Há sempre lugar para mais um barco no Sudeste do Alasca.
Isolada entre o oceano Pacífico e a imensidão da Columbia Britânica, a região está fragmentada por incontáveis canais e fiordes.
Deles se elevam as Coast Mountains, uma cordilheira litoral junto à Tongass e uma das maiores florestas dos Estados Unidos.
Esta natureza rude inviabiliza a construção de vias. Com excepção de Skagway, Hyder e Haines, as povoações locais continuam desprovidas de uma ligação rodoviária ao exterior.
A via de eleição é, assim, o Alasca Marine Highway, uma espécie de auto-estrada marítima que tem início no longínquo porto aleuta de Unalasca/Dutch Harbour.
E que percorre a passagem interior do «cabo de frigideira» até Bellingham ou Prince Rupert, a norte de Vancouver.
Tornamo-nos seus passageiros frequentes.
Numa de várias viagens marinhas, embarcamos em Skagway no “M/V Malaspina”, com destino à capital alasquense.
Alasca Marine Highway Abaixo, Rumo à Capital Juneau
Durante o Inverno, praticamente não chegam turistas. Juneau vive uma vida genuína. Os legisladores do estado entretêm-se aqui com os seus lobbies e confrontos políticos.
Encontram-se, diariamente para trabalhar no Capitólio e no City Hall. Depois, por falta de espaço e de oferta, confraternizam juntos nas escassas ruas, restaurantes e bares da cidade.
De 2006 a 2009, a protagonista deste círculo foi a governadora republicana Sarah Palin. Nascida no Idaho, mudou-se com a família para o Alasca ainda muito nova.
Não demorou a afeiçoar-se ao estado e a Juneau onde tem uma mansão à beira da estrada pouco protegida que quase nunca habita, em detrimento da original, em Wasilla.
Mas a Republicana não se afeiçoou tanto como era de esperar.
Vinte e dois anos depois de ter ficado em terceiro lugar no concurso Miss Alasca, apenas alguns dias após ter tomado posse, Palin irritou os habitantes de Juneau ao dizer aos seus commissioners que não tinham que se mudar para a capital.
A verdade é que poucos são os políticos a quem agrada a perspectiva de ficarem sitiados na capital-miniatura, condenados por uma meteorologia lúgubre e horas a fio em frente ao televisor. Mesmo assim, a sinceridade da governadora pecou por excesso.
Em Agosto de 2008, Sarah Palin deixou a capital do estado para fortalecer a candidatura de John McCain à Casa Branca.
O resultado não foi o esperado pelos Republicanos e o objectivo da eleição presidencial gorou-se.
A Surpresa dos Americanos do Lower 48 Perante a Capital do Grande Alasca
O Verão sempre trouxe mudanças a Juneau. «É isto??» perguntam vezes sem conta os recém-desembarcados dos cruzeiros estivais.
Juneau tem o condão de deixar incrédulos muitos dos compatriotas do Lower 48. A sua dimensão exígua parece-lhes brincadeira.
Sobretudo quando as companhias de navegação estão presentes com vários dos seus enormes cruzeiros, parte da cidade fica «entalada» entre as embarcações monstruosas e as lojas na base do Monte Juneau.
O aperto gera o mesmo estímulo consumista que rege Skagway, mas sufoca a cidade.
Os visitantes com vistas largas e carteiras recheadas monopolizam as poucas fugas possíveis.
Dos confins da S Franklin Street, um teleférico ascende ao cume do Mount Roberts.
Desse mesmo cimo, desvendamos, em formato panorâmico, o casario da cidade e os paquetes contíguos.
O longo canal de Gastineau, sulca a floresta densa.
Vêmo-lo transformado numa pista de aviação concorrida, tal a quantidade de hidroaviões a descolarem para sobrevoarem outros cenários das redondezas:
montanhas nevadas, lagos, o glaciar Mendenhall e o vasto campo de gelo de que desliza.
Estes últimos são as grandes atracções naturais da região, atormentadas pelas ondas de forasteiros durante todo o Verão.
