Mesmo com os dias inaugurais de Inverno a alternarem com os derradeiros outonais, ainda afluem a Baku uns poucos forasteiros de outras partes, sobretudo do Azerbaijão e do Cáucaso, como nós, também do Mundo.
A cidade prenda-os com bolsas de vegetação em queda que a douram e embelezam. Numa quinta-feira solarenga, admiramos como esse dourado vai com o arenito predominante no âmago histórico da capital.
Interrompemos uma deambulação pelas suas ruelas. Decidimo-nos a subir à velha torre Maiden, a desvendarmos os panoramas em volta de que já nos tinham falado.
Pelo caminho, na Rua Asef Zeynally, junto às muralhas que protegem a mesquita de Juma, passamos por dois agrimensores.
Trajam roupa escura, à imagem de quase todos os homens azéris e do Cáucaso, pouco dados a tons alegres, nem falemos de espampanâncias.
O duo revela-se atarefado. Entregue a um debate animado sobre uma qualquer intervenção. Um polícia intrigado impinge-se à conversa.
A Torre Maiden, Monumento e Legado da Génese Medieval de Baku
Quando chegamos à base da torre, já um seu colega tinha feito o mesmo. A quadra de funcionários justificava os salários estatais tanto quanto possível.
Entramos.
Espreitamos umas poucas maquetes que ilustram o urbanismo pioneiro da velha Baku, diz-se que por ali inaugurada entre os séculos VII e o XII pelos shirvanshahs, os senhores medievais de Shirvan, como era conhecido, à época, o Azerbaijão.
Está por se conseguir uma avaliação mais precisa da sua vetustez.
Sabe-se que estes líderes decidiram para lá transpor a capital do império que expandiam.
E que, nos séculos XIII e XIV, os mongóis o invadiram e interromperam o seu jugo, como o fez, em 1723, Pedro I (o Grande) que só devolveu as terras de Shirvan aos donos já Persas, decorridos doze anos.
Daí em diante, a História é Russa, Soviética e Azéri. Haveremos de a abordar adiante.
Encurtamos o estudo modelar para que não íamos preparados. Muito menos naquele interior arredondado que só a iluminação artificial amarelada salvava da penumbra. Atingimos o cimo aberto ao céu limpo e azulão.
Partilham-no apenas jovens compenetrados em gerar selfies com partes de Baku que julgam mais fotogénicas em fundo. Nesse grupo de visitantes, detectamos os primeiros exemplos de intersecção cultural e religiosa que tanto caracteriza Baku.
Todos usam jeans apertados. Umas poucas raparigas, até meias de licra por baixo de saias ou vestidos bem acima do joelho.
Entre as moças e mulheres, umas mantêm os cabelos longos e negros a descoberto.
Outras, cobrem-nos e a parte da face com kelaghayis, uma espécie de hijabs que se estendem sobre o peito.
A Icherisheher, como é localmente conhecida a zona original de Baku, proporciona variantes distintas.
Umas poucas lojas e bancas em redor da sua base oferecem papakhas para compra ou aluguer.
São gorros volumosos feitos de lã de ovelha que há muito protegem os caucasianos dos Invernos gélidos dos seus domínios montanhosos.
O conjunto masculino fica completo com chokhas ou cherkeskas, túnicas também elas de lã. Tal como testemunhamos, as mulheres podem recuar no tempo em vestidos longos e acetinados, coroados por véus generosos.
A contemporaneidade de Baku já pouco preserva desta era mais colorida.
As Flame Towers, acima da Modernidade Abastada de Baku
A maior das capitais do Cáucaso é, aliás, das cidades que mais destoa do vasto mundo rural para ocidente do Mar Cáspio.
Daquele mesmo terraço panorâmico, víamos as formas e tons da cidade velha em redor. À distância, uma urbe mais recente.
E, destacadas, bem acima dos pórticos e cúpulas da mesquita de Juma, como de todo e qualquer edifício e plano, as “Flame Towers”, a obra arquitectónica arrojada, azulada, icónica da pujança e do vanguardismo da capital azéri. A torre mais alta do trio mede 182 metros.
Juntas, formam uma representação de vidro e aço do epíteto “Terra do Fogo” atribuído ao Azerbaijão. Devemos, claro está, acrescentar que foi a razão de ser desse epíteto a viabilizá-las e financiá-las.
Azerbaijão, a Terra do Fogo Caucasiana
O actual Azerbaijão conquistou tal apodo devido à profusão de chamas elevadas das entranhas da Terra, um sintoma da existência de gás natural.
Por estes lados do planeta, os adoradores do profeta persa Zaratustra viam estas chamas como divinas, ainda mais as do Ateshgah, o Templo de Fogo de Baku, e as de Yanar Dag, um campo em combustão natural permanente, nos arredores da cidade.
Essa provou-se, todavia, a mera adoração mitológica e religiosa do fenómeno.
