O dia flui.
Pouco a pouco, a falsa rotação do grande astro dissolve as trevas projectadas da fachada da Catedral Basílica de Puebla, a de Nuestra Señora de la Imaculada Concepción, se formos fiéis ao nome completo e original.
De manhã cedo, a sua sombra preenche boa parte do átrio desafogado, do mesmo cinzento basáltico em que desponta o templo católico supremo.
Invade mesmo a orla do jardim que cobre de verde o Zócalo, o coração da cidade.

Catedral de Puebla, a mais majestosa das quase 300 igrejas da cidade
A vida pueblana flui com o dia. O trânsito ora se detém, ora prossegue. Da Calle 16 de Septiembre para a Avenida 3 Poniente, sem direito a devassar a quase alameda que separa a catedral da praça central.
Incontáveis negócios operam nos pisos térreos e uns poucos primeiros andares do casario quincentenário, à boa maneira hispânica, erguido numa grelha que o vale imenso de Cuetlaxcoapan (do nahuatl, onde as cobras mudam de pele) concedeu vasta, de ruas largas.
Dia-a-dia, pouco a pouco, o sol passa para sul. Incide, lateralizado, no gradeamento que encerra o átrio da catedral, que a separa do jardim dotado de bancos do Zócalo, lugar de famílias, de casais recém-flechados por cupidos dissimulados no romantismo genuíno, algo barroco que, apesar de incontáveis revezes, embrulha o México de paixão.
O sol doura, faz resplandecer as figuras destacadas e alinhadas no cimo de cada pilar. São 58 anjos as figuras elevadas que, de braço direito em riste, louvam e celebram a catedral nas suas costas asadas. Os anjos têm um lugar eterno na génese mitológica de Puebla, ali representada pela sua mais imponente igreja.
A Emergência de Puebla no Contexto da Conquista do México
Recuemos a 1531. Hernán Cortés tinha ludibriado e derrotado os aztecas de Tenochtitlán há uma mera década.
Na peugada do conquistador, os missionários de concorrentes ordens religiosas, apressaram-se a impor a fé católica a partir do âmago mexica tomado a Cuauhtémoc.
Ainda as pedras da capital azteca eram revolvidas para comporem igrejas sobre os templos pagãos, já os religiosos planeavam os próximos focos da Cristandade.
O vale de Cuetlaxcoapan ficava a pouco mais de 120km para leste de Tenochtitlán. Ainda por cima, no caminho de Villa Rica de la Vera Cruz, a primeira povoação colonial da América Continental, fundada em 1519, pelo mesmo Hernán Cortéz, pouco depois de ter desembarcado com os seus homens, nas imediações.
Cuetlaxcoapan representava assim, uma escala providencial nas viagens entre o interior e o litoral mexicano de que os espanhóis se habituaram a zarpar para Espanha, não tarda, outras paragens do seu alastrado império.
Decorreram doze anos. Frei Toríbio de Benavente, um dos “Doze Apóstolos”, religiosos pioneiros no México e o oficial colonial Juán de Salmeron, fizeram erguer a base que deu origem à cidade.
Com o apoio de Hernando de Helgueta, delinearam a traça por que caminhávamos, que os espanhóis exportaram de forma massiva para as Américas, no México, desde as suas cidades na Península do Iucatão, as do norte desértico, por exemplo, San Luís Potosi e até o povoado mineiro de Real de Catorze.

Rua movimentada e colorida de Puebla.
Em Março de 1532, por fim, após intenso debate e polémica entre dirigentes políticos e religiosos de distintas ordens, Isabel de Portugal, filha de D. João II, esposa do imperador do Sacro Império Romano-Germânico Carlos V, assinou a cédula que concedeu à nova povoação o título de Ciudad de Los Ángeles.
As criaturas assexuadas depressa conquistaram lugar no imaginário religioso popular.
Os Anjos e a Localização Controversa da Cidade
Reza a lenda que, numa fase ainda precoce da discussão sobre o povoado, Julián Garcés, bispo de Tlaxcala e um dos principais defensores de que o devia acolher o Vale de Cuetlaxcoapan sonhou.
Sonhou que anjos o conduziam a um lugar coberto de vegetação, irrigado por dezenas de nascentes e cursos de água e que lho indicaram como o local ideal para a cidade. Pouco depois da fundação, uma inundação destruiu boa parte das casas recém-erguidas.
Os colonos persistiram.

