Mal damos a volta à baía defendida pela fortaleza de Galle, Ary anuncia-nos outra beira-mar quase obrigatória do sul cingalês, a enseada e praia de Unawatuna.
Na reaproximação ao Índico, a Yaddehimulla Rd. estreita. Acossado por riquexós e outros carros, o motorista vê-se aflito para estacionar. Nós, vemos demasiado tempo desperdiçado e um dos fenómenos das terras tropicais que sempre nos fascina.
Dois apanhadores de cocos sincronizam esforços para os obterem de um coqueiro apenas um pouco inclinado. Um deles trepa a árvore, sem aparente esforço, munido de uma faca.
Cá em baixo, o outro, faz de tudo para controlar o trânsito. Em vão. Vários riquexós ignoram-no. Empoleirado, o trepador cansa-se de esperar.
Começa a cortar o grande cacho sob a copa da árvore. Uns poucos cocos estatelam-se na estrada.
Quando um novo riquexó contorna o colega no solo, leva com um coco em cheio e com estrondo, sobre o tejadilho.
O condutor apanha um susto de morte. Quando pára o riquexó e percebe o que acontecera, gera-se uma inevitável discussão.
Ary faz ouvidos moucos e continua sem solução para o carro. “Vamos sair aqui mesmo. Depois encontramo-nos na praia!” atiramos-lhe, em desespero.
Saudamos o trepador que pouco ou nada quer saber dos eventos no solo. Ao ver que louvamos a sua agilidade, retribui-nos um polegar elevado, valida umas poucas fotos. Fazemo-las, entusiasmados por regressarmos à acção. Tão compenetrados, que tem que ser o homem a avisar-nos para nos desviarmos para o lado.
Quando termina a recolha e regressa ao solo, o apanhador já não encontra sinais da contenda. Ajuda o colega a recolher os cocos cortados, pouco tempo depois, vendidos a bares e guest-houses das imediações, a sua água prodigiosa, devorada por mochileiros e surfistas sedentos.
A Praia Dourada e Verdejante de Unawatuna
A mesma estradinha concorrida leva-nos ao areal dourado, quase ocre, de Unawatuna. Entramos na praia, mais próximos do seu recanto ocidental. Uns poucos barcos de pesca oscilam ao sabor de uma rebentação mais de lago que de oceano, como há muito o era aquele Índico.
O coqueiral que delimita o areal ajusta-se a uma elevação que por ali encerra a baía. No cimo desse morro, damos com um inesperado monumento budista, uma estátua dourada e enclausurada de Buda com a companhia de uma estupa com forma e cor de suspiro.
O Welle Devalaya, Sanctuário da Praia, coroa-a de fé e de uma paz litoral que nos sossega.
Só vemos quatro ou cinco banhistas, ao longe.
Sobressai um pescador de camisa enrolada na cabeça, à laia de turbante, cana de pesca para trás das costas e cigarro na boca, que deixa as suas pegadas sobre o comprimento do areal.
De quando em quando, detém-se e atira o anzol para dentro do oceano. De maneira a facilitar a pesca, ele próprio se enfia no Índico, quase até à cintura.
Nem toda a praia de Unawatuna se revela assim natural e imaculada. Mais para o centro da baía, encontramos uma profusão de cadeiras e espreguiçadeiras instaladas por hotéis e pousadas que lucram do exotismo e da beleza tropical e cingalesa do lugar.
E, no entanto, aquela mesma enseada, as suas águas e quase selva foram palco do conflito colonial pelo Ceilão.
A História e o Legado Colonial de Unawatuna e Galle
Foi em Unawatuna que, depois de terem derrotado as forças portuguesas em Negombo, os holandeses desembarcaram e se reorganizaram com o objetivo de tomarem Galle, o que acabaram por conseguir.
Na sequência, os holandeses ergueram diversos lares dos oficiais militares e governativos em Unawatuna, assim como outros edifícios.
Alguns, subsistem. São os casos do hospital da povoação, de uma mansão hoje denominada Maharambe e do Nooit Gedacht Hotel, na origem, casa de campo de um comandante holandês de Galle.
Um outro hotel, antes o UBR, hoje, Calamander Beach, foi construído numa terra denominada Parangiyawatta, traduzível por terra dos portugueses, à imagem de outras, no Sri Lanka, que preservam tal nomenclatura.
Os portugueses e os holandeses partiram. Deixaram os seus legados, apelidos e influências. Em Unawatuna, surgem de quando em quando, enquanto viajantes e sobretudo de mochila.
Deixamos a povoação à beira-mar plantada.
Tínhamos em mente o fito de encontrarmos e fotografarmos praias cingalesas quase virgens de construções, pejadas de coqueiros.
Avançamos pelo sul da ilha, ao longo da sua estrada A2.
