Um qualquer capricho da aplicação de navegação desvia-nos da evasão esperada dessa manhã de Sábado, para uns arredores da capital La Paz, perdidos quase à entrada do deserto e que depressa classificamos como suspeitos. Reformulamos a busca.
Em vez da longa marginal, metemo-nos por uma alternativa que contornava a cidade e apontava a norte, pelas suas traseiras.
De um cimo ermo, já repleto de cactos, reconhecemos o porto de Pichilingue em que tínhamos desembarcado dias antes, quando chegados de Los Mochis, estado de Sinaloa.
Rasamos o terminal de ferries, rejeitamos a praia homónima do porto.
A estrada sobe, flecte para o interior.
Mete-se por novo vale desértico, pejado de saguaros com braços verdes, raiados e espinhosos que almejavam de tal maneira o céu que as suas colónias se multiplicavam montes acima.
Um barco perdido no mar de cactos e no nada sugere-nos que o oceano voltava a estar por perto.
Sem aviso, em vez de deserto, à nossa esquerda, ficamos com um manguezal denso que dissimulava o fundo de um braço de mar.
Playa e Baía Balandra: uma Baja Califórnia Sur Imaculada
Quando os circundamos, damos com a entrada da Playa Balandra que buscávamos.
Um funcionário do parque respectivo aborda-nos. Esclarece-nos o que nos lembrávamos de ter lido em qualquer lado, de que o estacionamento tinha um número máximo de carros.
“Ou voltam noutro dia ou deixam o carro por aqui. Já estão uns trinta à espera. Muitos, só vão entrar lá para o fim da tarde.”
Sabíamos o quão especial era Balandra, o que valia o privilégio da sua iminência. Metemos as mochilas às costas. Prosseguimos. Menos de dez minutos depois, estamos à entrada da praia, junto a rulotes e bancas que impingiam um pouco de tudo.
Pouco acima do nível do mar, a vista daquela base de encosta, revelava-nos, sobretudo, o lado humano, turístico do lugar e falhava em nos embevecer. De acordo, fazemo-nos a um trilho que ascendia a um cimo panorâmico.
Do cume, por fim, a Playa Balandra, as suas formas e cores exuberantes concedem-nos um deslumbre que só se viria a intensificar.
Playa Balandra: À Beira do Mar de Cortés ou do Golfo da Califórnia
Os mexicanos ainda preferem tratar a vastidão de mar escuro que víamos para oeste, por Mar de Cortés, em homenagem ao conquistador nascido na região de Badajoz que fez desabar o poderoso Império Azteca e foi um dos primeiros europeus a por ali navegar.
Ao contrário dos gringos e da maior parte dos estrangeiros que chamam àquele beco sem saída de Oceano Pacífico, Golfo da Califórnia. Fosse qual fosse o nome, o que tínhamos aos pés destoava sobremaneira.
Uma angra profunda estendia-se terra adentro, delimitada por vertentes elevadas, íngremes e áridas. O leito que a cobria era arenoso e superficial.
Com o sol tropical a pique, consoante as marés, o mar que mal o cobria assumia incríveis tons de esmeralda e turquesa ligeiramente turvos que contrastavam tanto com os areais coralíferos como com os tons de terra e ocre envolventes.
No meio da lagoa, uma mancha de azul escuro deixava perceber uma secção funda excepcional.
A pouca profundidade geral da enseada permitia que os banhistas a salpicassem e a percorressem, de um lado para o outro, a pé, sobre colchões, barcos insufláveis ou em caiaques de aluguer.
Para ocidente daquele ponto de visa, entre rochas vulcânicas cactos e uma panóplia de arbustos espinhosos, um trilho descia para uma duna e beira-mar em forma de meia-lua.
É para lá que nos mudamos, no mesmo modo de descoberta em que tínhamos chegado, entretanto, na companhia de outros exploradores já entregues ao descanso.
Cruzamos a duna.
Voltamos a subir para novo cimo, com vista sobre uma angra e praia mais expostas ao mar aberto e que o vento castigava com uma violência de que a aconchegada Balandra era poupada.
Nessa já longa deambulação de sobe-e-desce, constatamos que o sol se preparava para mergulhar no Pacífico. Fatigados, concordamos que estava na hora de Balandra nos recompensar.
Regressamos à base da duna, enfiamo-nos na água, chapinhamos, refrescamo-nos tanto quanto conseguimos, tendo em conta que mal nos passava dos joelhos.
Logo, recuperamos as mochilas e encetamos uma caminhada braço de mar adentro.
Primeiro, sem destino ou grande sentido.
El Hongo: a Rocha mais Emblemática e Disputada da região de La Paz
Assim que contornamos a falésia de que tínhamos descido, orientada pela aparição da principal atracção geológica de Balandra, motivo de incontáveis selfies, fotografias de família, de grupo e de respectivas aventuras e desventuras.
