Era a segunda vez que nos aventurávamos pelos Jardins de Verão, mandados erguer, em 1704, pelo Czar Pedro o Grande.
Da primeira vez, em pleno Estio, predominava um verde clorofilino espectável.
Decorridos três meses e meio, a Natureza entrava em cena. Com o Outono a instalar-se por toda a Rússia, contradizia a nomenclatura escolhida pelo czar. Alourava as árvores que despontavam dos seus solos.
A luz reflectida pela folhagem resistente parecia desafiar a sua génese solar.
Numa tarde de sexta-feira, com o ocaso ainda distante, uma multidão comedida de Peterburgueses e forasteiros invade-o.
O Outono Súbito de São Petersburgo e dos Jardins de Verão
Os visitantes percorrem as suas avenidas forradas e coloridas pela queda, sob o olhar petrificado das cem estátuas de mármore alinhadas de ambos os lados da alameda principal, paralela ao braço de rio Fontanka do rio Neva.
Aqui e ali, detêm-se para fotos e selfies comemorativas da vida.
Onde as folhas mortas se acumulam, apanham-nas, jogam-nas para o ar, sobre as cabeças, as suas e as dos seus.
Vários visitantes insistem nas fotos e nas selfies. Instalam-se em recantos aconchegantes do jardim, à conversa.
Recolhem folhas que escolhem a rigor, entrelaçam grinaldas vegetais com que se coroam da beleza outonal de São Petersburgo.
Mesmo de mármore – já nem sequer as originais talhadas por escultores venezianos – umas poucas estátuas de figuras mitológicas contribuem para as emoções geradas jardins fora, com esgares de surpresa ou leves indignações.
A meio de uma das alamedas, duas crianças, uma delas adornada por grinaldas douradas, empoleiram-se na base de um pedestal, aos pés de uma estátua de bronze negro.
A figura parece contemplá-las no lugar certo.
Eterniza Ivan Krylov, o mais popular e conceituado criador de fábulas russo.
Nos primórdios da sua obra, um admirador e tradutor de La Fontaine que, com o tempo, se autonomizou e se especializou em escrever fábulas satíricas.
A Inspiração Francesa e Óbvia do Palácio de Versailles
De certa maneira, esta inspiração evolutiva é comparável à que esteve na génese dos Jardins de Verão de Pedro o Grande que nos encantavam.
Diz-se que foram desenhados pelo Czar, ele próprio, com o apoio dos paisagistas holandeses Nicolaas Bidloo e, até 1726, por Jan Roosen.
Jean-Baptiste Le Blond, um arquitecto francês recém-chegado a São Petersburgo, tratou de afrancesar o projecto.
E viu a tarefa simplificada pela influência que a arquitectura e paisagismo gauleses, em particular, de Paris, exerciam sobre os monarcas de outras paragens.
Czares incluídos.
Na viragem para o século XVIII, liderados por Pedro o Grande, os russos triunfaram na Grande Guerra do Norte. Conseguiram, assim, rebater a expansão do Império Sueco para leste.
Tomaram-lhes as terras entre o Golfo da Finlândia e o Lago Ladoga, sulcadas pelo rio Neva, em que, em 1703, o czar veio a fundar São Petersburgo.
Por alguma razão o czar recebeu o seu cognome. No que disse respeito a adornar e embelezar a nova capital, Pedro pouco ou nada esperou. Muito menos se poupou a gastos.
Luís XIV tinha terminado o Palácio de Versailles, incluindo os jardins colossais anexos, em 1662. Desse ano em diante, aos poucos, para lá mudou a sua corte, o governo francês e os inúmeros demais.
De tal maneira, que Versailles se tornou o cerne gaulês das perucas, dos cetins, da pompa supérflua. Mesmo assim, a capital funcional de França.
Estimulado pelos recentes triunfos bélicos, pela expansão do Império Russo e pelos proveitos financeiros que os triunfos sobre os rivais ditaram, Pedro o Grande, fez questão de suplantar Luís XIV e os edifícios franceses que, aliás, uns anos antes, tinha ficado a conhecer.
Além dos Jardins de Verão, o czar Pedro ergueu o Palácio de Verão contíguo, e o complexo de Palácios de Peterhof.
Este – que viria ser considerado o inequívoco Palácio de Versailles Russo – engloba três estruturas monumentais com nomes franceses: o Grand Palace, o Marly e, mesmo sobre a margem sul do rio Neva, o superlativo Hermitage.
Terminamos a sexta a apreciar um pôr-do-sol amarelado a dobrar, ainda nos Jardins de Verão.
