“Isto não é nada!” assegura-nos Pedro Palma. “Vocês vêm aqui em Julho ou Agosto e quase assam.
Chegam a fazer 40º cá em cima, a 2400 metros de altitude. Imaginem lá em baixo, aos 400 metros em que correm o Urique, apertado pelas ravinas.”
Pedro sabia do que falava. Já tinha liderado expedições de muitos dias ao longo desse rio. Pelas beiras e, quando necessário, a flutuar nas suas águas cálidas.
No caso do guia, a ligação com as Barrancas del Cobre era de aventura passageira.
Barrancas del Cobre: o Canyon Imenso da Sierra de Tarahumara e do Povo Rarámuri
Mesmo extremo e áspero como se revelava, aquele domínio de 65.000 km2 – é muito mais vasto que o vizinho Grand Canyon do Arizona e que o Fish River Canyon do extremo sul da Namíbia.
Talharam-no seis rios e, pelo menos, 60 milhões de anos de vulcanismo, de actividade tectónica e de erosão menos drástica, era há muito habitado.
Quando os conquistadores e colonos espanhóis chegaram a estas paragens, no século XVII, depararam-se com indígenas Rarámuri disseminados pelas terras do actual estado de Chihuahua.
Chamaram-lhes Tarahumara, de acordo com o termo que os nativos usavam para definir os seus homens.
Anos depois, tal como desejavam, descobriram prata. À medida que submeteram os indígenas, forçaram-nos a minerar para seu proveito. As tentativas de libertação dos nativos esbarraram na superioridade bélica dos europeus.
Como consequência, os Tarahumara retiraram-se para áreas afastadas e de difícil acesso.
As Barrancas del Cobre, um refúgio desafiante mas à mão de semear, continuam a acolhê-los.
O Artesanato que Sustenta a Vida dos Rarámuri
À imagem do que acontece em Creel, o principal polo turístico da região, noutras povoações e até em Chihuahua, sobretudo as mulheres Rarámuri dedicam-se a vender aos forasteiros o artesanato colorido que aprenderam a produzir.
Vemo-las à entrada do parque de aventuras, acima do miradouro da Piedra Volada.
Encontramo-las, nas suas blusas e saias folhadas e garridas, em Mesa de Bacajipare, a estação mais profunda do teleférico residente, com uma vista deslumbrante sobre a confluência de três das barrancas, a del Cobre, a Tararecua e a de Urique.
Algumas mulheres Rarámuri felizardas, têm direito a bancas de madeira que as legitimam e protegem do sol. Outras, instalam vendas móveis à sombra de árvores ou até sobre rochas polidas.
Têm a companhia de filhas crianças que, fartas do castigo de ali terem que estar, se entregam a contemplações alienadas da paisagem.
Tirolesa, Via Ferrata e outros: o Mundo de Aventuras da Barranca del Cobre
No cimo da falésia, sucessivos voluntários lançam-se na tirolesa local, uma das mais longas do mundo, com 2.545 m de cabo, três minutos de percurso em que os viajantes mais pesados atingem os 130km/h.
A Zip Rider, assim foi baptizada, gera gritos tão histéricos como duradouros.
Ouvimo-los quase até ao sumiço de quem os entoa nas profundezas do barranco, umas entranhas mesoamericanas da Terra que a época seca e o calor do meio da manhã enevoavam e tornavam mais estranhas.
A espaços, bem mais silenciosas, as cabinas de teleférico voltam a cruzar o canhão. 3km, para baixo, outros 3km para cima.
Desde 2010, quando foram inauguradas, que os Rarámuri têm o direito de as usar.
Tal usufruto poupa-os a caminhadas diárias atrozes, aos exercícios intensos a que os nativos toda a vida se viram obrigados e que deles fizeram casos prodigiosos de resistência física e atlética.
A Incrível Aptidão Atlética do Povo Rarámuri
Com os organismos adaptados à altitude, à secura e ao frio atroz do Inverno, oxigenados por um ar filtrado pelos incontáveis pinheiros da Serra de Tarahumara, energizados por alimentos naturais e nutritivos e acostumados a subirem ladeiras de 500 metros com cargas de 15 ou 20kg, os Rarámuri sempre foram corredores natos.
Mais que corredores, maratonistas comparáveis aos kalenjin ou Masai do Quénia, se bem que com fisionomias distintas e com menor sucesso e notoriedade internacional.
Os Rarámuris partilham um dito que resume a sua estamina milenar: “Quien no aguenta, no vale!”. Muito antes de participarem em maratonas e ultramaratonas, já a colocavam em prática em competições tradicionais só suas.
A Rarajípari, por exemplo, é disputada entre equipas masculinas de distintas aldeias, por norma, após convívios em que os nativos partilhavam tejuino, cerveja de milho.