Sempre que a meteorologia o permite, helicópteros atrás de helicópteros elevam-se do aeroporto da capital com destino ao domínio gelado do Juneau Ice Field onde os esperam enormes acampamentos de Dog Mushing.
Nestes tours dispendiosos, os passageiros dos cruzeiros combinam voos panorâmicos divinais com rápidos baptismos nos trenós puxados por cães.
As Visitas Deslumbrantes das Orcas e Baleias de Bossa
Juneau atrai outros visitantes. Quando os meses quentes do Alasca se aproximam, enormes colónias de baleias de bossa e de outras espécies chegam de águas tropicais como aquelas em redor do arquipélago havaiano.
Em cerca de 30 dias, percorrem quase 5000 kms até atingirem o mar frígido e repleto de krill em redor de Juneau.
Com outro menu marinho em mente, seguem-nas centenas de orcas.
Como seria de esperar, o seu avistamento tornou-se numa das actividades mais populares da região.
Ao contrário do que se passa noutros lugares tão ou mais remotos, é simples e quase garantido.
Embarcamos numa marina movimentada nas imediações do Lago Auke.
Zarpamos para as águas desafogadas da Auke Bay. Estamos de rastos devido a repetidas viagens nocturnas mas mal temos tempo para nos lamentarmos.
Com poucos minutos de navegação, vêmo-nos lado a lado com um bando oportunista de orcas. Pouco depois, detectamos caudas de outros destes mamíferos a afundar-se.
Logo, somos prendados com o espectáculo mor. Um grupo de baleias-de-bossa posiciona-se num quase círculo.
Num ápice, produzem em redor de si enormes bolhas que desorientam e forçam um grande número de peixes do cardume alvo a emergir.
Uma vez que os peixes se encontram próximo da superfície, são as próprias baleias que emergem com as enormes bocas escancaradas, ávidas por engolirem o maior número possível de peixes, acossadas por gaivotas famintas e destemidas.
Os passageiros, meio incrédulos, rejubilam com o fenómeno, na maior parte dos casos, só por eles testemunhado em documentários televisivos.
Ou nunca visto.
O Jeito Americano-Alasquense do Curto Verão de Juneau
Com os clientes satisfeitos e o tempo programado a esgotar-se, a tripulação faz o barco regressar à doca. Dali, levam-no para um almoço-piquenique de confraternização internacional.
O salmão fresco e a root beer combinam bem no fresco da floresta de encosta em que nos encontrávamos.
Não tarda, senta-se à nossa mesa um casal norte-americano chauvinista. “Portugueses?
Não temos muitos lá no Texas. E já decidiram em que parte dos Estados Unidos é que vão ficar a viver?”, pergunta-nos o marido gordalhufo e avermelhado como se mais nada, no resto do mundo, pudesse alguma vez interessar.
Abreviamos a refeição. Regressamos à marginal sempre inundada de transeuntes de Juneau. Faz um calor incomum para estas latitudes e só nos agasalhamos após o pôr-do-sol.
Nesse, dia, por essa hora, rendemo-nos à curiosidade.
Mortos por uma cerveja Alaskan Amber que já não bebíamos desde Skagway, damos entrada no Red Dog Saloon, um bar, hoje, por muitos considerado de mau gosto, famoso por ter sido inaugurado nos tempos da febre do ouro alasquense.
O estabelecimento mantém a velha fórmula da música ao vivo.
Actualizam-na DJs entertainers que, ainda ao piano mas apetrechados de muita mais tecnologia e um enorme frasco de gorjetas identificado como Viagra, levam os espectadores ao êxtase.
“Alguém daqui é de New Orleans?”, pergunta o músico branco e careca à multidão entregue a refeições caseiras. “Vou tirar o boné.” Já veem porque ganhei o concurso de sósias do Louis Armstrong.
Agarra numa espécie língua da sogra carnavalesca, enrouquece a voz o mais que pode e dá início a uma espécie de recital eufórico de Blues.