A matéria-prima na sua génese, lado a lado com o não menos abundante e rentável petróleo, dotaram os líderes, as elites e, em último lugar, o povo azéri de uma benesse económico-financeira invejável.
As “Flame Towers” foram erguidas, entre 2007 e 2012, com um custo estimado de 350 milhões de dólares.
Ergueu-as um grupo de holdings que se diz ligado às empresas off-shore detidas pelo clã que há muito governa o Azerbaijão, o Aliyev, do presidente azéri, Ilham Aliyev.
Pela sua longevidade e disseminação tentacular, este clã destaca-se, no Azerbaijão, de entre tantos outros governantes e homens de negócios que lucraram dos combustíveis fósseis copiosos do Mar Cáspio.
Das Primeiras Perfurações ao Domínio das Exportações para a Europa
A consciência do petróleo e gás natural local será bastante anterior, mas terá sido Ivan Mirzoev, um homem de etnia arménia, o primeiro a perfurar um poço de petróleo em Baku, em 1840.
Por esse feito, Mirzoev ficou conhecido como o pai da indústria petrolífera da cidade. A extracção em grande escala teve início trinta e dois anos mais tarde.
Em 1872, as autoridades imperiais russas leiloaram as terras de Baku em parcelas a investidores privados. Entre os interessados e seguidores de Mirzoev, estiveram os irmãos Nobel e a não menos famosa família judaica Rothschild.
Até 1910, a população de Baku aumentou a um ritmo superior ao de Paris e até de Nova Iorque. Estima-se que no início do século XX, metade do óleo negociado nos mercados internacionais provinha de Baku. Em 1941, por essa razão, Adolf Hitler estabeleceu os campos petrolíferos azéris um alvo incontornável no caminho da conquista de Estalinegrado.
Na encruzilhada geográfica política em que evolui após o desfecho da Operação Barbarossa e da 2ª Guerra Mundial, Baku é palco das mais deslumbrantes anacronias e contradições.
Regressamos ao solo.
As Várias Eras e Facetas da Capital Baku
Sobre calçadas de pedra negra, mantemo-nos de olho nas velharias e preciosidades exibidas em antiquários e lojas de recordações próximas do caravanserai Multani, uma hospedaria secular que a Rua Kichik Kala, paralela à Asef Zeynally liga à ainda mais antiga mesquita Muhammad.
Por estes lados, como na generalidade do Azerbaijão, Baku é muçulmana.
Ainda assim, entre as relíquias que os vendedores nos impingem, acima de um bule azéri dourado, contam-se estandartes com o perfil de Lenine.
O marxista soviético, protagonista do banimento da religião na U.R.S.S. em que, em 1922, o Azerbaijão independente, recém-derrotado pelas forças bolcheviques, se viu parte.
A umas poucas quadras, entre lojas de artesanato e recordações, um letreiro que versa “POLIS” identifica uma esquadra de polícia. As suas portas repletas de quadrados talhados, parecem tomadas de empréstimo de um palácio.
Estacionado em frente à principal, um Lada soviético, amarelo e decrépito recorda-nos que os proveitos e a modernidade movida pelo petróleo e pelo gás natural falharam em apagar muito do legado histórico e cultural ainda mais valioso de Baku.
Os exemplos sucedem-se, de diferentes tipos e dimensões.
Espantamo-nos com a enormidade arquitectónica da House of Government, erguida, pouco depois da integração de Baku na U.R.S.S. e que ainda abriga diversos ministérios azéris.
É apenas o mais grandioso edifício local de inspiração soviética. Inúmeros outros perduram, do cerne aos arredores de Baku.
Damos com o Museu da Independência que celebra a libertação azéri de 1991, envolto em colunas gregas, com uma óbvia inspiração helénica.
Não chega a competir, em opulência, com o vizinho governamental.
A Beira do Cáspio também Vigiada de Baku
Horas mais tarde, a meteorologia piora de forma drástica.
Ainda assim, seguimos o plano de caminharmos pela Baku Promenade, ao longo do Mar Cáspio que por ali esbarra na base da Península de Absheron.
No prolongamento do Museu da Independência, flectimos para sul, por um pontão miradouro baptizado com pompa como Baku View Point.
Admiramos como as Flame Towers se alumiavam num azul mais claro que o do céu carregado em fundo, contrastante com o fulvo do arvoredo iluminado além da marginal.
Chegamos ao fim do pontão.
Dois casais namoravam indiferentes às vistas.
Mais preocupados em preservarem uma privacidade que, noutra parte, as incontáveis câmaras e agentes de vigilância de Baku comprometeriam.
Fotografamos o pontão. Logo, o avivar das Flame Towers.
Um qualquer agente à paisana surge das profundezas da estrutura.
Avisa-os que estavam a passar das marcas.
Baku é tudo isto. Azeri, Pós-Soviética, Abastada e Avançada. Muçulmana, Tradicionalista, Moralista, Ditatorial e Opressiva.
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