Durante uma Rarajípari, cada equipa de corredores jumame, chuta para diante uma kamakali, uma bola com 7 ou 8 cm de diâmetro feita da raiz de carvalhos, medronhos ou de outra árvore, o tascate.
Os participantes correm atrás da bola. Apanham-na. Voltam a chutá-la, com frequência, ravinas abaixo, num progresso em que devem evitar que a bola se imobilize que emula o movimento incessante do sol.
Em eventos de maior rivalidade, uma Rarajípari pode estender-se por 50 ou 60 km. A equipa que percorre primeiro a distância combinada, sagra-se vencedora.
Já as mulheres, defrontam-se nas romeras, ou carreras de ariweta, em que fazem mover um aro composto de ramos, com diâmetro entre 5 a 15 cm.
Das Corridas na Serra Tarahumara às Competições Mundiais
Moldados pelo este contexto geográfico e sociológico, alguns Rarámuri conquistaram uma fama peculiar. Desde os Jogos Olímpicos de Amesterdão (1928) que os seus homens participam em provas de renome.
Triunfaram, por várias vezes, em maratonas mexicanas e até internacionais, a correrem como se habituaram a fazer na Serra de Tarahumara: descalços ou sobre huaraches, calçado com sola de pneu e tiras de couro.
A Netflix divulgou recentemente o documentário de Juan Carlos Rulfo “Lorena, la de Pies Ligeros”. dedicado a Lorena Ramirez. À primeira vista, Lorena é apenas uma mulher rarámuri.
Lorena: a Rarámuri Voadora
À medida que o documentário evolui, desvenda como, aos 21 anos, sem qualquer treino regular ou preocupação com a sua forma, de saia comprida e huaraches, Lorena terminou a Ultramaratona Caballo Blanco, de 100km, em segundo lugar.
E como, decorrido apenas um ano, triunfou no UltraTrail Cerro Rojo, de 50km e na Ultramaratona de Los Cañones, de 100km, resultados que lhe granjearam convites para provas internacionais de renome, caso do Tenerife Blue Trail.
Mas, voltemos ao dia-a-dia corriqueiro dos Rarámuri e ao fundo “intermédio” da Mesa de Bacajipare. Por ali, enquanto as vendedoras sugeriam aos visitantes o seu artesanato, aos poucos, o sol deixava de dar nas profundezas do rio Urique.
Já só incidia na sucessão de cristas e de vês em que se retalhava a barranca homónima, longe de representar um alívio significativo da fornalha.
Hotel El Mirador, Varandas Panorâmicas
Apanhamos o teleférico de volta ao ponto de partida. Do cimo, cumprimos 3.5km até ao Hotel Mirador em que iríamos passar a noite. Instalados no quarto, percebemos o quanto de Mirador tinha o albergue.
Tanto o terraço contíguo à sala de refeições como a varanda do nosso quarto se situavam sobre o limiar leste do hotel e sobre a ravina. Concediam vistas amplas e dramáticas do barranco, de um ângulo diferente dos pontos panorâmicos do parque de aventuras.
O que restava da tarde, dedicamo-lo a uma caminhada, primeiro pela orla do barranco, com passagem por mais bancas improvisadas de vendedores Rarámuri, seguidos por um grupo de cachorros com visuais e tamanhos destoantes que passaram o tempo todo em lutas e mordidelas a fingir.
Do cimo, o trilho submete-se a uma ladeira curva, escondida entre pinheiros.
Conduz-nos ao sopé da falésia, a uma colónia de cactos verdejantes.
E a uma outra, Rarámuri, de lares improvisados contra o paredão de rocha, numa versão actualizada das grutas e fendas que os indígenas habitaram ao longo dos milénios.
Os Lares Ajustados às Falésias dos Rarámuri
Numa delas, uma anciã tomava conta de três crianças.
Estabelecido contacto, os miúdos revelam-nos cachorros recém-nascidos, expostos como os brinquedos felpudos e patudos de que serviam, tudo acompanhado de um balbuciar vigoroso, mas ternurento, em dialecto rarámuri.
Deixada para trás a comunidade no fundo da falésia, galgamos os “esses” da rampa que levavam de volta ao hotel Mirador. Sem os atributos pulmonares dos indígenas, com as coxas a arder e ofegantes a condizer.
Subimo-los, numa pressa aflita, por percebermos que se desenrolava o ocaso, num modo de livro infantil, de colorir, que reavivava as Barrancas.
Quando chegámos à varanda do quarto, o céu estava em fogo.
Os sulcos daquela terra mexicana exibiam o tom mais cobreado que lhe tínhamos visto.
Onde Ficar nas Barrancas del Cobre
www.hotelmirador.mx
Tel.: +52 (668) 812 1613