Estamos no pino do Verão. Pequim permanece abafada e envolta numa névoa que o seu trânsito intenso e cada vez menos velocípede adensa.
Ainda assim, é bem visível a multidão de transeuntes que percorre o passeio disposto ao longo do muro sul da Cidade Proibida.
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Taxis e outros veículos passam em frente ao portal de Tianamen, sob supervisão de Mao Tse-Tung.
Em pleno período de férias – até para milhões dos sempre atarefados servos e novos empresários chineses – chegam à capital cidadãos curiosos e entusiasmados de quase todas as províncias.
Juntam-se-lhes expatriados e forasteiros que, como nós, andam mais intrigados que nunca com o sucesso e poderio global recém-conquistado pela etnia Han.
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Criança de uma família chinesa examina o reflexo de uma poça em frente ao Portal de Tianamen.
O destino comum desta romagem é a frente do Portal da Paz Celestial. Ali, há já várias décadas, a imagem paternalista do ex-Presidente Mao Tse-Tung, parece supervisionar os acontecimentos em redor e os destinos da nação, protegido por um pequeno exército organizado de forma geométrica, em redor.
Praça de Tianamen: Obra Monumental, Mausoléu de Mao Zedong
Foi Mao quem teve a visão de construir a praça maior e mais espectacular do mundo, com capacidade para acolher, no mínimo, 500.000 súbditos. Para tal, em 1950, o Portal da China foi demolido, tal como muitos outros edifícios, em grande parte residenciais.
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O retrato de Mao Tse-Tung destaca-se, elevado e no centro absoluto do Portal Tianamen.
Onze meses depois do seu início, os trabalhos ficaram concluídos. A nova praça concedeu ao povo um espaço de pedra e betão vasto no cerne simbólico do sino-universo.
O fundador da República Popular da China também havia expresso o desejo de ser cremado após a sua morte. Mas os dirigentes sucessores consideraram o capricho comprometedor da grandiosidade do líder.
No final de 1976, desrespeitaram-no. O corpo de Zedong – a versão não transliterada do seu nome – foi mumificado e colocado para descanso eterno num mausoléu erguido de propósito no meio da praça, no lugar do antigo Portal da China.
As autoridades aproveitaram para alargar um pouco mais a praça. Passou a medir 880 por 550 metros e a poder receber 600.000 pessoas.
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Soldados guardam o pedestal em que outros levam a cabo cerimónia do recolher da bandeira chinesa.
Paciência de Chinês Que Alguns Consideram Frustrada
À imagem do que acontece, durante o Verão, para entrar na Cidade Proibida e em tantas outras atracções do centro da capital, formam-se filas intermináveis de pretendentes a contemplar o mausoléu de Mao Zedong.
E, mesmo se a história se encarregou de provar as atrocidades inspiradas pelo Grande Líder em função da ideologia vermelha e do seu Grande Salto em Frente, nem todos os chineses estão a par da realidade ou estão dispostos a aceitá-la.
Muitos, gastam uns poucos yuans numa flor que hão de oferecer à sua memória controversa.
Após a longa espera, alguns visitantes desconfiados sentem-se enganados. Malgrado os procedimentos de segurança exaustivos e da obrigatoriedade de se retirar o chapéu, são comuns as acusações de que o que está em exposição não passa de um boneco de cera.
O corpo surge numa espécie de cápsula de cristal, coberto por uma bandeira comunista antiga. Protegem-nos guardas do exército nacional que acossam os contempladores a apressarem-se a seguir para a sala seguinte.
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Soldado boceja durante o seu turno mesmo em frente à imagem do grande líder Mao Tse-Tung.
Deambulações Sobre o Ocaso do Coração do Dragão
Continuamos a explorar os recantos da Praça Tianamen. Atravessamos as passagens subterrâneas sob a estrada que a separa da muralha da Cidade Proibida e do Portal da Paz Celestial.
Instalaram-se ali por baixo, dezenas de vendedores de recordações e bebidas ambulantes, vários clandestinos, protagonistas de um jogo de gato e rato a que a polícia parece já se ter habituado.
