Barulhentos e polémicos a condizer, os tours a bordo de airboats abundam por uma razão óbvia.
Suplantam as incursões a pé ou de bicicleta a partir do quartel-general do parque nacional, demasiado caras, que se mantêm à beira de uns poucos canais e quase nada revelam.
Assumimos, assim, a necessidade de subimos a bordo de um dessas embarcações excêntricas que zarpam da beira da Highway 41, uma de duas que partem do litoral Atlântico, cruzam Miami e, na companhia de canais, sulcam a imensidão alagada a oeste.
Num ápice, deixamos a margem florestada contígua ao asfalto para o pântano circundante.
Removemos os tampões dos ouvidos de cada vez que, no seu posto sobranceiro e ao longo do percurso, o timoneiro fazia diminuir a rotação do motor para comunicar.
Tão flutuante como ruidosa, a embarcação navegava, ora sobre água escura, ora sobre o matagal de carriço (cyperaceae juss) que dela despontava.
A Fauna Prolífica do Parque Nacional Everglades
Decorridos outros breves instantes, já a realidade ilustrava a teoria zoológica debitada a salvo do motor.
Garças de distintas subespécies, íbis, colhereiros e outras criaturas asadas descolavam para o céu azul polvilhado de branco.
Dezenas de alligators veem-se forçados a interromper o seu recarregamento ao sol e submergiam para as funduras tom de coca-cola do Parque Nacional Everglades.
Disseminados pelos mais de 610 mil hectares protegidos pelo parque nacional homónimo (uma área bem maior não protegida), os jacarés são, desde sempre, o animal mais procurado nestes giros e o protagonista.
Outros, mamíferos em vez de répteis, ocupam lugares alternativos nesse estrelato. É o caso dos peixe-boi que, por norma, se mantêm junto a nascentes de água-doce.
E dos pumas-da-florida. Mesmo sob atenção especial, recuperados de apenas trinta nos anos 90 para mais de 200 na actualidade, concentrados em refúgios mais para norte do parque, estes felinos endémicos raramente são avistados pelo comum visitante.
Uma Invasão de Espécies Daninhas
Na Flórida – como noutros estados dos E.U.A – a aquisição e posse de espécies exóticas tornou-se moda. Em pouco tempo, vitimou tanto os Everglades como o puma-da-florida.
Moradores pouco informados ou conscientes da região lá se livram de peixes de aquário e de viveiro, iguanas, lagartos monitores, papagaios e periquitos. Nenhuma outra espécie adicionada causa tanto dano como as pitons birmanesas e as anacondas-verdes.
Mesmo se estas visam amiúde os jacarés e com eles se confrontam, várias das suas presas predilectas são as favoritas dos pumas-da-flórida, com destaque para os veados-de-cauda-branca que têm diminuído em diversas zonas do pantanal floridense.
Os Nativos da Flórida e a Intrusão Pioneira do Espanhol Ponce de León
Noutros tempos, tanto os répteis como os felinos eram bem mais abundantes. Cruzar, explorar os Everglades só estava à altura dos nativos da zona, conhecedores dos seus quatro cantos.
Ainda assim, pouco depois do desembarque pioneiro de Juan Ponce de León (1513) no litoral do que viria a baptizar de Florida, os conquistadores espanhóis desafiaram a resistência das tribos nativas Calusa e Tequesta e puderam sondar as orlas da península inundada.
Em vez de encontrarem a Fonte da Juventude que se diz que Ponce de León buscava, apoderaram-se de todo o actual território do estado.
Os indígenas não habitavam as terras alagadas da Florida. Em vez, de tempos a tempos, cruzavam-nas em expedições de caça ou em migrações para outros recantos mais proveitosos da região.
Durante mais de dois séculos de confronto e convivência com os espanhóis, com a sua ganância e com as doenças que traziam da Europa, os indígenas viram as suas tribos e modos de vida degenerarem.
Depois dos Espanhóis, a Arqui-Rival Grã-Bretanha e os E.U.A. Independentes
Chegado o final do século XVIII, a Grã-Bretanha procurava já apoderar-se da colónia hispânica. Sem forma de o evitar, os espanhóis capturaram muitos indígenas sobreviventes e transferiram-nos para Havana.
Outros nativos, mantiveram-se a salvo dos captores. Integraram uma nação indígena distinta – a Seminole – formada no norte da Florida.
Essa nação, foi ainda reforçada e complexificada por milhares de negros livres e escravos foragidos sobretudo da vizinha Geórgia, que a ela se associaram.
