Longe do que esperávamos, despedimo-nos de Baton Rouge com um périplo pelo Rural Life Museum local. Entre velhos tractores, charruas e edifícios de madeira recuperados de antigas fazendas algodoeiras.
Por volta das onze da manhã, saímos disparados rumo a norte e às profundezas rurais do estado do Luisiana. Após uma rota urbana inicial, passamos para uma tal de Blues Highway.
Seguimo-la por uma imensidão de pantanais e plantações. Aqui e ali, sobre os riachos, canais e bayous que encharcam o 18º estado dos E.U.A. O Missíssipi, o grande rio americano que acolhe Baton Rouge e a antiga capital Nova Orleães, ziguezagueia, logo ali a oeste, a espaços, tão largo que contempla ilhas fluviais.
A Blues Highway flecte para Ocidente. Com St. Francisville na iminência, desviamos na direção contrária. Sem aviso, embrenhamo-nos numa floresta repleta de faias e carvalhos ancestrais, boa parte deles, com bárbaras-de-velho pendentes.
A Antiga Plantação Oakley, no actual Audubon State Park
Estacionamos no exterior de uma casa de campo erguida em tábua branca, cercada por uma tradicional “white picket fence”. Não sopra sequer uma brisa. Num ápice, o bafo estival húmido do sudeste dos Estados Unidos volta a anestesiar-nos.
Entramos. “Bem-vindos ao Audubon State Historic Park!” saúda-nos uma jovem anfitriã, que ia receber outros visitantes, pelo que devíamos terminar a nossa volta antes que aparecessem.
A Aventura Transatlântica de Jean-Jacques Audubon
Duas ou três salas e explicações aturadas depois, confirmamos que a notoriedade do parque e da fazenda no seu âmago emanavam de uma personagem histórica bastante mais famosa que o lugar: John James Audubon.
Audubon nasceu no actual Haiti, filho de um bretão tornado fazendeiro colonial, em simultâneo, oficial da Marinha francesa e, pasmemo-nos, até corsário.
Em 1803, contava Jean-Jacques Audubon já dezoito anos, o progenitor decidiu salvá-lo de uma morte mais que provável na campanha imperialista de Napoleão Bonaparte.
Um passaporte falso viabilizou-lhe uma viagem transatlântica com término em Mill Grove, uma propriedade que o pai tinha comprado, nos arredores de Filadélfia, e onde contava desenvolver uma promissora mineração de chumbo.
Por forma a se integrar na sociedade norte-americana, Jean-Jacques anglicizou o nome para John James Audubon.
E a Nova vida Norte-Americana de John James Audubon
Enquanto recuperava de febre amarela, aprendeu a louvar o Éden em que se situava a imensa propriedade. Intensificou os estudos e a documentação ilustrada, sobretudo de aves que encontrava, a toda a hora, distintas das de França.
Decorrido algum tempo, John Audubon concluiu que havia um sério risco de o projecto mineiro falhar. Vendeu parte de Mill Grove.
Daí em diante, dedicou-se em pleno à documentação e catalogação da Natureza, ao ponto de erguer um seu próprio museu naturalista, influenciado por outro já existente em Filadélfia.
Audubon casou-se. Mudou-se com a esposa para o Kentucky. O museu e sucessivos bloqueios britânicos de produtos que a família se decidira a lá comerciar, contribuíram para um preocupante declínio financeiro.
Mesmo sem riqueza, o casal Audubon e os dois filhos entregaram-se de corpo e alma ao Naturalismo.
Essa entrega justificou sucessivas deambulações.
Ora, a casa de que a guia nos mostrava foi um dos lugares em que John Audubon se deteve.
Passamos ao piso superior. Apreciamos os quartos.
Segundo a guia, assombrados, claro está. Nem esperávamos outra coisa no pleniparanormal Luisiana.
A Passagem de Audubon pela Plantação Oakley
Espreitamos a varanda desafogada sobre o jardim.
E a floresta que Audubon explorou durante quatro meses do Verão de 1821.
O casal proprietário da então Plantação Oakley prosperava da venda de algodão trabalhado por escravos, às margens do Mississipi.
James e Lucretia Pirrie – assim se chamavam – decidiram patrocinar o aperfeiçoamento na arte de ilustrar da filha adolescente Eliza.
John Audubon não teve como recusar a missão. Honorários à parte, sabia que a fazenda se situava numa zona distinta de Filadélfia e do Kentucky. Revelava-se uma oportunidade imperdível de encontrar e documentar novas espécies animais.
Na plantação de Oakley, entre os ensinamentos a Eliza e incontáveis caminhadas, terá finalizado trinta e duas das pinturas de aves eternizadas no livro que viria a publicar “As Aves da América”.
Com o tempo, o trabalho pioneiro de John James Audubon, tornou-o um naturalista e artista mundialmente aclamado.
Mesmo se reduzida a um quadrimestre, a passagem pela Plantação Oakley, justificou a sua conversão no lugar histórico oficial do Luisiana que, já por nossa conta, entre celeiros e antigos aposentos espartanos de escravos, continuamos a explorar.
Até às três da tarde.
Por fim, apontamos a St. Francisville. A génese e razão de ser da vila depressa se provam óbvias.
St. Francisville, Luisiana: a Povoação acima das Plantações
Muitos dos fazendeiros esclavagistas que fizeram expandir as plantações de algodão a partir das margens do Mississipi, privilegiaram para as suas casas, um lugar sobranceiro, em boa parte, com panorâmicas a perder de vista, sobre a planície fluvial plantada.
