Aterramos a meio da tarde no aeroporto Fa’a’a de Papeete, a capital de Taiti e da Polinésia Francesa.
Espera-nos Carole Folliard, uma francesa que se fartara da vida padronizada da metrópole. Depois de tirar um ano para viajar por África e pela América do Sul, arranjou trabalho. Assim que pôde, mudou-se para o Ultramar gaulês.
A nós, acolhe-nos de braços abertos. Primeiro no seu pequeno Fiat Panda em que mal conseguíamos ver o caminho tal era a quantidade de colares polinésios com conchinhas e flores pendurados no retrovisor.
Depois, na vivenda situada no PK (Point Kilometrique) 15 de Puna’auia que alugava a dividir com duas colegas, ambas, por essa altura, de férias, mais para norte, no Havai.
Carole instala-nos, dá-nos uma miríade de indicações logísticas e regressa aos seus afazeres profissionais nos arredores da cidade.
Não tardamos a sair também. Andamos até à estrada principal – a única que circunda toda a ilha. Esperamos que passasse o transporte mais tradicional e mais económico do Taiti.
Na fila, não tarda até que nos abordem. “São de que parte da metrópole?” pergunta-nos uma senhora intrigada. “ah, não são franceses… Então ainda mais bem-vindos.” Pouco depois, a conversa vira para o muito atrasado le truck e a senhora desabafa: “estão a planear substituí-los por autocarros modernos.
Daqui a uns tempos não sobra nada típico de cá. Parece que tem que ficar tudo igual à França europeia.” acrescenta com ironia.
Nem de propósito, o camião decorado com motivos e paisagens polinésias aparece.
A Caminho de Papeete, a Capital Destoante e Dispendiosa do Taiti
Subimos a bordo da sua caixa de madeira arejada. Apreciamos as vistas nos quase 10 km que nos separavam do centro de Papeete.
A imagem do paraíso imaculado de Taiti é desfeita em pedaços nesta capital abrasiva e húmida. Aqui, os mais pacientes e curiosos resistem e investigam a sua alma caótica. Quem tem menos tempo ou menos abertura de espírito, parte em busca de paragens naturais bem mais encantadoras.
Começámos por espreitar a Praça Vaiete que ainda tinha alguma animação de rua. Demos uma outra olhada na marina e no parque Bougainville, uma espécie de oásis verdejante na selva de betão. Passámos em frente à Catedral da Imaculada e percorremos a rua General de Gaulle.
Entretanto anoiteceu. Quando regressámos a Vaiete, a praça estava mudada. Tinham-na invadido as esplanadas de uma série de roulottes de petiscos. Cansados de tanto caminhar, sentámo-nos a saborear peixe cru com molho de coco e arroz branco.
O pequeno pitéu de rua servido em bandeja de plástico teve um preço de Polinésia Francesa com que só volvidos alguns dias deixámos de nos escandalizar: 2000 francos do Pacífico, 18 euros.
A Importância Social das Danças Heiva na Sociedade do Taiti
Aproximam-se as dez horas. Vamos ter com Carole a um sítio em que tinha ensaios regulares de dança tradicional heiva para um concurso anual prestes a realizar-se.
Quando chegamos, mais de cem nativos polinésios e alguns metros (franceses da metrópole) ainda abanavam as ancas e as suas saias hulas, no caso da nossa anfitriã e dos restantes europeus, parte da coreografia do seu grupo.
E de um processo contínuo de integração no distante e exótico Taiti que, apesar de administrado e financiado pela França, a um nível popular, sempre resistiu aos seus modos polidos e requintados.
A Chegada Europeia à Polinésia que Continua por Confirmar
As explorações europeias aventuraram-se nestas paragens apenas a partir da segunda metade do século XVI. Os historiadores dividem-se quanto a quem terá sido o primeiro navegador a ancorar ao largo da ilha.
Entre as hipóteses mais prováveis e em períodos distintos contam-se o tenente francês Samuel Walis que circum-navegava o mundo.
Também o explorador espanhol Juan Fernández e, antes de rumar ao arquipélago melanésio de Vanuatu, o piloto português Pedro Fernandes de Queirós, ao serviço de Don Alvaro de Mendaña e da Coroa Espanhola que tinham o objectivo primordial comum das potências marítimas de então de mapear a Terra Australis Incognita.
Aquilo que encontraram os navegadores de então não terá diferido muito do que nos comprometemos a explorar num dia seguinte de circum-condução da ilha, já com um carro alugado na véspera.
À Descoberta de Taiti Nui, a Ilha Grande do Taiti
Despertamos cedo e entramos na estrada circular em Puna’auai.
Taiti divide-se em duas. A ilha maior, Taiti Nui, acolhe o majestoso monte Orohena (2241m) e uma série de outros picos altivos, aguçados e verdejantes ao máximo, dois deles, com para cima de dois mil metros.
Para sudeste, a Presque’ Ile (quase ilha) de Taiti Iti, uma versão diminuta e selvagem de Taiti Nui.
