Passada a enseada vizinha de Sangano, o litoral volta a retorcer-se.
Adentra-se no oceano e força-nos a seguir no seu encalço. Já a via EN100 que percorre a costa angolana, segue o seu caminho. Entrega-nos a um desvio de terra mal batida e irregular. Alguns solavancos pouco ou nada desvalorizam o panorama deslumbrante que nos revela.
Por ali, a crista de relevo que bloqueava a vista do oceano abre-se para um vale fluvial de encostas arredondadas e verdejantes.
A vegetação que o cobre e salpica condiz com a que nos acompanhou boa parte do trajecto: uma savana que a humidade das chuvas recentes preserva viçosa, de que despontam moxixeiros altivos.
O desvio enfia-se num prado adulto. Quase passa a picada.
Vencidas umas poucas curvas em gancho, uma bifurcação obriga-nos a decidir. Para a direita, a continuação dos meandros que levavam ao fundo do vale e à beira-mar.
Para a esquerda, outros, prometiam-nos a conquista do promontório que encerrava o vale a sul e perspectivas diferentes da vista que nos encantava.
Cabo Ledo, Angola: À Conquista das Alturas do Promontório
Uma área de estacionamento dita o fim do trajecto. Habitava-a, em permanência, a relíquia de um velho carocha pintado de psicadélico que servia de vaso e canteiro a uma floresta ornamental.
Prosseguimos a pé, ao longo de bungalows empoleirados na vertente, parte dum tal de Carpe Diem Surf Camp.
A varanda privilegiada de um deles volta a revelar-nos o vale, desta feita, de uma posição lateral.
Lá em baixo, um riacho, diminuído pela entrada na época seca, ficava aquém do mar tranquilo, quase raso.
Desaguava numa lagoa retida pelo areal.
Para diante, erguia-se a vertente oposta, com falésias abruptas, sulcadas pelas chuvas, que assentavam num areal concedido pela maré-baixa e, como tal, efémero.
A imensidão dessa vertente só deixava vislumbrar o que seria a continuação da grande angra e o areal permanente para lá do baptizado como Praia dos Surfistas.
Era um outro domínio que contávamos explorar.
Ascendemos algo mais. Por essa altura, confirmamos que o que desbravávamos era o Cabo Ledo que tão bem se distinguia no mapa.
Quase chegávamos ao cimo e ao extremo do promontório, quando a ladeira nos desvela uma outra enseada orientada a sul, forrada de arbustos compactos e espinhosos que nos desmotivavam a por ali cirandar.
Um Domínio de Moxixeiros Altivos
Desafiamo-los um pouco.
O suficiente para nos imiscuirmos numa colónia de moxixeiros, a primeira com que convivíamos de tão perto, ressaídos acima do mar esmeralda, com os seus estranhos braços vegetais ramificados e apontados ao céu.
Do meio dessa colónia, víamos umas poucas outras assentes na solidez de rochas, quase a chegarem à franja de areal dourado.
Sem aviso, uma ave de rapina portentosa descola de uma destas euphorbias conspicuas abundantes e endémicas de Angola.
Voa em redor, preocupada com o que por ali fazíamos. Aperta os círculos até nos inquietar.
Tínhamos apreciado e fotografado o seu território vezes sem conta. Estava na hora de lhe devolvermos os moxixeiros e a tranquilidade.
À Descoberta da Famosa Praia do Surf
Descemos para a Praia dos Surfistas.
Esta praia conquistou tal nome pela afluência de praticantes atraídos pelas vagas de esquerda longas e consistentes que se desfazem contra as areias e o musseque da província do Bengo.
Outras partes da costa imensa, tanto a norte como a sul terão ondas comparáveis.
A acessibilidade e as infraestruturas, tornaram Cabo Ledo o surf spot mais concorrido de Angola.
Com o senão de alguma, expectável disfuncionalidade sazonal que, à medida que nos aproximávamos do mar, se evidenciava.
A esquerda prodigiosa de Cabo Ledo chega com a meteorologia do Cacimbo.
Ora, em fim de Maio, o Cacimbo mais tempestuoso de Junho a meio de Outubro estava por chegar.
Já do lado de lá da lagoa represada, sobre o areal que a baixa-mar estendia, sucediam-se, irrisórias, as vagas que nos vinham massajar os pés e suavizar a mente.
Estávamos a meio da semana de trabalho.
Com o bar local encerrado, em vez da afluência e animação provinda de Luanda, reinava uma solitude e uma paz que partilhávamos com um pescador à linha distante.
Dali, a planura do oceano contrastava com a imponência rude das duas vertentes rivais. Imediata, a do Cabo Ledo, exibia-nos um tapete arbustivo repleto de cactos pontiagudos.
