Porto Rico. O reggaeton, as suas estrelas e sucessos.
Não há como dissocia-los. Sobretudo a partir da viragem para o século XXI, invadiram o mundo. De tal maneira que, muito à conta deste estilo emergente, a música hispânica começou a ameaçar a supremacia mundial da música anglófona.
Daddy Yankee e os seus êxitos “Gasolina” e “Lo que Pasó Pasó”, de 2004, no mesmo ano, “Baila Morena” a resposta de Héctor & Tito que ouvimos pela primeira vez, em Valle Seco, uma aldeola piscatória vizinha de Puerto Colômbia, Caribe venezuelano e que, só vários anos mais tarde, lográmos identificar.
Quando não é o reggaeton, sobressaem outros ritmos, músicos e artistas multifacetados.
Só assim de cor, lembramo-nos de vedetas planetárias como Jennifer Lopez e Marc Anthony, Ricky Martin, Jose Feliciano, Benicio del Toro, Joaquin Phoenix, estes, os mais famosos.
Mas, concentremo-nos, para já, no reggaeton.
O Ritmo Imparável a que o Reggaeton Conquistou o Mundo
A determinada altura, os novos sucessos musicais porto-riquenhos conquistavam as pistas de dança com intensidade comparável ao das batidas latinas dembow frenéticas de cada tema, todos eles, populares popularuchos, sem grandes profundidades, esoterismos ou subtilezas estéticas.
As letras falam de “perrear”, de “fuego” y “afuegote” e do “flow”. São expressões que traduzem, pela ordem, o movimento sexual de cópula em pé e com roupa, incontornável, quando se dança reggaeton.
A temperatura e a atmosfera sexual características das discotecas e clubes que passam reggaeton.
Por fim, a harmonia e fluxo da música que explica porque tantas letras incluem um apelo de “dame reggaeton!”.
O reggaeton traduz, há muito, a ânsia por diversão e prazer típica destas partes semi-caribenhas do mundo.
Em simultâneo, uma reinvenção radical dos estilos musicais em tempos indisputados das Caraíbas, a rumba, o cha-cha-cha, o bolero, o mambo, a guaracha, a bachata dominicana, entre tantos outros.
Num âmbito cultural com forte influência do pop, do hip-hop do rap e suas fusões dos Estados Unidos, o registo visual dos artistas adquiriu tanta ou mais importância que o dos êxitos.
Revelou-se ainda preponderante para o engrossar das suas legiões de fãs e seguidores.
E para o desejado estrelato e riqueza desmedida que se segue.
Hoje, o ainda mais excêntrico e superficial Bad Bunny parece ter substituído Daddy Yankee no trono do reggaeton. Mas, em Janeiro de 2017, Luis Fonsi e Daddy Yankee uniram esforços num tema do álbum de Fonsi de 2018, “Vida”.
Esse tema, “Despacito” destoou e muito da linha fortemente batucada, ritmada e electrónica com que Yankee fez a sua fama. Desacelerou a energia e cadência passional de Porto Rico para um modo lento, arrastado, quase lamecha de celebrar o sexo e o amor, incompatível com qualquer anseio de “perreo”.
Por alguma razão, Fonsi se aliou a Yankee. O primeiro apercebeu-se do potencial comercial do tema, e de quanto o colega de ofício o poderia multiplicar.
Sem surpresa e, em três tempos, “Despacito” tornou-se o mega-sucesso do ano.
Confrontado com a decisão do que fazer com o vídeo, o duo concordou em simplificar.
O Sucesso “Despacito” e o Bairro La Perla de San Juan
Em celebrar as suas imagens idolatradas e, em simultâneo, a genuinidade e humildade do coração e alma de Porto Rico: a sua Vieja San Juan, a segunda cidade colonial hispânica mais antiga e a cidade colonial mais fortificada das Américas.
Em 2016, os dois músicos e a Miss Universo 2006 Zuleika River Mendoza desceram à beira-mar de La Perla, um dos bairros mais pobres, coloridos e, em tempos, mais perigosos de San Juan.
Durante as filmagens, o Atlântico desenrola-se, comedido, sobre o recife rochoso que, por norma, protege o casario das tempestades.
Fonsi e a modelo exibiram os seus físicos cuidados (o de Yankee, nem tanto) e visuais sedutores nas ruelas sujas do bairro, sobre o entulho acumulado na base da primeira linha de habitações.
Conviveram com os moradores remediados, cantaram e dançaram em pátios, em tascos e afins. Só umas poucas cenas adicionais foram filmadas no famoso bar “La Factoria”, situado bem mais acima, na Calle San Sebastian da cidade velha.
Quatro anos mais tarde, damos connosco às portas desse mesmo bairro La Perla. Primeiro, vislumbramos as suas casas e ruelas desde a via cimeira Bulevar del Valle.
