Sosua, Cabarete e Puerto Plata têm o destaque no mapa e a fama mas é numa tal de Playa El Encuentro que nos detemos.
Ditaram o destino e uma série de factores que o Atlântico se desenrole sobre o norte da República Dominicana em vagas de ondas que surfistas de todas as partes se habituaram a admirar.
Uma floresta de árvores densas abriga uma área inicial do areal.
Uma comunidade de escolas de desportos náuticos partilha a sombra dessa orla, o mar cálido e delicioso em frente, os clientes que por ali dão à costa e, tão ou mais importante, a oportunidade de viver um dia-a-dia natural e evasivo, sem o stress e o aborrecimento de tantas outras formas de vida.
Lá encontramos em plenos duches pós-surf, os amigos Gabriel, (da Ilha Margarita) e Huba, também venezuelano, de ascendência húngara, membros do projecto Frescollective e com algumas ideias na manga para os entornos da Playa El Encuentro.
Logo ao lado, damos entrada na escola de surf 321Take Off, então representada pelo argentino Juan, mas fundada pelo Yahman Markus Bohm, também criador da competição Masters of the Ocean que combina provas de surf, kitesurf, windsurf e paddleboard.
Parte da comitiva em que seguimos entrega-se a aulas de surf. Nós, deambulamos pela praia, em busca de outros tesouros.
Surfistas de distintas gerações tentam as manobras mais adequadas ao swell do momento. Uns, atiram-se para a água esmeralda caribenha, outros, deixam-na e somem-se na negrura da floresta.
Também Dauri Reinoso vai e vem. Dauri treina nas ondas Del Encuentro e trabalha como professor de surf para a 321Take Off. Venceu o Masters of the Ocean 2019 realizado em Cabarete mas, à boa maneira surfista, posa para nós com uma leveza de alma que só muitas horas etéreas entre as ondas concedem.
Brugal. Um Rum Nada Frugal
Frank Vázquez recebe-nos à entrada da fábrica de Puerto Plata do famoso rum dominicano Brugal. Inteirado de que predominavam portugueses no grupo, informa-nos que nos guiaria em português. A versão é a brasileira mas mesmo assim a sua competência espanta-nos.
“Mas já trabalhaste no Brasil?” Não! Tenho é muita curiosidade. Gosto de aprender, não paro quieto! Posso guiar este tour em dez línguas diferentes. Além disso, sou bombeiro, socorrista, paramédico, nadador-salvador. Sou feito de tudo um pouco, sabem? Por ser Frank e por isso, chamam-me de Frankenstein…
Não tínhamos ainda tocado no rum. A conversa já nos soava a surreal. Frank interrompe-a para nos salvar do sol monstruoso do Caribe. Lá dentro, como fazia vezes sem conta, descreve-nos a história da marca, mostra-nos as suas garrafas mais valiosas e dá-nos a provar distintas produções.
Dos vários runs Brugal em exibição destacava-se um tal de Papa Andrés de que só subsistiam mil garrafas, cada qual avaliada em pelo menos 1500 dólares.
Por essa altura, todo o grupo tinha provado algum rum, do mais modesto, claro está.
Pediam-se fotos da estrela papal da marca de todas as maneiras e feitios. Receoso de a quebrar e de ser banido da congregação do espírito que o empregava, Frank abraçava a caixa de museu que protegia a Edición Limitada de 2015 com um cuidado beato.
Em tempos de intensa espionagem industrial, só tivemos direito a espreitar a unidade de produção da Brugal. Nada de fotos, nada de vídeos. Supôs-se que nada de atrevimentos.
Ascensão ao Pico Tropical Isabel de Torres
O calor tropical de panela de pressão que nos continua a fazer suar as estopinhas só para nos refrescarmos pouco ou nada dera de si desde o zénite solar.
Adiantamo-nos ao trânsito de San Felipe de Puerto Plata, a cidade. Ultrapassamos guáguas – carrinhas para quase vinte passageiros, carritos – carros privados que fazem de táxi e vemos a circular com quase metade da lotação das guáguas.
E motoconchos, mototaxis que acompanhamos na sua lotação, já não sabemos bem se a máxima: quatro passageiros bem agarrados ao condutor. E uns aos outros.
