As eleições gerais de Samoa tinham terminado havia quatro dias, mas o processo estava longe de ser encerrado.
Ao passarmos pela longa Mulinu’u Road que percorre o istmo da cidade até à ponta homónima, deparamo-nos com um comité de delegados trajados ao rigor da nação que fazem a recontagem dos votos e preenchem meticulosamente os resultados em grandes quadros de ardósia.
Apuraram-se 45 lugares para o 15º termo do Fono, a Assembleia Legislativa e o Human Rights Protection Party conquistou 36, numa vitória inequívoca que, como é frequente por aqueles lados, logo se envolveu em controvérsia.
Os anos passaram desde a chegada dos primeiros descobridores europeus, Samoa tornou-se no primeiro território do Pacífico a conquistar a sua independência e, desde 1962, que vai resolvendo problemas que são só seus.
A Solidariedade Corajosa do Recém-Chegado Robert Louis Stevenson
Mas mais de um séculos antes, por volta de 1890, os nativos contaram com o apoio tão inesperado como entusiástico de Robert Louis Stevenson, um escritor recém-chegado de uma viagem fascinante pelo Pacífico: Havai, Taiti e Arquipélago da Sociedade, Ilhas Gilbert, Nova Zelândia e Samoa.
Encantados com a sua generosidade mas também com o carisma do escocês, chamaram-lhe Tusitala ou contador de estórias, no dialecto Polinésio samoano.
“A Ilha do Tesouro” e “O Médico e o Monstro” (“Doctor Jekyll and Mister Hyde”) foram algumas das que criou e contou ao mundo e que lhe granjearam fama mundial.
A influência que exerceu sobre a política e os destinos da ilha depressa se tornou desafiadora e provocou sucessivas ondas de choque: durante a sua estada, Stevenson constatou que os oficiais europeus apontados para governar os samoanos eram incompetentes.
Depois de várias tentativas infrutíferas de resolver os problemas, publicou “A Footnote to History” um manifesto que resultou na desmobilização de dois oficiais das potências coloniais e que o autor receou vir a provocar a sua extradição.\
Vila Vailima: o Lar de Robert Louis Stevenson em Samoa
Esses temores não se comprovaram. Stevenson tornou-se inclusivamente amigo de políticos poderosos e das suas famílias, com destaque para a do comissário americano Henry Clay Ide. Ao mesmo tempo, aprofundou as suas raízes na ilha.
Villa Vailima, a mansão de madeira que construiu na propriedade que adquiriu e acolheu a maior parte do seu retiro, resistiu incólume à reacção da administração de então. E, para alivio dos samoanos, também ao grande sismo que abalou o arquipélago em 2009, com uma intensidade de 8.1 da escala de Richter.
Hoje, Villa Vailima é um dos lugares mais respeitados e apreciados de Upolu, um símbolo do seu multiculturalismo exuberante que fazemos questão de visitar.
Margaret Silva. A Funcionária Luso-Descendente do Museu Vailima
À chegada, o guia Anthony apresenta-nos a anfitriã do museu, de nome Margaret Silva. A cor da sua pele, o perfil do rosto e o apelido deixam-nos intrigados mas uma vez que nem Anthony, nem Margaret nos dão alguma pista, vemo-nos obrigados a indagar sobre as origens da senhora. “Silva?
O seu apelido deve ser português ou espanhol, não? E, não leve a mal, mas não parece 100% samoana.”
Anthony apercebe-se do que se está a passar e valida a suspeita. “Ah, claro. Vocês são portugueses! Margaret? Tu também és meio portuguesa, certo? Margaret confirma e acrescenta alguma informação histórica deslumbrante. “Sim, sou meio portuguesa.
Já não falo quase nada da língua mas a minha avó aprendeu com o meu avô e ainda fala um pouco. O que aconteceu, de uma forma resumida, foi que ele trabalhava num cruzeiro neozelandês que parava regularmente em Apia.
Num período de folga, conheceu a minha avó na cidade e já não quis voltar ao navio.“
Assim teve início a saga dos Silvas em Samoa, uma família que Anthony nos assegura ser das mais abastadas e influentes da nação, proprietária de vários negócios entre os quais uma construtora, mercearias e gasolineiras. Mas o guia nativo explica-nos mais.
A presença do agora enorme clã Silva é para ele e para os samoanos completamente normal, ao ponto de poucos se lembrarem da sua origem e diferença genética.
E, lembrando-se do apelido do autor deste texto, acrescenta ainda, para risada geral: “Não são só os Silvas. Agora que penso nisso, também temos uma grande família Pereira. Devem ser quase tantos como os Silvas.
Duas das suas filhas que moram junto à aldeia dos meus pais são lindas. Agradam-me mesmo muito.”
A Obra e a Morte Samoana de Robert Louis Stevenson
Entretanto, Margaret recorda-nos que o museu fecha dentro em pouco e sugere que comecemos a volta pela mansão. Enquanto o fazemos, descreve os aspectos mais importantes ou simplesmente curiosos da vida de Robert Louis Stevenson em Upolu.
Durante a sua estada, Stevenson escreveu de uma forma prolífica também sob a vida em Samoa e outras ilhas do Pacífico.
Em 1894, passou por tempos de depressão e inactividade a que respondeu com “Weir of Hermiston” com que se voltou a entusiasmar ao ponto de se convencer que era o melhor romance que já tinha produzido.
Mas, na noite de 3 de Dezembro desse ano, depois de ter trabalhado arduamente no romance, abria uma garrafa de vinho quando caiu junto à esposa.
Foi declarado morto ao fim de algumas horas, alegadamente devido a uma hemorragia cerebral. Tinha 44 anos.
O Sepulcro Elevado do Monte Vaea
Os samoanos honraram os desejos fúnebres do respeitado Tusitala. Transportaram-no em ombros até ao cume do vizinho monte Vaea, onde o sepultaram com vista para o mar.
O seu sepulcro é hoje o destino de uma peregrinação desportiva pela saúde que Stevenson nunca teve.
À medida que subimos a encosta, passam por nós dezenas de samoanos de Apia, e até de expatriados em Upolu, entregues a um jogging extenuante e repetitivo com início nas imediações da Villa Vailima e término no topo da elevação.
Enquanto recuperamos do cansaço a observar o túmulo e a ler o Requiem conformado mas elegante do escritor, também ali deixamos o nosso suor, gerado pelo calor e pela humidade que revigoram a paisagem luxuriante em redor.
E sumido na ilha que Robert Louis Stevenson tanto amou.