Quinze minutos. Quinze breves minutos a bordo de um Boeing 777, representaram um recorde do nosso voo mais curto no maior avião.
Dificilmente será batido. A rota principal era Saint Kitts – Gatwick, Londres. Fazia escala em Saint John’s, Antigua, para recolher mais passageiros destinados a Inglaterra. Breve como era, o voo força o Boeing 777 a manter-se a uma altitude baixa que permitisse a aterragem no aeroporto internacional V.C.Bird.
Ainda nos estávamos a ajustar aos assentos quando anunciam o desembarque. Somos os únicos passageiros a sair em Antígua, já de noite. A casa em que nos vamos alojar fica no leste da ilha, o lado oposto ao da capital.
Chegarmos lá, depressa se prova uma epopeia com cúmulo do caricato no momento em que, ao pararmos o carro recém-alugado para fazermos compras num mini-mercado mal-amanhado, percebemos que o dono do rent-a-car nos tinha deixado o carro ligado, mas levado a chave com ele.
Darmos com a vivenda resulta noutro filme. Cumpridas voltas e mais voltas, por fim, instalamo-nos, conseguimos alguma paz e o descanso necessário à exploração de Antígua.
O dia seguinte traz a necessidade de um cartão SIM local, uma razão incontornável para irmos até Saint John’s. A empresa de telecomunicações fica a pouca distância da beira-mar.
Saint John’s: uma Capital à Sombra dos Cruzeiros
Curiosos quanto ao que reservava a marginal, decidimos começar por aí.
Ao percorrermos a Promenade do porto, ficamos na iminência de uns poucos catamarãs e barcos de pequena dimensão.
Mais distantes, um de cada lado de um dos longos molhes de cimento, estão dois enormes navios cruzeiro.
O acesso a estes molhes que concederiam vistas privilegiadas é controlado, restringido aos passageiros e tripulação.
Agravado face ao que tínhamos constatado na capital de Saint Kitts, a operação dos navios-cruzeiros ocupava os espaços mais valiosos da frente de Saint John’s.
À imagem do que acontecia em Basseterre, tinha-lhe sido imposto um domínio artificial e comercial adequado a acolher e reter os passageiros em modo de consumo.
O Heritage Quay Complex e o vizinho Historic Redcliffe Quay ocupam uma boa parte da baía em que se aninhou a cidade, as suas estruturas construídas de novo ou demasiado recuperadas, polidas e garridas.
A Cidade Histórica além do Heritage Quay
Contrastam com o centro da capital circundante, feito de edifícios antigos com dois ou três andares, quase sempre erguidos acima de arcadas que permitem uma melhor ventilação dos lares e a circulação dos pedestres a salvo da chuva.
Numa ilha exposta a frequentes bátegas, ventos húmidos e salinos, a tempestades tropicais e furacões, as suas pinturas desgastam-se rápido.
Esse desgaste sublinha a antiguidade e densidade colonial do lugar.
Como sempre acontece com os cruzeiros, o Heritage Quay Complex marcava uma área protegida do desconhecido afro-caribenho que um amedrontamento étnico comunal levava os passageiros a recear.
Os que deixavam os cruzeiros, faziam-no integrados em excursões organizadas às monumentais Docas de Nelson, mandadas erguer pelo famoso almirante. Ou ao viveiro da “Stingray Antigua”, mantido para cobrar um convívio intimista com dezenas de raias do Atlântico ao largo.
E, no entanto, Saint John’s revela-se uma das urbes mais atarefadas e genuínas das Antilhas.
Incomparavelmente mais segura que muitas das cidades dos Estados Unidos, de onde provém quase todos os cruzeiros.
Fartos da zona portuária, inauguramos um périplo espontâneo pela longa Thames Street.
Lojas, muitas Boutiques e Incontáveis Manequins
A essa hora, estudantes num sortido de uniformes cruzavam-se, apressados, indiferentes às montras de rua por que passavam dia após dia.
Era o caso da Johan Mansoor – Top Fashion Store – saturada de vestidos leves e coloridos pendurados de uma grelha, ou ajustados às formas de manequins destoantes (porque brancos), que coabitam estabelecimentos concorrentes.
Charcos negros, legados por pés-d’água recentes reflectem-nos.
Geram obras de arte visuais que nos deleitam.
Num beco próximo, um par de adolescentes tornados barbeiros ao ar livre, tinham instalado pouco mais que dois bancos e dois espelhos.
Lucram da renovação capilar acelerada dos antiguanos.
Continuamos a deambular. De volta ao cerne da grelha urbana, surpreende-nos uma parada infantil, prolongada por sucessivos agrupamentos de jardins-escola.