Zocalo de Puebla com uma fonte exuberante
A sua resiliência viabilizou a transformação da Ciudad de Los Angeles na Puebla colonial, colossal, a quarta maior cidade do México, cada vez mais moderna e aberta à novidade que continuamos a explorar.
Cruzamos o Zócalo.
Até ao seu limiar norte, onde, entre árvores portentosas, já à beira da Av. da Reforma, de frente para a entrada da Pasaje del Ayuntamiento, desvendamos outro dos edifícios imponentes da cidade, o Palácio Municipal de Puebla e seu Ayuntamiento.

A entrada da Pasaje del Ayuntamiento.
É bem posterior à catedral, de arquitectura isabelina, se bem que projectado por um arquitecto inglês.
Surge no lugar que, já em 1536, acolhia o Palácio Municipal inaugural da cidade, vizinho de outro edifício pioneiro, a Biblioteca Palafoxiana, considerada a primeira biblioteca pública das Américas.

Capela da biblioteca Palafoxiana, a primeira biblioteca pública das Américas
À imagem de quase dois terços da orla do Zócalo, também este palácio cinzento, assenta em arcadas profundas.

O Palácio del Ayuntamiento
Do Zócalo ao ex-Convento de San Francisco de Puebla
Completa um domínio de sombra e ar fresco com a sua própria vida, repleto de esplanadas de bares e restaurantes, de outros pequenos negócios, incluindo uns poucos sapateiros e engraxadores hiperactivos.
Atravessamos a arcada da Pasaje del Ayuntamiento, uma extensão perpendicular do domínio das arcadas.
Do lado de lá, a esquina da Av. 2 Oeste com a 5 de Mayo e a extensão desta rua tão ou mais movimentada, levam-nos rumo a uma zona exterior da cidade, ainda assim, abençoada pelas suas igrejas, a Capilla del Rosário e o Templo de Santo Domingo, a pouca distância duma estátua dourada que homenageia Isabel de Portugal.
Prosseguimos.
Entre taquerias geradoras de antojitos poblanos, floristas, lojas de roupa com manequins bizarros e um sortido inenarrável de outras tiendas, bancas e afins,

Edifícios coloridos resplandecem acima da sombra
Aqui e ali, instalados em edifícios embelezados pela azulejaria de talavera que Puebla desenvolveu até clamar como sua.
Numa zona em que a 5 de Mayo surgia já destacada de árvores, capta-nos a atenção música estridente.

Mariachis tocam em honra da mãe aniversariante de um dos músicos
Aproximamo-nos. Uma banda de mariachis trajados a rigor toca virada para uma banca de petiscos arrumada num canto da rua, para delícia de uma mulher já com a sua idade, rodeada de filhas e de netos.
Um espectador com afinidade tanto com os músicos como com a diminuta assistência, repara no nosso interesse fotográfico.
Decide-se a explicar o porquê da exibição. “a senhora é mãe de um dos músicos. Ele ofereceu-lhe esta actuação!” Compreendemos também a razão de ser dos vários bouquets de flores que lhe atafulhavam o humilde estabelecimento.

Dona de banca de petiscos aniversariante e família, assistem a uma exibição mariachi oferecida por um filho músico.
Flectimos para a Av. 10 Oeste. Desembocamos na Boulevard Héroes del 5 de Mayo, uma via rápida que serpenteia através da cidade.
De um lado da estrada, damos com a Capilla de Dolores, bem ampla, vistosa, para o que estamos habituados a ver como capela.
Do outro, sobranceiro, realçado por uma combinação inusitada de pedra cinza crua com zonas de amarelo e grená, espanta-nos o Templo e ex-convento de San Francisco de Puebla, de dimensão desafiadora da da grande Catedral.