Angel, o dominicano que nos conduzia com suavidade celestial e embalava ao som das bachatas populares do país, completa uma última subida em curva.
Por fim, chegamos ao sopé do Pico Isabel de Torres, assim baptizado diz-se que por homenagem à rainha Isabel de Castela, nascida em Madrigal de Las Altas Torres (Valladolid) e vigente nos anos em que Cristovão Colombo desvendou estas Índias do Ocidente ao Velho Mundo.
Com 793m, a montanha de Puerto Plata fica-se por um ¼ da altitude do Pico Duarte (3.098m), o tecto das ilhas caribenhas mas, como ascende da beira-mar iminente, preserva um impressionante dramatismo costeiro.
É quinta-feira. Sem os visitantes dominicanos de fim-de-semana ao largo, são esparsos os passageiros do teleférico.
O cume a que íamos ascender ficava muitos metros aquém do cimo recordista do Pico Duarte. Em jeito de compensação, as autoridades de Puerto Plata sublinham o facto de o teleférico que liga a cidade à sua montanha ser pioneiro.
A linha foi inaugurada em 1975. Por essa altura, não tinha idêntica no mar e arquipélagos em redor.
Daí para cá, decorreu não tarda um século. A cabine em que seguimos, essa, leva meros oito minutos a conquistar a encosta luxuriante.
À janela virada para o Atlântico, passamos sobre lares humildes e um campo de basebol terroso e deserto. Aos poucos, vemos o casario branco de Puerto Plata encolher no verde que salpica.
Quando inspeccionamos a vista já da plataforma de desembarque, a floresta suplanta com desafogo a área urbana abaixo.
Apreciamos uma espécie de sub-pico forrado de um manto intrincado de pequenas palmeiras e outras espécies vegetais viçosas.
Para oeste, a vista tornava evidente que San Felipe de Puerto Plata extrapolara a mais apertada de sucessivas enseadas recortadas na Costa de Ambar, onde essa resina fossilizada preciosa mais abunda na República Dominicana.
Admiramo-la por uns momentos extra. Até que o apelo de braços abertos de um inesperado Cristo Redentor nos faz virar costas ao litoral.
Uma primeira escadaria leva-nos aos pés do monumento, assente numa meia-esfera dotada de janelas. Uma segunda, passa entre uma bandeira ondulante da República Dominicana e outra de Puerto Plata.
Conduz os visitantes ao interior lúgubre da meia-bola branca onde uma comunidade de vendedores de artesananias y recuerdos os atraem aos seus negócios.
Em redor, um jardim botânico com flora endémica e a vastidão natural a sério do PN Isabel de Torres, pareciam-nos atractivos mais meritórios.
Contornamos a esfera abaixo dos pés do Cristo, sobrevoados por bandos de maritacas estridentes, as mesmas aves que Cristovão Colombo terá observado, então, provavelmente bem mais abundantes e ruidosas.
Colombo navegou ao largo da Costa de Ambar dos nossos dias, em 1492, logo na primeira das suas quatro viagens às Américas. Atingiu estas partes do Caribe depois de ter atravessado as Bahamas e de percorrido a metade oriental de Cuba, com o litoral sempre à vista.
Depois dos falhanços de La Navidad e La Isabela, o norte de Hispaniola só viria a receber uma colónia com sucesso, num ano ainda em debate, entre 1502 e 1506.
Seja qual for a data, a povoação terá sido planeada por Cristovão Colombo e pelo seu irmão mais novo, Bartolomeu.
À altura, uma anotação de Cristovão sobre o visual argento da névoa persistente naquela montanha que nos acolhia terá servido de inspiração para o seu nome: San Felipe de Puerto Plata. Para onde entretanto regressamos.
As Vidas que Dão Mais Vida a Puerto Plata
Desembarcamos da carrinha directos para o seu Parque Independência, desenhado com geometria criativa a partir do âmago de La Glorieta, um coreto octogonal victoriano de dois pisos.
O estilo arquitectónico do coreto não é coincidência. Em redor, abundam outros edifícios victorianos erguidos a partir de 1857, por influência dos barcos europeus e imigrantes que começaram a chegar ao porto com os fins do século XIX.
Diz-se, aliás, que a moda se alastrou à medida que os navios fizeram desembarcar brochuras e folhetos com imagens de edifícios victorianos.