São ambas consequência de um forte vulcanismo, da erosão que se seguiu e se continua a verificar.
Percorremos Nui contra o sentido dos ponteiros do relógio com paragens estratégicas em praias e longas quedas d’água, sempre que os recortes mais profundos do relevo dramático e luxuriante nos permitiram entrar o que quer que fosse para o interior.
Quando chegamos à baía de Phaeton, aproveitamos a benesse da estrada asfaltada para prosseguir até cerca da metade sul de Taiti Iti.
O fim do asfalto corresponde a Teahupoo. Por si só, este nome pouco diz ao comum visitante mas qualquer surfista ou adepto de surf delira só de o ouvir pronunciar.
Teahupoo, Lugar de uma das Ondas Mais Conceituadas do Mundo
Ali, a umas meras centenas de metros do recife que dá origem à onda mais pesada (apesar de atingir apenas de 3 a 7 metros de altura) e uma das mais conceituadas e respeitadas à face da Terra, também nos sentimos privilegiados.
Mesmo sabendo que apenas os profissionais ou realmente aptos se atrevem a surfá-la.
A força da rebentação semi-circular e a pouca profundidade do leito costeiro podem resultar em sérios ferimentos e até na morte. Dezenas de surfistas já pereceram vítimas do seu poder.
Na costa em frente, vêm-nos à mente imagens dos seus tubos amplos e volumosos.
E, no prolongamento do imaginário, a letra de “Tahitian Moon” dos Porno for Pyros, em que vocalista nova-iorquino Perry Farrel que se mudou para Los Angeles, nos anos 80, para viver do surf canta uma desventura marítima que lhe aconteceu por estes lados:
“I don’t know if I’ll make it home tonight, but I know I can swim under the Tahitian Moon”.
Hoje, um desporto universal, o surf foi, à imagem das tatuagens e durante séculos, um elemento fulcral da cultura polinésia. Tal como a descoberta do Taiti, também o primeiro europeu a apreciar a prática do surf é motivo de debate.
A Passagem Atribulada da “Bounty” pelo Taiti
Essa visão inaugural e excêntrica ter-se-á igualmente verificado nesta ilha que o Mundo não tardou a associar a paraíso devido a sucessivos testemunhos escritos da beleza tropical dos cenários e da afabilidade do acolhimento dos nativos, propalada como nunca em “Revolta na Bounty”.
Na longa-metragem, enquanto esperam por melhor altura para colherem fruta-pão com que os ingleses planeavam passar a alimentar de forma mais económica os escravos das Índias Ocidentais, os marinheiros sob o comando do capitão cruel William Bligh, incluindo o 1º Tenente Fletcher Christian (Marlon Brando) desvairam-se por seis meses na vida aprazível e no amor livre das nativas.
O próprio Christian apaixona-se por Maimiti, a filha do rei. Dezasseis homens trocam a pena de prosseguir a bordo da “Bounty” pelo regozijo taitiano.
Neste mesmo périplo pelas Ilhas Sociedade, explorámos cinco outras ilhas do arquipélago incluindo Bora Bora e Maupiti.
Confirmámos que, mesmo protegida por uma barreira de recife que lhe concede uma auréola azul-turquesa, a bem mais elevada Taiti não era um atol.
Por este motivo, fosse de avião ou do cimo das elevações no centro destas formações geológicas, pudemos também concluir que a maior parte das vizinhas se revelaram, em termos visuais, bem mais atractivas.
E, no entanto, Taiti, sempre foi a grande líder e sempre teve a maior fama de paraíso na Terra.
Regressamos à base de Puna’auai.
Carole tem que tratar de outros detalhes das vestes para o concurso de heiva.
Nós, insistimos com Papeete.
A Vida Polinésia que Deslumbrou e Inspirou Paul Gauguin
No mercado municipal Maputu a Paraita somos recompensados com muitas das personagens e da vivência que terá encantado os marinheiros da “Bounty”, feito Paul Gauguin assentar arraiais na ilha e pintar como nunca.
Repleto de fruta e de vegetais de todas as cores e organizados de forma imaculada em bancas, o mercado é animado por vendedoras em vestidos tradicionais polinésios com tonalidades fortes, enfeitados por folhos, grinaldas colares e sabe-se lá mais o quê. Tem lugar um concurso local de misses.
Um mestre de cerimónias efeminado e cercado de nativas e vários outros mahus (homens-mulheres da Polinésia francesa) apresenta candidatas em catadupa ao ritmo dos tambores tocados por homens só homens de tronco nu, musculados e cobertos de tatuagens de estilo taitiano.
Desdobrada em ritos cuidados, a festa entrou pela tarde dentro. Nesse tempo, Papeete também cumpriu as suas funções mais executivas.
Dezenas de ferries zarparam para outras ilhas da Polinésia Francesa,
Lá chegaram e de lá partiram incontáveis turistas ansiosos por explorar o arquipélago afrodisíaco em redor e concretizaram-se inúmeros negócios com a metrópole e outras cidades do Mundo.