A certo ponto do percurso entre Moçâmedes e Lubango, um vislumbre recorta o horizonte e as alturas.
Surge bem acima das lombas por que se desdobra a EN280 e da savana pejada de arbustos espinhosos que a estrada sulca.
Esta vastidão padece da mesma secura que preserva o imenso Deserto do Namibe, com o limiar setentrional do sudoeste de Angola quase 2500km a norte do oposto, o sul-africano. Ao longo de umas boas dezenas de quilómetros, desbravamos uma paisagem, mais que inabitada, inóspita.
A miragem acerca-se. Torna-se um elemento real, tão inegável como supremo da anhara. Coroa-a uma meseta com a companhia de um pico ligeiramente mais elevado.
Impõem-se quase sem aviso, adiante de uma outra linha de falésia ininterrupta, num dramatismo com uma forte razão geológica de ser:
ali mesmo, as terras planas do Namibe rendem-se às altas do Planalto Central de Angola.
Ficamos aos pés do seu porteiro de pedra, de tal maneira excêntrico que é conhecido como Monte Maluco.
Improvável, aquele relevo gera uma concentração de humidade e de pluviosidade que, por fim, viabiliza a vida humana.
Serra da Leba, Namibe e Huíla: uma Incrível Diversidade Tribal
Mangueiras prova-se a maior das povoações na beira da estrada e no sopé da serrania conhecida como da Leba.
Com os anos, desenvolveu-se como um ponto de contacto entre as gentes ditas modernizadas que por ali passam e os nativos de etnias mumuíla, mucubal, himba, kuvale, muhimba, mbandera, hacahona, zemba, kwando e tantas outras, ramificadas do grupo étnico Herero/Helelo, com prevalência na ampla Damaralândia namibiana, mas disseminadas pelo terço inferior de Angola.
Sucedem-se bancas de artesanato, sobretudo esculpido em madeira.
Mais acima, junto a outras, de comes e bebes, de frutas e legumes, um exército de mulheres mumuíla envolvem quem por ali se detém.
Abordam-nos num português elementar, várias, atrapalhadas com bebés ao colo.
Ainda assim, determinadas a venderem as suas pulseiras, braceletes, colares e afins, a joalharia que, combinada com capulanas, lenços garridos e cabelos entrançados, compõe a moda que as distingue.
Entre os mumuílas e subetnias próximas, são sobretudo as mulheres que comerciam com os forasteiros.
Cabe aos homens a responsabilidade de criar e proteger o gado, a sua principal prova de riqueza.
Sem surpresa, entre as comunidades fiéis aos modos de vida seculares, o lucro obtido pelas mulheres é, amiúde, destinado à aquisição de mais bovinos.
Como por toda a parte, em África, a civilização europeia alterou os modos de vida indígenas.
O Miradouro no Cimo Rochoso da Serra da Leba
Aquela mesma estrada por que viajávamos intensificou, inclusive, o contacto dos nativos com os angolanos urbanizados e os estrangeiros que visitam a Huíla e o Namibe.
Uma ladeira sem fim à vista ascende ao longo do rio Sondjo.
Leva-nos mais próximo das falésias de que se precipita o seu caudal, mergulhado do limbo do Planalto da Humpata.
A ladeira revela uma próxima, lateralizada. Essa outra, dá para um gancho apertado e para outra mais.
A sequência repete-se, pelo menos, sete vezes, num ziguezaguear vertiginoso percorrido por camiões rugidores.
Devagar, devagarinho, travados pela câmara lenta em que sobem, atingimos o planalto.
Passamos por uma cancela de portagem, animada por vendedores de ovos.
Logo, desviamos para o cimo do paredão que antes tínhamos apreciado. Uns poucos varandins delimitam um miradouro sobranceiro.
Dali, deslumbramo-nos com a estrada da Serra da Leba exposta abaixo.
Monumental e surreal, a sua obra representou um triunfo de engenharia, à época, ímpar, em Angola.
Estrada da Serra da Leba: do Projecto Secular à Obra no Término da Angola Colonial
A estrada foi erguida de maneira a permitir que os condutores passassem, em cerca de 20km, dos 1845m de altitude – o zénite da Serra da Leba fica nos 2036m – quase ao nível do mar.
Diz-se que cruzando, no seu serpentear, três zonas climáticas distintas, com as suas próprias faunas.
Hoje, a estrada da Serra da Leba mantém-se uma infra-estrutura de valor inestimável. Tanto, que surge no verso das notas angolanas de dois mil kwanzas. Foram, também financeiros, os estímulos na origem desta via tortuosa.