A Bandeira e a Mais Jovem Geração Antiguana
Na dianteira, os educadores exibem cartazes que identificam e promovem os infantários.
Na sua peugada, as crianças empunham bandeirolas plásticas da excêntrica bandeira de Antígua e Barbuda, criada por Sir Reginald Samuel, um professor do arquipélago que triunfou num concurso selectivo disputado por mais de 600 competidores.
Analisamo-la com a devida curiosidade. Um sol sobre uma secção negra simboliza o raiar de uma nova era enraizada na ancestralidade africana da população, a sua energia representada pelo vermelho envolvente.
O azul e o branco abaixo do sol, expressões do mar e dos areais coralíferos com que os antiguanos foram presenteados.
A bandeira tem-se preservado consensual, o nome do território, nem por isso.
A Génese Colonial de Antigua e Barbuda
Aquando da passagem de Cristóvão Colombo, pela ilha, na sua viagem de 1493, o descobridor tê-la-á baptizado em honra de uma das igrejas de Sevilha que mais venerava, a de Santa Maria de Antígua.
Por essa altura, há muito que os indígenas Caribes tratavam a ilha por Wadadli.
Também em função de uma certa postura anti-colonial, é esse o nome usado por boa parte dos habitantes descendentes dos escravos lá desterrados de África, ao serviço da produção local de cana-de-açúcar.
Como é usual nestas Pequenas Antilhas e Caraíbas, o termo nomeia ainda a mais popular das marcas de cerveja nacionais.
Mas, regressemos à bandeira que encontrávamos vezes sem conta.
As gentes do arquipélago adaptaram-na, em 1967, quando conquistaram o seu autogoverno, catorze anos antes da independência do Reino Unido.
A Prevalência Britânica, mesmo Após a Independência
Se bem que Antígua e a “irmã” Barbuda ainda se mantêm no âmbito da Commonwealth. Têm em Carlos III, o seu longínquo monarca.
Como seria de esperar, ambas preservam um legado britânico prolífico.
Em Saint John’s, aqui e ali, damos com as típicas cabines telefónicas vermelhas.
Vemo-las no Historic Redcliffe Quay.
E também, entre coqueiros, na beira-mar idílica do Siboney Beach Club.
A baía de Dickinson adiante, fica umas três ou quatro enseadas a norte daquela que acolhe os cruzeiros.
Algumas menos da península e da praia de Fort James, que os britânicos ali ergueram, de maneira a protegerem a sua invejada capital das potências coloniais, dos corsários e piratas inimigos.
Quando, por fim, a achamos, a fortificação pouco mais nos revela que parte das suas muralhas comedidas e uma bateria de canhões apontada ao Mar das Caraíbas iminente.
O acesso ao restante espaço está vedado por uma série de casas de banho contentores, destinadas a um evento a ter lugar nessa noite.
Ao constatarmos que por ali somos os únicos, esgueiramo-nos entre dois deles e espreitamos o que se destacava em redor: uma vista invertida para The Cove e, mais distante, o cimo do casario secular da capital.
Percebemo-lo culminado pela catedral de Saint John, o templo anglicano que abençoa a urbe homónima, ainda que as suas anteriores versões tenham sido seriamente danificadas por sismos poderosos de 1683 e 1745.
Ao que não será alheio o facto de assentar sobre um recife de coral fossilizado, no ponto mais elevado da cidade.
Regressamos do Fort James.
Saint John’s: a Capital Atarefada que Louva o Fundador da Nação
Metemo-nos na zona comercial autêntica e azafamada da cidade, o mercado ao ar livre de frutas e vegetais, todo um mundo de bancas e lojas de muito mais que esses víveres.
Onde as gentes da ilha se cruzam, interagem e negoceiam sob o calor tropical, amiúde, abrasador.
Uma senhora canta um qualquer tema tradicional que trata o passado esclavagista daquelas paragens.
Do lado oposto da estrada, uma estátua com visual de museu de cera homenageia V.C. Bird: Vere Cornwall Bird Snr., figura idolatrada pelo seu papel na emancipação financeira e política dos jovens países caribenhos, o primeiro-ministro inaugural, considerado pai da nação de Antígua e Barbuda.
Com o dia a chegar ao término, lembramo-nos do velho plano de explorarmos uma ilha que, por motivos vulcânicos inusitados, considerávamos ainda mais prioritária que a própria Antígua.
Percorremos a Long Street. Estacionamos o mais próximo possível do pontão de Bryson.
Compramos os bilhetes do ferry que lá nos levaria. Dois dias depois, bem cedo, zarparíamos para Montserrate.
Toda uma outra “estória” que por colapso mecânico desse mesmo ferry, terminou com o regresso de avioneta a Saint John’s e a Antígua.