O fim da tarde é marcado por um pôr-do-sol difuso que alaranja a vertente oeste. E pelo aglomerar de mais uma multidão internacional paciente, agora em redor de uma área delimitada em redor do mastro em que esvoaça, altiva, a bandeira chinesa.
E a Cerimónia Militar da Sino-Bandeira
A determinada hora certa, militares posicionados em frente ao Portal da Paz Celestial invadem a estrada e interrompem o trânsito. Um pequeno batalhão de soldados de espadas e espingardas ao alto surge do lado de lá dos muros, atravessa uma das pontes e a via ampla que a separa da praça homónima.
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Espectadores fotografam e filmam cada passo da cerimónia de recolher da bandeira.
Logo, entram na área restrita e distribuem-se de forma organizada. Parte deles encara o público ruidoso que lhes aponta centenas de telemóveis para, assim, filmarem e fotografarem a cerimónia.
Outros, sobem ao pedestal coberto a tapete vermelho. Fazem continência em direcção ao portal e à figura de Mao já iluminada de forma artificial.
Dois destes soldados, elevados junto à base do poste, arriam a bandeira e enrolam-na com recurso a trejeitos e puxões bruscos, previstos pelo protocolo.
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Soldados do exército popular chinês fazem descer a bandeira do centro da Praça de Tianamen.
Quando terminam, o batalhão reagrupa-se. Torna a cruzar a estrada de regresso ao lado de lá do portal, lugar de repouso da bandeira que só voltará a ser erguida após cerimónia semelhante, na madrugada seguinte.
Entretanto, tinha anoitecido. A multidão dispersou-se pela praça mas, entretida em conversas e a fotografar e a filmar os panoramas iluminados em redor, teima em não debandar.
Esta permanência vai contra os preceitos das autoridades. De acordo, vários veículos conduzidos por agentes vindos da estrada entram em acção. Apoiados por uma mensagem ensurdecedora em mandarim, forçam as pessoas, como gado, a mover-se em direcção às escadas laterais de saída.
Alguns minutos depois, os últimos resistentes que continuar a ignorar ou a tourear a autoridade rendem-se ao poder da autoridade e às evidências. A Praça da Paz Celestial, construída para o povo, é mais uma vez esvaziada de gente, à força.
Estes confrontos turísticos não fazem vítimas.
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Visitantes chineses passeiam sob o olhar altivo do ex-grande líder.
Tianamen: os Dias Macabros de 1989
De 15 de Abril a 4 de Junho de 1989, Tianamen foi palco de protestos políticos sucessivos que envolveram a sua ocupação principalmente por estudantes e greves de fome.
No último dia da contestação, o presidente do Partido Comunista Chinês Deng Xiaoping e o primeiro-ministro Li Peng responderam com a declaração da Lei Marcial. Quando não conseguiram expulsar os manifestantes a bem, ordenaram uma chacina que se crê ter causado entre 300 e 800 mortos e muitos milhares de feridos.
Em vez de tanques, a multidão descontente com a falta de abertura política e com a corrupção galopante no seio do PCC, viu-se confrontada com forças militares reforçadas. A maior parte dos protestantes vitimados foram abatidos a tiro. Alguns foram esmagados pelas lagartas dos tanques.
Quem assistiu às imagens que chegaram ao resto do Mundo, dificilmente se esquece do momento mais emblemático dos acontecimentos: um protestante casual, em particular, revelou uma coragem suprema.
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Soldado destacado para a formação que leva a cabo a complexa coreografia do recolher da bandeira chinesa.
Manteve-se na frente de uma coluna de blindados WZ-120 com dois sacos de compras, um em cada mão ao ponto de obrigar o tanque que seguia na dianteira – pouco depois, também outros – a mudar de direcção para o evitar.
O homem desconhecido chegou a subir ao tanque e a gritar para dentro da torreta. Pouco depois, pessoas também por identificar, vestidas em trajes azuis, acorreram da multidão em redor e levaram-no para longe do tanque.
Até hoje, pouco se sabe ao certo sobre a identidade destes intervenientes e o seu destino.
Sabe-se e sente-se, no entanto, que Tianamen é tudo menos uma Praça de Paz.