Se, apesar de algumas estradas, canais e infraestruturas, os Everglades continuam a revelar-se selvagens e inóspitos, imagine-se o que seriam então do século XVI ao XVIII, quando boa parte permanecia inexplorada pelos europeus.
Em pouco tempo, esse cenário natural e imaculado mudou.
As Guerras Seminoles e a Passagem da Flórida para os Estados Unidos
Decorrido quase meio século da Declaração de Independência dos E.U.A., os norte-americanos insistiam em aumentar o território da nação à conta dos indígenas norte-americanos.
No caso dos Seminoles, o bloqueio nativo provava-se danoso a dobrar. Os indígenas rechaçavam os colonos.
Como se não bastasse, acolhiam nas suas terras (oficialmente espanholas) escravos que fugiam das fazendas da Geórgia. Forçavam, assim, amiúde, os proprietários das fazendas a cruzarem a fronteira em busca da mão-de-obra em falta. Obrigaram, aliás, o próprio exército dos Estados Unidos a fazê-lo.
Em 1817, pretensamente irado pela indignação dos espanhóis, o futuro 7º Presidente dos E.U.A., General Andrew Jackson, conduziu nova expedição transfronteiriça. Arrasou várias povoações Seminole e ocupou a região floridense de Pensacola.
Esta investida dos Estados Unidos leva-nos de volta ao interior intimidante dos Everglades.
Decorridos outros três anos, Espanha assumiu que não conseguiria sustentar a defesa da isolada Florida. Negociou o território com os Estados Unidos.
O intensificar do conflito dos E.U.A. com os Seminoles (guerra de 1835-1842) empurrou os nativos para o sul da Flórida.
Também para o cerne do imenso rio ervado em que depressa se habituaram a viver. E em que sabiam que as forças estadounidenses se veriam em apuros para os combater.
Nem aí os americanos deixaram os nativos em paz. A perseguição garantiu-lhes a submissão dos Seminole, a sua fuga para paragens improváveis, caso das ilhas e caios das Florida Keys ou o desterro em território de Oklahoma que os EUA preservaram índio.
Ditou ainda a exploração branca pioneira da maior parte dos Everglades.
O Refúgio dos Seminole nos Everglades
Em 1913, os indígenas Seminole que se mantinham naquele pantanal tão distinto do pantanal sul-americano eram pouco mais que trezentos. Habitavam raras pequenas ilhas que despontam de pontos elevados, secos, pejados de árvores.
Alimentavam-se de tudo um pouco o que a fauna e flora generosa em redor lhes concedia:
canjica, raízes de plantas, peixe, tartaruga, carne de veado e de outros animais.
Avancemos até 1930.
A abertura do trilho Tamiami, a actual Highway 41 que percorremos desde Miami e que bissectou os Everglades, a par de diversos projectos de drenagem, ditou o fim do seu isolamento.
O Protagonismo dos Seminole na Vastidão Alagada
Hoje, os Seminole habitam a cidade de Everglades que ergueram.
Trabalham em plantações, ranchos e pequenos negócios turísticos.
Servem de guias, tratadores de jacarés, artesãos e até de corpo de bombeiros, sempre que fogos ameaçam disseminar-se.
Subsistem ainda seis reservas de etnias Seminole e Miccosukke na Flórida.
Duas delas, as de Big Cipress e de Imokalee situam-se bem no âmago dos Everglades, a relativamente pouca distância das grandes urbes floridenses que, a partir do litoral, exercem pressão ambiental sobre a vastidão alagada.
Num dos voos que fazemos com destino a Miami, ao fim da tarde, o avião entra numa fila de aproximação à pista.
A Incompatibilidade da Civilização com a Preservação do Parque Nacional Everglades
O piloto vê-se forçado a dar duas voltas sobre o Parque Nacional Everglades, entre nuvens dispersas que lhe impõem as suas sombras e jogos de luz.
Durante algum tempo, maravilhamo-nos com os distintos padrões da sua superfície. Uns, preenchidos quase por completo por água.
Outros, cobertos de vegetação salpicada de lagoas.
Outros ainda, riscados por rios e canais lentos e multidirecionais, um estranho labirinto verde que as tempestades e furacões que, com frequência, assolam a península da Flórida, alteram e voltam a alterar.
Por fim, o avião recebe autorização para aterrar.
A aproximação a Miami revela-nos o quanto a cidade e os seus arredores se expandiam para dentro dos Everglades, com mais canais, estradas e urbanização.
Condomínios e campos de golfe enfiados em lagos. Armazéns, salinas, prisões e tantas estruturas invasivas que nos faltou compreender.
Suficientes para validarem a inquietação de se, mesmo imensos, os Everglades seriam mesmo para sempre.
COMO IR
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