Um Périplo pelos Palácios Grandiosos nos Arredores de São Petersburgo
Já a arrastarmo-nos, acompanhamos o evoluir do crepúsculo a partir de uma das pontes levadiças sobre o Neva. Ainda saímos a um tal de bar “Fidel”, um dos preferidos do nosso anfitrião, filho da cidade, Alexei Kravchenko.
Mesmo assim, conseguimos levantar-nos a horas dignas. A tempo de vermos que efeito estava a ter o Outono nos restantes palácios de São Petersburgo.
A via que tomamos para ocidente do Golfo da Finlândia é rápida.
Assim que dela saímos, já mais próximos do Palácio de Peterhof, com a ilha-cidade de Kronstadt a norte, detém-nos um trânsito que frustra Alexei. “Isto, num Sábado de manhã, é mesmo muito estranho.
Aqui no telefone não vejo nenhum acidente sinalizado. Sabem o que me parece? É que os fins-de-semana de Outono solarengos são tão raros, em São Petersburgo, que, com esta folhagem amarela exuberante… deve estar toda a gente a ir para o mesmo lugar que nós.”
Breve Passagem pelo Palácio de Peterhof
As árvores predominantes em Peterhof eram distintas dos carvalhos e aceres dos Summer Gardens.
As poucas que tinham tido ou ainda ostentavam folhas outonais, foram vítimas de uma poda de Eduardo Mãos de Tesoura radical que as reduzia a amostras triangulares ou quadradas.
Não obstante, um jovem casal, passeia-se entre elas, satisfeito com a privacidade romântica que damos por nós a quebrar.
Os jardins principais de Peterhof têm, em redor, mais sebes arbustivas que árvores. As árvores surgem, afastadas, com um visual já quase florestal. Como se não bastasse, um contraluz intenso escurecia a frente do palácio.
A Catedral de Pedro e Paulo e a Infâmia esperada dos Invasores Nazis
Concordamos, assim, em apontarmos ao Palácio de Catarina e aos seus jardins. Pelo caminho, detemo-nos a apreciar a catedral de Pedro e Paulo, quase piramidal, repleta de cúpulas.
De certa maneira, uma discípula da bem mais famosa do Salvador sobre o Sangue Derramado.
Encontramo-la envolta do seu próprio arvoredo outonal, reflectida num dos lagos amplos que a ladeiam.
Apenas trinta e seis anos após ter sido concluída, em plena “Operação Barbarrosa“, as forças Nazis que chegaram a estas paragens da Rússia ignoraram a sua beleza e santidade. Usaram-na como depósito de artilharia. E causaram danos substanciais só muito mais tarde reparados.
O trânsito volta a surgir no quarteirão de Pushkinsky por que progride a longa avenida Akademicheskiy Prospekt.
Confirmamos que o Palácio de Catarina, os seus jardins e lagos, eram, mais que Peterhof, o passeio de fim de semana outonal favorito dos Peterburguenses.
A Deslumbrante Versão Outonal do Palácio de Catarina
À imagem do que tínhamos constatado nos Jardins de Verão, lá colhiam folhas caídas e comparavam a exuberância das suas grinaldas.
Umas poucas charretes conduzem passageiros em deleite. Circulam em redor do Bolshoi Prud, o Grande Lago e, em particular, do Pavilhão Grotto na orla norte deste lago maior, oposto ao da Mesquita e Banho Turco.
Também por entre o arvoredo amarelo que condizia com as cúpulas áureas do palácio azul de Catarina, digno de fábulas de encantar, não necessariamente as de Krylov.
Ao Palácio rococó surreal de Catarina, mandado erguer pela imperatriz Elisabete (filha de Pedro o Grande) em nome da sua mãe, os Nazis fizeram ainda pior que à catedral de Pedro e Paulo.
Quando se viram forçados a retirar do demolidor cerco de Leninegrado, fizeram tudo para destruir o edifício.
Acabaram por deixar pouco mais que as paredes exteriores danificadas.
A reconstrução só teve início em 1957. Provou-se complexa e morosa. Por fim, recuperou outro dos caprichos sumptuosos e multimilionários dos Czares nos arredores de São Petersburgo.
Vladimir Putin, czar não assumido – para incredulidade generalizada dos Russos – apontado por Boris Yeltsin seu sucessor no Kremlin, agravou sem retorno, em Fevereiro de 2022, um capricho de submissão imperialista da Ucrânia iniciado no ano seguinte à nossa última ida a São Petersburgo, com a anexação da Crimeia.
De então para cá, os Outonos continuaram a dourar a majestosa Cidade Boreal.
Os Russos, esses, têm ainda menos razões para os celebrarem.