Estão identificados em inglês e em hebraico os gradeamentos móveis usados para limitar o acesso dos visitantes ao interior da Edícula.
É assim conhecida a capela sagrada e dourada que contém o túmulo de Jesus e a Capela do Anjo, câmara em que se crê existir um fragmento da laje que o selava e que o Evangelho de Mateus descreve ter sido removida por um anjo descido dos céus, aquando da visita de Maria Madalena.
Segundo Mateus, a acção do anjo provocou um grande sismo. A visão do anjo de Deus e o abalo terão deixado os vigilantes do túmulo aterrorizados, como moribundos.
O anjo tranquilizou Maria Madalena e as Marias que a acompanhavam e moveu-as a constatarem a Ressurreição de Jesus Cristo, de maneira que a pudessem testemunhar aos discípulos.
Rica como é, a narrativa de Mateus deu azo a interpretações distintas.
Ainda hoje, é apontado um equívoco frequente: o facto de que, demasiados cristãos ensinam e aprendem que foi a acção do anjo – leia-se a remoção da laje – que viabilizou a Ressurreição.
O Âmago Religioso da Edícula do Santo Sepulcro
Seja qual for a versão em que acreditem, são fiéis cristãos, os que vemos agrupados na rotunda envolvente da Edícula, sob a supervisão do Cristo Todo-Poderoso, pintado na abóboda acima.
Ao contrário do que acontece nas ruas e ruelas do Bairro Cristão e outros bairros em redor, os soldados das Forças de Defesa de Israel não acompanham os gradeamentos. Estão ausentes da Edícula e da basílica em geral.
Em vez, sacerdotes ortodoxos de batinas dos mais variados tons e padrões abanam incensários de maneira a espalharem fumos e aromas purificadores sobre os crentes.
Outros, auxiliares de batinas negras, controlam o número de pessoas dentro e fora da pequena capela e validam a entrada de novos grupos.
Para boa parte dos visitantes, a passagem pela Edícula prova-se um momento arrebatador, único em toda a sua dimensão histórica e, sobretudo religiosa.
Outras secções da grande basílica, causam os seus próprios arrepios e lágrimas de fé.
Da Crucificação à Ressurreição: o Itinerário Bíblico da Basílica do Santo Sepulcro
É o caso da Pedra de Unção à entrada em que vemos uma crente etíope prostrada por tanto tempo que, às tantas, receamos que estivesse desmaiada.
De uma outra, de visual eslavo, ucraniana ou russa, que chorava de forma compulsiva em frente ao Altar da Crucificação.
E, na capela de José de Arimateia, de duas outras fiéis, envoltas em túnicas alvas.
Beijavam o trono do homem que São Marcos descreveu como um membro do Sinédrio de Jerusalém, um político abastado e correcto crente e apoiante de Jesus, o senador que obteve de Pilatos a permissão para remover o corpo de Cristo, perfurado pelo centurião Longinus, da cruz.
Terá sido José de Arimateia que o sepultou.
Quanto mais exploramos os seus recantos ora áureos e resplandecentes, ora lúgubres, mais nos confrontamos com a riqueza e a dinâmica étnica e cultural da Basílica do Santo Sepulcro, sintomática da amplitude geográfica que o Cristianismo depressa conquistou.
A Génese Bizantina (Imperador Romano Constantino) da Basílica do Santo Sepulcro
No ano de 325, doze anos depois do Édito de Milão (de Tolerância face aos cristãos) decretado por Constantino, Helena, a mãe do imperador viajou para Jerusalém acompanhada de dois outros emissários, numa demanda pelos lugares e itens relacionados com os derradeiros dias de Cristo.
Nos arredores de Jerusalém, Helena de Constantinopla encontrou o Calvário – o rochedo que havia sustido as cruzes – e o túmulo que recebeu o corpo de Jesus Cristo.
As narrativas cristãs afiançam que identificou ainda as cruzes usadas para crucificar os ladrões e aquela em que Jesus Cristo pereceu, conhecida como a Verdadeira Cruz.
Pouco depois, influenciado pela mãe, Constantino I – o primeiro imperador romano cristão – fez estender a sua fé.
Decretou a construção de um templo cristão condigno no lugar de um outro de Vénus, antes encomendado pelo imperador Adriano.
À época, havia que decidir que tipo de edifício seria erguido. E carecia de sentido o emprego das linhas dos templos dos deuses romanos.
A solução encontrada pelos arquitectos foi recuperar e a adaptar a estrutura, na origem helénica, dos edifícios em que os romanos levavam a cabo interacções comerciais, administrativas e judiciais.
Os romanos continuaram a tratar esses edifícios como basílicas. À imagem de tantos outros, gregos e romanos, tanto o termo como o tipo de estrutura acompanharam a proliferação mundial do Cristianismo.
A basílica do Santo Sepulcro de Constantino ficou pronta em 335 d.C.. Conteve tanto a rocha do Monte Calvário da Crucificação como o túmulo da Ressurreição.
A basílica do Santo Sepulcro destacou-se num lugar chamado da Caveira (Gólgota), à data, nos arredores de Jerusalém, a leste das muralhas da cidade, a norte e a oeste de uma pedreira.
A Viagem Atribulada da Basílica do Santo Sepulcro no Tempo
Continuamos entregues ao misticismo secular da basílica, há já muito, lugar das três últimas estações da Via Crucis de Jerusalém.