Pouco depois, contemplamo-lo em formato panorâmico a partir das muralhas e adarves do Castillo San Felipe del Morro.
Àquela distância, tudo nos parece normal. Vemos as suas casas multicolores, empilhadas umas sobre as outras na encosta norte, ainda algo verdejante da ilha de San Juan, entre o cemitério Magdalena de Pazzi e o grande Castillo de San Cristóbal.
Mesmo se o seu sortido cromático prevalecia, La Perla não era a mesma.
Furacão Maria: a Catástrofe que Devastou o Bairro La Perla e Porto Rico
As tempestades tropicais e furacões já fustigavam o Caribe muito antes do desembarque de Cristóvão Colombo. Dois deles quase encurtaram a vida do almirante.
A 20 de Setembro de 2017, o furacão Maria devastou Porto Rico. Um dos lugares mais expostos às tempestades e, como tal, mais destruído comprovou-se o bairro La Perla, virado a norte e com as suas casas uns meros metros acima do nível do Atlântico.
Inflado pela tempestade, o oceano projectou ondas massivas que arrasaram diversos lares.
Quando por lá passámos, boa parte deles continuavam destruídos e abandonados, agora sob a pressão de intensa especulação imobiliária.
Malgrado os efeitos do furacão, La Perla mantinha-se uma inusitada galeria de arte de rua, com as suas fachadas, telhados, pontes e tantas outras estruturas pintadas com distintas obras.
A Bandeira de Porto Rico e Tantas outras Expressões de Arte de Rua
À imagem do que acontece um pouco por todo o território, algumas frentes inteiras exibem pinturas da bandeira de Porto Rico que vimos, aliás, também ilustrada nas raízes secas de uma árvore.
Outras obras, contam a história, as tradições e as agruras sócio-políticas da ilha.
Uns metros acima do barrio La Perla, a rua Bulevar del Valle tem uma sua longa secção preenchida com obras de rua.
São quase todas reivindicações abrasivas contra a corrupção de que os governadores de Porto Rico se viram acusados ou alusivas ao abandono em que os Estados Unidos de Donald Trump votaram a ilha após a catástrofe do furacão Maria.
Quem chega de Santo Domingo e de outras ilhas vizinhas do Caribe, depressa se apercebe que, em Porto Rico, o amor e o empenho colocados na arte são superiores.
Qualquer que seja o bar, restaurante ou pousada de San Juan faz questão de ter uma decoração, uma imagem de marca e uma atmosfera única.
Se os empreendedores não possuem fundos ou propriedades, expressam-se a escalas mais terra-a-terra.
Constatamo-lo num mercado agrícola natural, onde os produtos surgem expostos com grande elegância, os sumos e licores têm nomes e sabores fora da caixa, como o artesanato, inventivo e personalizado.
Uma Vocação Artística há Muito Cultivada
A umas poucas centenas de metros, destaca-se do relvado vasto de El Morro um dos motivos e móveis da criatividade da nação, a monumental Escuela de Artes Plásticas y Diseño, amarela-torrada e, pelo menos à primeira vista, maior que o próprio Capitólio de Porto Rico.
Adornam as imediações estátuas emblemáticas da cidade, caso da de Don Ricardo Alegria, antropólogo, historiador e antigo alcalde de San Juan, cuja pro-actividade deixou a marca por toda a urbe, incluindo a fundação da própria escola de arte em que se graduou Luz Badillo, a autora da estátua.
Exploramos os confins quase-marinhos do Castillo San Felipe del Morro quando, como acontecia tarde após tarde, de um momento para o outro, o céu enegreceu e descarregou uma bátega fulminante.
Corremos Calle el Morro acima, em busca de um abrigo na grelha colonial da Cidade Velha. Refugiamo-nos no interior do edifício do Museu de Las Américas.
Sob as suas arcadas, à margem da protecção, damos com mais um dos inesperados mundos de luz e de cor de San Juan. O museu dispõe-se em volta de um pátio desafogado.
Dos três pisos repletos de portas, janelas e janelos ogivais, rectangulares e redondos, emana uma iluminação cor-de-rosa mística que invade o pátio.
Reflecte-se no piso batido pela chuva e pejado de poças.
E distorce-se no seu próprio prodígio efémero de Pop Art. Jovens também por ali a salvo da chuva, sentem o encanto. Deixam as arcadas para o quadro do pátio. Entregam-se a fotos e a selfies encharcadas.
À boa moda dos trópicos, tão depressa como apareceu, a tempestade deu de si. Com a noite a instalar-se, deambulamos pela Cidade Vieja.
Apreciamos como, aos poucos, se ajustava ao “fuegote” prestes a dela se apoderar. Os bares a ficarem à pinha e a passarem os temas do reggaeton essenciais ao “flow”.
Os primeiros ensaios ainda tímidos de “perreo”, preâmbulos de nova madrugada em fuego nas discotecas da capital porto-riquenha.