A tarde de sexta-feira está no fim.
Quando o ferry da Consulmar surge no horizonte, ao largo da Ponta Anchaca e da ilha de Rubane, já uma pequena multidão o aguarda, ajustada ao porto e à rua de terra batida que o antecede.
Uma frota multicolor de motorizadas de caixa preenche a frente.
Proprietários e funcionários de hotéis e pousadas, uns poucos munidos de cartazes identificativos, aguardam e disputam os passageiros provindos de Bissau.
Como quase sempre acontece com as canoas tradicionais e ferries que servem o arquipélago, o “Bijagós I” vem à pinha. Instalados com o conforto possível, dezenas de passageiros ajustam-se à carga.
Os restantes seguem sobre o convés superior. São os primeiros a pisar o molhe e a saudar quem os espera.
A chegada do “Bijagós I” redunda no grande evento rotineiro da cidade. Tempos houve em que se dava duas vezes por semana. Explicam-nos que o freio da pandemia, mas também o desgaste do porto, levaram as autoridades a diminuir a frequência para metade.
O ferry amara em três tempos. A consequência mais óbvia dessa redução salta à vista e até do barco para o molhe de cimento elevado a que foi atado.
Bubaque, o Portal mais Acessível para as Bijagós
Nas Bijagós em redor, o acolhimento de visitantes está entregue a lodges pertencentes a estrangeiros, com diárias acima das possibilidades dos mais humildes.
Como essas ilhas, Bubaque oferece uma vastidão natural, com muito de tribal, cercada de praias deslumbrantes com vistas e vislumbres das ilhas vizinhas.
Tenham ou não família por lá, Bubaque, a cidade e a ilha, são as Bijagós acessíveis aos guineenses remediados.
Em termos de urbanização, só Bolama se compara a Bubaque. Ambas têm o seu próprio legado de edifícios coloniais degradados.
Distribuídos por uma grelha de ruas de que só subsistem vestígios irregulares de empedrado ou alcatroado.
O Desembarque Arrastado do Ferry “Bijagós I”
Cirandamos entre os passageiros, atentos às peculiaridades do inevitável frenesim. O do desembarque dos passageiros.
E o agravado, da entrega e recolha dos seus pertences.
Funcionários da Consulmar e do porto, auxiliados por moradores e passageiros, transferem para terra TVs, paletes de caixas de vinho, sacas de arroz, galinhas e até cabras.
Com o sol na iminência do horizonte, duas enormes canoas tradicionais atracam ao lado do “Bijagós I”, também atafulhadas.
Uma delas, transporta uma moto com caixa recém-adquirida.
Um grupo de homens carrega-a a peso, escadaria acima, para junto das congéneres de serviço.
Já passaram três quartos de hora. Alguns passageiros do “Bijagós I” só há instantes recuperaram os seus pertences.
Como tantos outros a bordo, um casal chega precavido contra gastos desnecessários.
Seguram alguidares.
Num deles, vêm galinhas com as patas atadas.
Perguntamos-lhes se iam constar do menu do fim-de-semana.
“Olhem, ainda não temos a certeza se vai ser cafriela ou chabéu.
Que vão acabar no prato, isso é certo!” confirma-nos a senhora, intrigada pelo interesse que lhes dedicávamos, mas, bem-disposta.
Fim do Dia. Noite de Festa em Bubaque
O anoitecer envolve Bubaque.
Do cimo de um embondeiro despido, um bando de abutres aprecia a derradeira acção. Assiste como a turba se desvanece nas ruas e ruelas da povoação.
A Lua ascende.
Reflecte-se no canal que separa Bubaque da ilha vizinha. Faz sobressair as silhuetas das muitas palmeiras-de-óleo que abraçam Rubane.
Em época de Mundial de Futebol, pela primeira vez realizado no Inverno do hemisfério norte, Bubaque tem convívio televisivo garantido.
Com uma reputação festiva por manter, nem com a velha discoteca “Online” offline a animação se ficaria por aí.
Assistimos a uma partida na esplanada do Mango Eco Lodge de Myriam Barbier, a anfitriã gaulesa que se entregou aos encantos das Bijagós, que trocou o requinte da Côte d’Azur e de outras paragens de França, pela genuinidade de Bubaque.
Na manhã seguinte, inauguramos uma ansiada deambulação.
Bubaque desvela-nos a sua beleza crua.
Ajudamos a afugentar três cabras atrevidas que se alimentavam do jardim do Mango Lodge.
Várias outras salpicam a alameda esburacada em diante, mesmo junto às ruínas do edifício do Governador, entregue ao mato, mas que, ainda assim, abriga um ferreiro atarefado.
A Grelha Urbana Colonial de Bubaque no Cerne das Bijagós
O cerne da Bubaque colonial e, ainda hoje, os seus edifícios administrativos envelhecidos espraiam-se ali em volta, entre mangueiras e coqueiros.
Detectamos a câmara municipal, a rádio Djan-Djan, o escritório do governo regional e, em frente, o das autoridades militares, ambos sinalizados pela sua própria bandeira da Guiné Bissau.
O que antes funcionava como praça surge, agora, como descampado, sulcado por trilhos convenientes.
Um deles passa junto à pequena igreja, pelo parque infantil local e por uma das várias mercearias de imigrantes mauritanos.
