais uma estação de serviço, o seu pequeno Twingo imobilizou-se por falta de combustível. Quando voltam, à boleia, a Wycliffe Wells, um amigo de Lew Farkas, não resiste a comentar: “Estão a ver!?” Aqui, nunca é preciso ir muito longe para ver extraterrestres.”
Os alegados avistamentos de OVNI’s são comuns na zona desde os dias já distantes da 2ª Guerra Mundial quando Wycliffe Wells acolheu uma horta e mercado de vegetais que servia a longa Rota do Gado.
Nessa altura, os empregados para ali recrutados mantiveram registos num livro sobre os objectos não identificados que encontravam. Esse livro foi mantido durante vários anos sobre o balcão principal do estabelecimento para que todos os clientes e visitantes pudessem examinar.
Acabou por ser roubado o que não favoreceu a credibilidade das suas narrativas.
Contamo-nos entre os mais cépticos. Custa-nos acreditar que seres hiper-dotados de outros planetas viajassem até à Terra para investigarem as actividades dos humanos e escolhessem como amostra a vida insignificante em redor de uma pequena estação de serviço e café perdidos no meio do outback australiano.
Parece-nos que mais facilmente se sentissem atraídos pelas grandes cidades do mundo, onde a civilização terráquea é mais exuberante e sintomática que em qualquer outra parte.
Mesmo assim, há que considerar o número de avistamentos anunciados a partir de Wycliffe Wells. Um número de tal forma impressionante que os seguidores da ovnilogia avaliaram a povoação como o quinto maior hotspot do mundo e ali se encontram com regularidade para estudar e debater o fenómeno.
Em Março de 2011, era suposto o parque de caravanas da povoação receber a primeira conferência anual sobre OVNIs. O encontro foi programado para três dias de Março. Incluiria observação do céu a partir de Devils Marbles e, à boa maneira ozzy, seria encerrado com um churrasco.
Além de organizar o evento, o incontornável Lew Farkas preparou-se para dissertar sobre as suas experiências bem como as de outros residentes, dos campistas, visitantes e viajantes.
Entre os ilustres convidados, contavam-se Rex Gilroy, um dos ovnilogistas mais influentes da Austrália e o fundador da criptozoologia daquele país, Kevin Robb que afiança ter avistado centenas de OVNIs e ter recebido informação sobre como vivemos num mundo multidimensional.
E ainda Peter Khoury, autor de “DNA PCR Hair Sample”, ele próprio vítima confessa de duas experiências de abdução por OVNIs: uma primeira em 1988 que diz ter-lhe deixado uma marca na cabeça no lugar em que os extraterrestres lhe inseriram uma agulha. E uma outra na perna direita de onde lhe retiraram uma amostra.
Peter Khoury garante ter presenciado, em 1992, a uma outra abdução que envolveu duas mulheres extraterrestres, segundo as suas palavras, uma loura e outra asiática. Este foi o primeiro acontecimento deste tipo em que foram conseguidas evidências biológicas.
Todos os contactos e planos estavam feitos mas fenómenos mais próprios do nosso planeta em geral do que daquela região interior do Território do Norte, ditaram o cancelamento do evento.Uma enorme depressão tropical invadiu Wycliffe Wells sem misericórdia e inundou a área de tal maneira que a água no parque das caravanas passava a altura dos joelhos.
Lew Farkas não teve outro remédio senão devolver os 130 dólares australianos pagos pelo público para assistir aos 3 dias (50 dólares australianos por dia) e esperar que as águas baixassem o suficiente para que pudesse recuperar a ansiada conferência.
Até à sua realização, pouco mais resta aos residentes de Wycliffe Wells que conformarem-se com a normalidade alienígena do lugar.
O que já não é nada pouco. Peças artesanais de papel e online que promovem a povoação começam por afirmar que a localidade é conhecida pela actividade regular dos OVNIs.
No seguimento, o tom do marketing revela-se mais arrojado. Garante-se que os avistamentos são tão comuns que se um visitante ficar acordado toda a noite será considerado azarado se não tiver visto nada, em vez de sortudo por ter presenciado algum fenómeno.
Vínhamos de uma longa viagem que começara em Alice Springs e só terminaria quase 1500 km depois, em Darwin.
Extenuados pelo calor atroz do outback e pela monotonia da condução, nunca chegámos a ficar despertos para lá das onze da noite e, como tal, não nos revemos em nenhum dos adjectivos.
O que não invalida que não tenhamos sido raptados por extraterrestres, levados para um qualquer planeta distante e trazidos de volta antes do nascer do dia.