No final do século XIX, atracavam, em Moçâmedes, vapores provindos da Metrópole, prontos a assegurarem o transporte de bens e produtos gerados em Angola.
Uma das regiões com maior produção era a de Sá da Bandeira e arredores que, no entanto, carecia de ligações rodoviárias, sobretudo, à cidade portuária.
A Resistência dos Povos Nativos à Colonização
Esse era, à data, um mal menor.
Em 1904, povos ovambos do sul angolano que resistiam à colonização impuseram às tropas lusas uma derrota humilhante que ficou conhecida como massacre de Cuamatui.
O recém-indigitado governador da Huíla, Alves Roçadas, preparou, com método, a vingança dessa derrota e a imposição dos portugueses.
A expedição que delineou envolvia a movimentação para o interior de Angola de 2.300 homens armados, 44 carros de bois, 10 canhões e 4 metralhadoras.
Decorreu uma década. A partir do norte da sua África Ocidental Germânica, os alemães que já tinham espoletado a Primeira Guerra Mundial, apostaram em se apoderarem de terras do sul de Angola.
E a Tentativa de Invasão da África Ocidental Germânica
Começaram por instigar os nativos a resistirem à ocupação lusa. Em 1914, os próprios alemães atacaram e chacinaram as guarnições portuguesas. No ano seguinte, todavia, as tropas sul-africanas aliadas entraram em cena. Os alemães renderam-se.
Foi só parte de uma submissão bélica que levou à perda de todas as colónias teutónicas em África.
Os nativos, esses, reagruparam-se. Continuaram a resistir aos portugueses. Um general de nome Pereira d’Eça recebeu a missão de os subjugar.
Para o apoiar, um tal de Eng. José Augusto Artur Torres ficou incumbido de melhorar a estrada aberta em 1864 que levava ao Planalto e a Sá da Bandeira, via Vila Arriaga, hoje Bibala. Pereira d’Eça garantiu a mão-de-obra de milhares de nativos cooperantes.
O fluxo militar então requerido e o trabalho dos indígenas contribuíram para uma vitória decisiva numa batalha de uns poucos milhares de portugueses – seguramente menos de 10.000 – contra muitos mais – estima-se que entre 25.000 e 40.000 nativos munidos de espingardas alemãs.
E o Triunfo sobre os Nativos Resistentes da Batalha de Mongua
Numa espécie de emulação colonial da Batalha de Aljubarrota, os portugueses entrincheiraram-se em forma de quadrado.
Dessa maneira, e munidos de uns poucos canhões e metralhadoras, conseguiram o triunfo mal-conhecido como a Batalha de Mongua.
A exigência logística desta batalha e a do esforço de submissão dos nativos do sul de Angola inspirou a empreitada da actual estrada da Serra da Leba.
Iniciada bastante mais tarde, devemos sublinhá-lo, num novo contexto de sublevação anticolonial.
A Guerra de Independência de Angola durava desde 1961.
Estrada da Serra da Leba: a Obra Tardia atribuída a Edgar Cardoso
O “Para Angola, rapidamente e em força” proferido por Salazar também significou a incredulidade de que Portugal viesse a perder as suas colónias e a necessidade de investir em infra-estruturas que apoiassem o esforço bélico colonial.
De acordo, o regime incumbiu o prestigiado Eng. Edgar Cardoso de construir uma estrada que domasse a Serra da Leba. O projecto passou ao terreno em 1968.
No ano seguinte, mesmo ainda desprovida de asfalto, a estrada já permitia a circulação de veículos.
Ficou concluída, em 1973, com a sua inauguração programada para o ano seguinte.
Passaram uns poucos meses.
A Revolução de 25 de Abril de 1974 ditou a negação da maior parte dos portugueses do seu Império Colonial.
Angola tornou-se independente, enriquecida pela estrada da Serra da Leba recém-legada, que nos continuou a levar a alturas extasiantes da Huíla.
Retomamos o trajecto que liga o miradouro ao Lubango, com passagem pela cidade vizinha de Humpata.
A via conduz-nos à capital da província. Do Lubango, por outra estrada sinuosa, chegamos aos domínios da fenda da Tundavala.
Ali, as vistas confirmam-se uma vez mais grandiosas.
Instigam-nos a dedicarmos à serra e à sua via-serpente todo um outro dia.
No fim da tarde seguinte, de uma das curvas da Estrada da Serra da Leba, assistimos ao sol afoguear-se acima do Monte Maluco, mergulhar para trás do seu contorno e, já sem o vermos, para o lado oposto do Mundo.
COMO IR
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