Uma única porta dá acesso ao templo. Nos confins opostos desta entrada, com passagem pela pedra onfalo – o umbigo cristão do Mundo – damos com uma saída para as “traseiras” do Patriarcado Copto e da Cisterna de Santa Elena.
Lá encontramos dois sacerdotes coptas à sombra de um recanto, na esquina de uma pequena escadaria, sob um carrilhão diminuto de sinos.
Vemo-los beijarem crianças de famílias coptas que por ali passam para os saudarem e obterem a sua bênção.
A presença permanente e dedicada desta última subdivisão cristã intensifica em nós, a curiosidade sobre como seria partilhada a basílica entre as distintas denominações.
A Basílica do Santo Sepulcro actual surge junto ao recanto noroeste da cidade muralhada de Jerusalém. Vítima da violência da história, está longe de ser a original.
No ano 614, os guerreiros do Império Sassânida pilharam Jerusalém. Levaram com eles quase todos os tesouros da basílica. Como se não bastasse, um incêndio por eles provocado causou sérios danos no edifício.
Vinte e quatro anos depois, os Muçulmanos tomaram a antiga região romana da Palestina, Jerusalém incluída. Os califas começaram por permitir a presença destoante da basílica mas, em 1009, Alaqueme Biamir Alá determinou a destruição de todas as igrejas da cidade. Da do Santo Sepulcro, pouco sobrou.
A decisão deste califa fatimida fez o Papado constatar a vulnerabilidade do património Cristão de Jerusalém às mãos dos Muçulmanos. Reforçou a urgência da Primeira Cruzada (1099), que culminou com o cerco e a conquista cristã de Jerusalém.
Ao tomarem a Cidade Santa, os cruzados depararam-se com a igreja tal como nós a encontrámos, excepção feita para alguns danos subsequentes, provocados por incêndios posteriores e pelo sismo de 1927.
Os Cruzados e os seus complexos e atribulados estados resistiram às reconquistas muçulmanas o que puderam.
No início do século XVI, os Otomanos tomaram Jerusalém. Preservaram o controlo da cidade até serem derrotados na 1ª Guerra Mundial.
As Divisões e Disputas das Várias Igrejas Custodiantes da Basílica
Pois, em 1757 e 1852, Osmã III e Abdul Mejide, sultões otomanos respectivos aos anos, emitiram documentos sobre como deveria ser dividida a propriedade e a responsabilidade dos distintos lugares de Israel e Palestina.
Tal como hoje, reclamados por Judeus, Cristãos e Muçulmanos.
Em 1929, com Jerusalém já sob Mandato Britânico, L.G.A. Cust, um mero funcionário público inglês, elaborou o documento Status Quo que prevalece.
De acordo com este Status Quo, os principais custodiantes da basílica mantêm-se as igrejas Grega Ortodoxa, Arménia Apostólica e a Católica, sendo que a primeira detém a maior parte do templo.
Durante o século XIX, de maneira a contornar a sua marginalização, foram atribuídos às igrejas Copta Ortodoxa, à Etíope Ortodoxa e à Síria Ortodoxa santuários menores e outras estruturas em redor do edifício principal, caso do espaço exterior em que convivemos com os sacerdotes coptas.
A basílica está dividida, ao centímetro, de acordo com as suas custódias. Regem cada um dos espaços e patrimónios uma miríade de regras intrincadas.
E, no entanto, nenhuma das poderosas igrejas custodiantes gere a entrada principal. Por responsabilidade ancestral do sultão Saladino que, em 1187, confiou as chaves à família Joudeh Al Goudia e fez com que, não tarda, um milénio depois, continuem na posse muçulmana.
Todos os “problemas” fossem esse.
Malgrado a imagem santificada e santificante dos sacerdotes que gerem o templo, de tempos a tempos, entregam-se a desvarios de discussão e até de pancadaria.
Os Conflitos Físicos Gerados pela Guarda da Basílica
Em Novembro de 2008, a Internet revelou ao mundo vídeos de uma espécie de combate de boxe em batinas entre monges arménios e gregos. Sabe-se ainda que uma porção ínfima do telhado da basílica suscita uma contenda acirrante entre os coptas e os etíopes.
De tal maneira, que, pelo menos um sacerdote copta – provavelmente um dos que encontrámos – se mantém sentado a reclamar esse tal lugar.
Surgiram narrativas de que, a determinada altura da história, um destes monges moveu a cadeira em que se sentava alguns centímetros para conseguir sombra.
Tal movimento foi visto pela igreja rival como usurpador e suscitou nova pancadaria. Onze religiosos foram parar ao hospital. São apenas alguns exemplos.
Perante este Status Quo, qualquer obra ou renovação do templo é quase impossível o que tem causado uma inevitável decadência da basílica.
Já para não falar do caso da famosa Escada Imóvel.
Esta escada foi colocada, em 1757, por um pedreiro que efectuava um trabalho e dela se terá esquecido. Nesse mesmo ano, a divisão otomana da basílica entrou em vigor e, de acordo com o decreto real, “tudo deveria ficar como estava”.
Ao longo dos séculos, a escada foi usada para os mais distintos fins.
Mesmo assim, no conturbado ano 2021 que vivemos, continua onde o Status Quo a determinou.