Finda a época das chuvas, durante algum tempo, a velha praça também faz de prado. Sempre que a atravessamos, cruzamo-nos com vacas, cabras e ovelhas que se alimentam do seu tapete vegetativo.
Bubaque, Bijagós: uma ilha Bijagó Cristã-Animista
Aos Domingos de manhã, por ali se concentram os católicos praticantes da cidade. Bela e amarela, falta à paróquia o espaço para acolher todos os crentes.
Quando por lá passamos, os fiéis que chegam, nos seus melhores trajes, mas atrasados, acumulam-se da entrada para fora. se ainda possível, à sombra das árvores que antecedem o templo.
Por esses dias, é um padre tailandês que dá a missa.
A cerimónia que conduz concorre com outros serviços religiosos: os da Igreja evangélica, o da Nova Apostólica e o da Shalon.
Colonizadas e evangelizadas à margem do continente, boa parte das Bijagós e Bubaque, em particular, mantêm-se domínios animistas-cristãos.
Ao contrário do que acontece na Guiné Bissau continental, as suas mesquitas são menores e os muezzins desautorizados a cantar.
Mesmo assim, os mauritanos das mercearias e restaurantes modestos fecham os seus negócios às horas de oração, quando se juntam a outros muçulmanos praticantes nas requeridas venerações de Alá.
O predomínio cristão de Bubaque é um legado português complementar ao do casario colonial.
À medida que caminhamos para o interior da ilha homónima e das suas tabancas de organização quase tribal, o animismo das Bijagós ganha uma expressão superior à do Cristianismo.
Na cidade litoral, todavia, a fé Cristã continua em predomínio.
Bubaque nos Primórdios da Colonização Portuguesa de África
A primeira passagem dos portugueses pelas Bijagós ter-se-á dado apenas em 1498, ano em que Vasco da Gama desembarcou em Bubaque durante a sua expedição à Índia.
Desde o meio do século XV que o litoral guineense era explorado.
A partir de 1511, os escravos lá capturados aumentaram de ano para ano, não tarda, a partir da recém-erguida fortaleza de Cacheu, a primeira capital colonial da Guiné Bissau.
As Bijagós formavam, todavia, um domínio resistente.
Disseminado por um labirinto de estreitos e canais que as marés caprichosas tornavam traiçoeiro. Governavam-nas chefes tribais quase sempre avessos às intenções dos europeus.
A Passagem Efémera de Bubaque pela Guiné Britânica
Até 1847, estes, mantiveram-se ao largo. Nesse ano, os britânicos chegaram em força. Atacaram as principais tabancas do reino de Canhambaque, incluindo as de Bubaque.
Atormentaram de tal maneira os nativos que forçaram o rei António de Canhambaque a assinar um documento em que se comprometia a barrar os rivais portugueses de comerciarem nas Bijagós.
Avancemos até 1853. Os Britânicos tinham já anexado Bubaque e várias outras Bijagós.
O desfecho da Questão de Bolama, ditado por Ulisses Grant, a favor dos portugueses, desfez, em definitivo, o projecto da Guiné Britânica e as suas pretensões na actual Guiné Bissau.
E o Desfecho da Questão de Bolama que a Entregou a Portugal
Os Britânicos regressaram à Gâmbia de onde tinham procedido. Os Portugueses, esses, viram a costa livre à expansão no arquipélago.
Decidiram-se a submeter os nativos bijagós, não tarda, com recurso a tiros de canhão, a partir de navios de guerra.
Mesmo assim, a resistência bijagó só seria vencida em 1936. Tementes das revoltas, sobretudo da mais populosa e poderosa ilha de Canhambaque, as autoridades militares lusas apostaram em instalar o seu quartel-general em Bubaque. A estratégia provou-se acertada.
Daí em diante, o Reino de Canhambaque permaneceu sob controle.
A salvo dos antes frequentes ataques indígenas, os colonos portugueses consolidaram a nova capital, com as artérias e estruturas por que continuámos a cirandar.
Do centro histórico, avançamos pelas traseiras das ruínas do hotel que se diz que o ex-Presidente Nino Vieira desistiu de erguer, no caminho para a praia das Escadinhas.
Neste recanto balnear da cidade damos com um pequeno estaleiro de canoas tradicionais, onde carpinteiros e pintores recuperam um exemplar portentoso.
Miúdos jogam à bola.
Meninas ensaiam poses de uma qualquer passagem de modelos nas suas mentes.
O sol descai para os lados do Atlântico.
Despede-se de quatro palmeiras-de-óleo africanas que despontam de um promontório que oculta o Ocidente.
Partidas do Mundial do Qatar e Danças Bijagós, no Mango Ecolodge
Regressamos, sem pressas, ao Mango EcoLodge.
Nessa noite, depois dos jogos do Mundial, Mimi e Maio apresentam uma pequena gala cultural.
Crianças e graúdos exibem danças tribais contagiantes.
O público rejubila. O sentado nas cadeiras da esplanada. O empoleirado no muro da pousada.
E até o que conformado em escutar, nas imediações.
Por mais de duas horas.
Sempre ao ritmo intenso e caloroso das Bijagós.
COMO IR:
Voe com a Euroatlantic , Lisboa-Bissau e Bissau-Lisboa, às sextas-feiras.
ONDE FICAR em BUBAQUE
Mango Eco Lodge ou Cajou Lodge Hôtel
Reservas pelos Whats App:
+245 95 660 17 96
+245 96 663 33 29