O lado sombrio de lá da falésia desvenda-nos “El Hongo”, a famosa rocha cogumelo da praia, símbolo não oficial de La Paz, presente em tudo o que são os seus materiais promocionais.
De tal maneira emblemático que, sempre que o seu precário chapéu é derrubado por tempestades ou por visitantes que o trepam, as autoridades da área protegida se apressam a reconstituí-lo.
Pois, ao chegarmos à sua base, deparamo-nos com meros quatro ou cinco banhistas que aguardam para o terem só para si. O grande astro exibia, todavia, a sua derradeira luz do dia, alaranjava o Mar de Cortés que o atraía.
Nesses instantes pré-crepusculares, apercebemo-nos de uma inesperada migração.
Vindos, sobretudo, do areal apetrechado da praia, dezenas de banhistas, a pé e sobre caiaques confluíam para “El Hongo” e agrupavam-se do lado da sua sombra, contíguo a um fundo côncavo da falésia que formava um quase túnel.
Sabíamos que a disputa do cogumelo, com a benesse adicional do ocaso nos granjearia fotografias recompensadoras. Assumimos, assim, uma necessária postura anfíbia.
Ajustamo-nos para cá e para lá, consoante as posições de quem posava e sugeria poses, sempre de maneira a termos o cogumelo destacado acima da linha do mar e da encosta contrária.
Disparamos vezes sem conta, atentos ainda a quem chegava, de peneiras feitas, como se aquela fosse a única foto meritória das férias.
Gaivotas que nos sobrevoavam, atraídas pela concentração de gente, também contribuíam para aquele frenesim visual que só demos por encerrado quando os tons de lusco-fusco se desvaneceram.
Regresso a La Paz e, de Volta à Playa Balandra
Juntamo-nos a nova migração. A de Balandra, de regresso ao abrigo urbano de La Paz. De tão fascinados que andávamos com a praia, a meio da tarde seguinte, a de Domingo, regressamos.
Em vez de seguirmos directos na direção da entrada principal. Detemo-nos um ou dois quilómetros antes, decididos a apreciarmos os cenários do cimo da encosta contrária, bem mais elevada, e panorâmica a condizer.
Caminhamos vários quilómetros, de novo entre cactos e arbustos do deserto que não perdoavam distracções.
Descemos da crista da encosta, para fotografarmos Balandra com cactos bem gráficos em primeiro plano.
Nesse entretém, o único outro ser deambulante naquelas paragens, interrompe a sua meditação sobre rochedo, aproxima-se de nós e saúda-nos.
“Surreal, isto aqui, não é?” pergunta-nos Sven, um mochileiro alemão ainda nascido na Berlim Oriental, antiga Alemanha de Leste.
Concordamos de forma efusiva. Sven oferece-se para nos fotografar com a Playa Balandra em fundo.
Depois, descemos de volta aos carros a trocarmos elogios da Baja Califórnia, de outros lugares não menos surreais do México e do Mundo. Sven apanha uma boleia de volta a La Paz.
El Tecolote: Incursão à Praia Vizinha
Nós, cumprimos o plano pensado na noite anterior de irmos espreitar a vizinha Playa El Tecolote.
Se Balandra é protegida e exclusiva, encontramos em El Tecolote a sua irmã popular.
Os veículos estacionam como querem para cá do areal e da frente dos muitos bares que servem a praia. Alguns, metem-se em sarilhos e, como testemunhamos, têm mesmo que ser rebocados de zonas arenosas.
Exposta ao leste, com a vista da grande ilha de Espirito Santo (outros dos lugares míticos de La Paz) El Tecolote é ventosa. Acolhe cardumes que se renovam sem fim.
Um dos passatempos preferidos de quem a frequenta tornou-se, assim, beber cervejas, micheladas e afins.
Petiscar nas esplanadas à conversa e a apreciar os voos picados dos incontáveis pelicanos residentes.
Com frequência, as aves fazem questão de reclamar o seu domínio.
Mergulham, sem cerimónias, entre banhistas ou em razias divertidas ou assustadoras, consoante o perfil da vítima.
Quase à mesma hora da véspera, o sol em queda que começava a abrilhantar “El Hongo” tingia de sépia a linha de costa de El Tecolote, repleta de estabelecimentos de madeira e palmeiras.
Com o vento a tornar-se infernal, já só uns poucos banhistas resistem entre os pelicanos.
Ao longo dos bares, uma turba de vultos irrequietos prolonga aquele sopro de vida arejada e airosa entre o deserto e o Mar de Cortés.
De Baixa, aquela Califórnia mexicana, só tinha mesmo a geografia.