O Efeito do Tsunami de 2004 no Litoral do Sri Lanka
Seguimos, também, a indicação de uma senhora de Unawatuna que “tinha ideia de que, em Talphe, ainda existiam assim”.
Em Talphe, inteiramo-nos do agravamento urbanístico decorrente de uma catástrofe indelével.
Em 2004, o maremoto e tsunami do oceano Índico, afectou sobremaneira, o litoral do Sri Lanka.
As vagas arrasaram boa parte do caminho-de-ferro da costa oeste, inúmeras estruturas e, claro está, alteraram as praias, a que roubaram parte dos areais e coqueirais.
Pensou-se que o susto fizesse as autoridades e os empresários construírem mais longe do mar.
Assim não foi.
Também em Talphe, pequenas pousadas surgiram entre os coqueiros resistentes, já bem menos que os de 2004.
Os Pseudo-Pescadores de Estacas
Passamos a Kogalla. À beira da estrada, uma placa com uma fotografia gasta anuncia “Lonely Planet Stick Fishermen Place. Casting a Spell”.
De imediato, Ary dá o alarme e resume a polémica “São pescadores falsos, isso é uma completa farsa!”.
Em tempos de escassez e de fome espoletados pela 2ª Guerra Mundial, os homens da costa sul do Sri Lanka, viram-se obrigados a disputar lugares de pesca como nunca.
Por forma a criarem novos, colocaram barcos e aviões danificados em partes da costa propícias a recifes de coral e a atraírem peixes.
Com os corais consolidados, instalaram estacas, em forma de cruz, que permitiam avistar os cardumes, mas proporcionavam pescarias desconfortáveis e parcas.
Sem surpresa, de 1990 em diante, a tradição desvaneceu. O tsunami de 2004 remexeu os corais em que pescavam e derrubou as estacas.
Parecia uma estocada final. Até que a documentação por parte de fotógrafos famosos, em especial a de Steve McCurry, de 1995, conferiu à prática uma nova fama, a fotográfica.
Tendo em conta o histórico de manipulação visual de McCurry, pouco nos surpreenderia se tivesse sido um dos pioneiros em pagar aos pescadores para encenarem toda uma pescaria.
Tenha ou não sido o caso, a determinada altura, os pescadores perceberam que lucravam muito mais a sentarem-se nas estacas e a fingir que pescavam, a qualquer hora do dia, mesmo no pino do calor. Essa, foi ainda a farsa com que nos deparámos.
Decidimos não alinhar.
Praias Tropicais e um Surf Irresistível
De acordo, avançamos. Até uma outra praia de Kogalla, com areal vasto que uma vegetação trepadeira invadia, até onde as vagas o permitiam.
Por ali, uma rebentação diminuta, mas sustentada, propulsionava um grupo de cinco ou seis surfistas cingaleses, num cenário de visual selvagem e que uma forte névoa marinha tornava intrigante.
Convivemos por breves momentos com um dos surfistas de saída da água.
“Não são, de certeza, as melhores ondas do Sri Lanka, mas estamos a divertir-nos imenso. Isso é que conta.”
Ari, por sua vez, tinha entrado numa certa inquietação. Íamos dormir no caminho para o Parque Nacional Yala. Ainda nos faltava escolher onde e andávamos para ali a fazer não sabia bem o quê. As coisas, assim, não lhe agradavam.
Damos um derradeiro mergulho. Regressamos ao carro e à estrada.
A Pequena Ilha Privada de Taprobana
Voltamos a deter-nos em Tangalle. De novo na praia homónima, de frente para uma das suas peculiaridades: a ilha privada Taprobana, lugar de projectos de Paraísos na Terra, de visitantes com fama extraterrena.
Escolheu-a, em 1925, e lá instalou um seu Éden, Maurice Talvande, um escritor e designer francês naturalizado britânico. Com o decorrer dos anos, a ilha mudou de donos: norte-americanos, cingaleses e um australiano.
Por lá passaram personalidades e estrelas do showbiz, incluindo a cantora aussie Kylie Minogue que, de tão maravilhada, compôs o tema “Taprobane (Extraordinary Day)”.
O Porto Piscatório de Tangalle
Prosseguimos à descoberta da grande ilha cingalesa.
Espreitamos o porto de pesca de Tangalle.
Encontramo-lo à pinha de embarcações multicolores de que despontam bandeirolas ao vento.
Algumas, decoradas com imagens de actrizes e cantoras idolatradas naquelas partes do mundo.
Fotografamos pescadores que esticam longas redes.
E outros, que repousam e convivem, à espera da noite e da hora de voltarem a zarpar para a faina árdua de que nem os fotógrafos, a fotografia e o pujante turismo cingalês os salvaram.
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