Mesmo mais baixos, competiam em exuberância com os moxixeiros do outro lado do promontório.
Despedimo-nos da Praia dos Surfistas deserta.
Rumo ao Povoado Piscatório do Cabo Ledo
Revertemos até à EN100 e à saída para a povoação de Cabo Ledo, a meio de Angola.
Nova picada arenosa que ziguezagueava entre moxixeiros leva-nos a um bairro de pescadores.
Estendia-se encosta acima, em parte, sobranceiro aos resorts que tinham ocupado a beira-mar.
Quando por ali passamos, um seu jovem morador remendava uma rede esticada a partir de uma árvore.
Paramos um pouco à conversa. “não, isto vai demorar um bom bocado!” afiança-nos, de sorriso nos lábios, conformado com tão intrincada sina.
Um pequerrucho que aparece de umas casas acima, junta-se-nos, curioso. Logo outro. E outros mais.
Às tantas, é já uma verdadeira comitiva infantil e tagarela que nos escolta ao carro.
O Recanto Providencial do “Queiroz Point”
Atravessamos o âmago de Cabo Ledo. Já na iminência de falésias mais abruptas, damos entrada no “Queiroz Point” o bar-restaurante incontornável de Cabo Ledo, complementado por uma área de alojamento a uns poucos metros do mar.
Lá nos acolhem Elsa e Paixão, este, o barmen residente. Não só.
Nessa tarde, também nos serviria de cicerone da povoação.
Enquanto reconhecemos o lugar e as suas vistas, Paixão serve-nos imperiais e uns petiscos.
Preparamo-nos para os saborear quando, na praia em frente, se gera toda uma comoção.
Pescadores de Regresso do Mar, Peixe para Todos
Três barcos da frota de pesca artesanal garrida ao largo regressavam do mar, com os fundos repletos de peixe pululante.
Num ápice, uma multidão cerca os barcos, numa disputa acesa pelas melhores espécies e espécimes.
Geram-se discussões, em certos casos, refreadas pela incursão de ondas que o vento, já mais forte, fazia galgar em redor dos barcos.
Voluntário e diplomático, Paixão encarrega-se de debelar os protestos gerados pela nossa intromissão fotográfica.
Decorridas quase duas horas de faina e argumentação, aos poucos, quase todo o peixe se tinha sumido.
Uma fila de mulheres de alguidares à cabeça afasta-se na direcção da Praia dos Surfistas.
A maioria dos compradores, cruza o mercado local de peixe, de volta, aos seus lares humildes.
Há muito que só os barcos dos pescadores sarapintam o oceano verde-esmeralda da baía de Cabo Ledo. Nem sempre assim foi.
A Passagem de Portugal por Cabo Ledo, na Reconquista do Reino do Congo
Em 1622, Portugal travava a que ficou conhecida como Guerra Luso-Congolesa. Determinado a expulsar os portugueses de Luanda e em redor, o reino do Congo aliou-se à República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos.
Respaldadas pela resistência dos nativos, as tropas da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais atacaram Luanda e expulsaram os portugueses.
Constatada a inviabilidade da diplomacia, as autoridades lusas em Lisboa e no Brasil, concordaram na urgência de uma expedição de reconquista.
Comandou a armada, Francisco Souto Maior, futuro Capitão General de Angola.
Souto Maior e diversas contingências ditaram o desembarque na enseada ampla de Cabo Ledo.
Diz-se, inclusive, que a nomenclatura do povoado de Suto tem origem no seu nome. Dali, os homens de Souto Maior procuraram unir-se aos de Pedro César de Menezes, agrupados em Massangano.
Nesse desígnio de derrotar as forças da rainha congolesa Ginga e os holandeses, em Maio de 1646, Souto Maior faleceu.
Só decorridos dois anos, o “Moço” Salvador Correia de Sá, nascido em Cádis, mas tri-governador da Capitania do Rio de Janeiro e futuro governador de Angola (1648-51) garantiu a expulsão dos holandeses de Luanda e a sua reintegração no Império Português.
Por mais rebuscado que possa parecer, muito do que se vive e respira em Cabo Ledo e em Angola, advém deste desembarque naquelas areias.
A começar pela marca das imperiais e da origem gastronómica dos petiscos com que, por fim, o “Queiroz Point” nos recompensou.
COMO IR
1 – Voo Lisboa – Luanda com a TAAG: www.taag.com por a partir de 750€.
2 – Trajecto por estrada Luanda – Cabo Ledo (2h, pela EN 100)
3 – Reserve o seu programa de viagem para Luanda, Cabo Ledo e outras partes de Angola na Cosmos Angola – Viagens e Turismo: telm./whats App +244 921 596 131
4 – Ou, já em Luanda, alugue a sua viatura no rent-a-car Eurostral:
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