O convento de San Francisco de Puebla, outro dos templos católicos grandiosos da cidade.
Por essa altura, tínhamos admirado cinco ou seis dos templos católicos da cidade. Existiam uns duzentos e oitenta mais.
Se desconsiderarmos capelas, santuários e oratórios diminutos.
O Reduto Criativo e Elegante do Barrio del Artista
Nas imediações, insinua-se o Teatro Principal. Serve de ponte cultural para uma das zonas alternativas da cidade, o Bairro do Artista, disposto em redor da Plazuela del Torno.

Ateliês do Barrio del Artista
Esta praça é, desde 1940, o cerne artístico de Puebla. De início, conhecida por reunir pintores que contavam com 45 pequenos estúdios geminados, abriu-se a outras artes, casos da dança, da música e do teatro.

Instalação que denomina o Barrio del Artista
Hoje, animam-na ainda bares, galerias e lojas de recordações, pintadas de cores garridas que combinam com o lilás de uma pequena floresta de jacarandás.

Quase noite realça as cores do Barrio del Artista de Puebla
Num mesmo eixo criativo unificado pela Calle 8 norte, deambulamos ainda pelo Mercado de Artesanias El Parián.
Encontramo-lo enquadrado por uma moldura, disposto numa estrutura de bancas cobertas em forma de um longo e apertado V.

Moldura enquadra o Mercado das Artesanias
Revertemos boa parte do que tínhamos caminhado, Boulevard Héroes de 5 de Mayo acima.
O 5 de Mayo e a Resistência de Puebla à Invasão Napoleónica do México
Com alguma paciência, damos com a entrada para um dos sistemas de túneis da cidade, encontrado e tornado acessível em 2013, enriquecido, em jeito de museu, como merecia o contexto histórico que os gerou.

Túneis escavados antes das batalhas contra as forças imperiais francesas travadas em Puebla
Ao descermos às suas profundezas iluminadas, salpicadas de artefactos lá achados, recuamos até 5 de Maio de 1862. Neste dia, após um período de inesperada ocupação, o exército mexicano, derrotou, na Batalha de Puebla, forças francesas que, a mando de Napoleão III, procuravam controlar o México.
Os mexicanos triunfaram. Ainda assim, os franceses regressaram no ano seguinte, com mais homens. Conseguiram derrotar as defesas de Puebla, avançar até à Cidade do México e impôr o 2º Império Mexicano. Só que a guerrilha mexicana intensificou-se. Custou a vida a muitos milhares de soldados franceses.
Com a Prússia a atormentar a França e a ameaça dos Estados Unidos, em 1867, Napoleão III ditou a retirada das forças francesas.
Saímos dos túneis para uns arredores de Puebla florestados, ainda dominados pelos fortes de Loreto e de Guadalupe em que os mexicanos resistiram aos gauleses.
Desse cimo panorâmico, contemplamos a fusão de passado e modernidade deslumbrante em que Puebla se tornou.

Casario de Puebla com várias igrejas em destaque
As torres das suas muitas igrejas aquém do horizonte de arranha-céus de Angelopólis, o mais recente distrito financeiro, comercial e residencial a oeste do centro histórico da cidade.
A Iminência Intimidadora do Grande Vulcão Popocatépetl
Nessa tarde, uma névoa azulada torna a vista mais para além inviável.
No fim do dia, no entanto, conseguimos autorização de um hotel ao lado do Cabildo para, pouco antes do ocaso, acedermos ao terraço.

Torres da catedral de Puelba iluminada durante o ocaso
Com o arrebol a definir-se abaixo dum céu fogueado-azul, a iluminação artificial torna a catedral de Puebla uma espécie de OVNI torreado acabado de aterrar.
À distância, a silhueta do Popocatépetl liberta um riacho sinuoso de fumo contra o poente incandescente que desagua na noite.

Vulcão Popocatepetl, silhueta ao ocaso
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