Esses edifícios continuam de pé, cada qual com as suas linhas e cores que destoam das construções mais modernas e das linhas austeras da Catedral de São Filipe, o Apóstolo.
Dirigimo-nos para a entrada tripartida do templo quando, uma celebração profana humilde nos capta a atenção.
Sentada num banco de jardim, uma menina segura um bolo de aniversário. Atrás dela, uma jovem dominicana ata um arranjo de balões a um canto do banco.
Charlotte faz três anos. A mãe trata dos ajustes para uma sessão fotográfica que eternize o momento. “Não é só a Charlotte.” diz-nos a senhora. “A Anabela, a mais pequenita, também fez há pouco o primeiro!” Com as ajudas babadas da avó e de uma amiga, a mãe senta as duas filhas no banco com o bolo pelo meio.
A angelical Anabela ignora as fotos. Pouco dada a cerimónias, tira uma grande dedada de cobertura do bolo e suja a boca toda de natas. Charlotte leva as mãos à cabeça. A irmã não pára.
Ataca os sectores coloridos do bolo. Charlotte pede socorro à mãe e à avó mas, divertidas com as diabruras fotogénicas da caçula, as adultas ignoram-na. Charlotte perde a paciência. Grita à irmã lambuzona e tenta impedir o seu terrorismo açucarado. Tarde demais e em vão.
Já não entramos na catedral. Em vez, invertemos caminho para o fundo do Parque Independência e, logo, para uma nova rua da cidade, o beco de Doña Blanca Franceschini, recém-inaugurado pela família do grupo turístico Punta Cana, a Rainieri Kuret.
A viela foi reparada pelo grupo e pela família em homenagem aos 110 anos da chegada da sua avó Blanca a Puerto Plata, em 1898. Bianca (nome italiano original) Franceschini e o marido aperceberem-se que fazia falta um hotel em Puerto Plata.
Decidiram, assim, fundar o Hotel del Comercio, mais tarde Hotel Europa e lançaram uma base sólida do turismo dominicano.
Encontramos o callejon magenta de uma ponta à outra. Decorado com bancos, janelas e espelhos que desafiam os casais de namorados instagramers. Vemos Marielys e a sua cara-metade lutarem para chegarem a uma foto criativa que chegasse.
Passados quinze minutos, ao constatarem a hiperactividade de um bando de fotógrafos com câmaras que lhes pareciam profissionais, não resistem: “vocês não nos podem ajudar aqui? Esta história dos reflexos é complicada… e vocês estão habituados.”
Fazemos a vontade à rapariga. Ela espreita a foto e olha para o namorado com um ar recriminatório de: “vês? Era assim tão difícil?”
Logo abaixo, no paseo das sombrillas, encontramos Josefina Martinez, de Tortuga, uma ilha a norte do Haiti.
Bastante mais à vontade como modelo, divertimo-nos os três num curto improviso em redor do algodão-doce que saboreava.
Descemos um pouco mais, para a beira-mar. Lá encontramos o Forte de São Filipe. Até meio do século XVI, Puerto Plata continuou a desenvolver-se em redor deste forte.
Até que, por volta de 1555, entrou em decadência e passou a ser frequentado sobretudo por piratas, de tal maneira que em 1605 para evitar a expansão da pirataria que prejudicava os Espanhóis, Felipe III, ordenou a destruição da cidade, que só viria a ser repopulada decorrido um século.
Encontramos o forte já fechado mas, como sempre acontece nas cidades portuárias caribenhas, cercado de vida. Tomás Nuñez tinha voltado ao seu velho hábito de patinar em linha e, pelo que víamos, mantinha-se em forma.
A determinada altura, sentou-se a apertar os patins ao lado de Lourdes e de Darwin, ambos deitados a ver as ondas bater na extensão das muralhas.
Chegámos a pensar que os dois família de Tomás mas não, não se conheciam. Dan, o marido de Lourdes e pai de Darwin pescava mais abaixo, fora do alcance da nossa vista.
Confuso? Talvez. Nada de mais se tivermos em conta a riqueza do que tínhamos vivido num só dia de Puerto Plata. Seguir-se-ia a Península de Samaná e os seus Haitises.