Esse lugar revelou-se uma crista a norte de um dos meandros mais pronunciados do rio.
Entre 1773 e 1785, esse alto acolheu um mosteiro espanhol. Em 1807, decorridos quatro anos da Compra do Luisiana pelos Estados Unidos aos franceses, instalou-se no cimo um primeiro fazendeiro.
Seguiram-no outros, numa rivalidade pelo fausto e ostentação que se intensificou.
Enquanto cruzamos St. Francisville, admiramos as mansões e casas mais humildes que se sucederam.
Cerca de cento e cinquenta são anteriores à Guerra da Secessão, o conflito que ditou a união dos E.U.A. e o fim da escravatura na parte Confederada da jovem nação.
Os americanos classificam-nos como antebellum.
Num domínio fortemente conservador dos Estados Unidos, além das mansões, as autoridades de St. Francisville parecem dispostas a conservar uma estátua que louva as forças confederadas defensoras da perpetuação da escravatura, afinal, uma das questões na génese da Guerra Civil Americana.
Esta estátua destacada em frente ao tribunal da povoação mantém-se um dos seus patrimónios fracturantes.
Percebemos a configuração que granjeou à povoação o epíteto de “vila de duas milhas de comprimento e duas jardas de largura”, a determinada altura, o polo habitacional e administrativo da vastidão plantada abaixo.
St. Francisville tem, agora, quase 1600 habitantes abençoados por mais de dez igrejas cristãs.
Devido à sua sumptuosidade e ao exotismo lítico e de barba-de-velho do cemitério contíguo, dedicamo-nos sobretudo à Grace Church de West Feliciana.
Por lá cirandamos.
Entre lápides e monumentos fúnebres afins.
De Entrada na antiga Myrtes Plantation, ainda em St. Francisville, Luisiana
Chegam as cinco da tarde. Damos entrada na Myrtles, uma antiga plantação convertida em hotel.
Recuperamos do desgaste gerado pelo calor. Em seguida, saímos à descoberta da propriedade.
Às sete em ponto, comparecemos para um tour nocturno.
No sempre fantasmagórico Luisiana, sabíamos ao que íamos. Mckenzie, a guia, dá as boas-vindas a um grupo entusiasmado.
Logo, inaugura uma volta pela casa e introduz o grupo ao drama que, assim afiança, continua a atormentar a mansão.
O Passado Esclavagista e o Presente Assombrado de Myrtles
Para começar, o de Chloe, uma escrava que tinha o hábito de ouvir conversas atrás das portas. Numa ocasião, alguém abriu a porta a que se encostava sem aviso. Chloe caiu para dentro da sala, à frente dos senhores. Para a castigar, o seu dono cortou-lhe uma orelha.
Chloe trabalhou na mansão por mais dois anos, despromovida para a cozinha. Por ocasião do aniversário dos dois filhos mais velhos da família, fez um bolo. Como vingança, juntou-lhe folhas venenosas.
Os aniversariantes morreram. Sobreviveu uma filha ainda bebé que não comia sólidos. O pai da família estava fora. Quando chegou, os restantes escravos acusaram Chloe. Chloe foi executada, no Mississipi.
Por essa altura, estávamos de acordo que Mckenzie, a guia, tinha ela própria visual de boneca atraente e assassina, de um filme de terror.
Mckenzie continua a exibir provas do longo enredo e assombramento.
Uma boneca que ficava com os olhos borrados porque Chloe costumava com ela brincar.
Uma cadeira em que a escrava se sentava e sob a qual, o soalho aparecia marcado. Mostra ainda uma foto tirada por um hóspede, numa esquina da mansão, com três vultos, um dos quais com uma cabeça maior. “Diz-se que são os dois aniversariantes envenenados.
E a Chloe, que passou a usar turbante para disfarçar a falta da orelha.” Mckenzie garante-nos que todos os quartos de Myrtles abrigavam fantasmas resultantes desse e dos dramas subsequentes. O do dono da plantação, morto na casa, com cinco tiros, sem nunca se ter apurado por quem.
O da esposa, falecida passados outros sete anos, devido aos sucessivos desgostos.
O da filha que sobreviveu ao envenenamento de Chloe. Que, mais tarde, a febre amarela vitimou.
Devíamos, assim, estar precavidos para eventos nocturnos paranormais. Nos quartos. Ou na sala, onde os espíritos dos filhos envenenados se habituaram a brincar pendurados nos candelabros.
Tão séria como sinistra, McKenzie conta-nos que, após ali se ter tornado guia, passou a ter pesadelos noite após noite. “Uma médium disse-me que todos os guias os teriam. É normal, os espíritos não querem visitas de grupos na casa deles.”
Jantamos.
Recolhemos ao quarto. Decidimos rever um velho episódio de “Weeds”, até para descontrairmos da pressão paranormal a que nos tinham submetido.
Adormecemos, extenuados, com o terceiro episódio já a meio. Se apareceram fantasmas? Mesmo sem sinal deles, quem éramos nós para contrariar a bela mas sinistra boneca humana McKenzie?
COMO IR
Reserve o voo Lisboa – Miami (Flórida), Estados Unidos, com a TAP: flytap.com por a partir de 820€. De Miami, poderá cumprir a ligação para Baton Rouge (2h) por, a partir de 150€, ida-e-volta e, daí, conduzir até St. Francisville.