Quando cortamos da via principal, na direcção do mar e da povoação, Cahuita impinge-nos novos modos.
Surpreende-nos.
Da primeira vez que a visitámos, chegámos num velho autocarro e não nos lembramos sequer de por onde entrámos na aldeola. Desta vez, Cahuita exibia-se, garrida, na forma daquelas letras icónicas que, surgiram sabemos lá onde, e continuam a apoderar-se do Mundo.
Também pela Costa Rica se espalhou esse vírus.
Com o país ainda fechado, um grupo de moradores decidiu lutar contra o marasmo provocado pela pandemia Covid-19, e embelezar a sua terra com o adorno de que tantas outras paragens ticas já se orgulhavam.
Dotaram-na de letras cor-de-rosa, amarelas e azuis-cueca. O “C” a servir de pouso a um tucano, também ele multicolor.
Encontramos uma grelha de ruas, em vez de terra mal-batida e enlameada, já quase toda asfaltada. Bares e restaurantes maiores e mais opressivos que destoavam dos negócios humildes d’outrora.
Instalamo-nos numas tais de Cabinas Smith, agora, como então, alojamento humilde e barato.
Cumprido um breve descanso, saímos em modo de saudosismo, em busca da Cahuita que nos encantara e que desejávamos reconhecer.
Lembrávamo-nos que nos tínhamos alojado num quarto mesmo à beira do Mar das Caraíbas, apenas protegido da ondulação por um recife largo e compacto.
Identificamos a Playa Negra e o campo de futebol onde nos juntámos a uma partida disputada pelos nativos. Sentamo-nos na esplanada de um bar, a assistirmos ao desfile de tons com que o arrebol tingia o Caribe.
Jantamos o casado habitual.
Destruídos pela viagem de quase todo o dia a partir da capital San Jose, pela ruta 32, em obras eternas de ampliação, dormimos mais cedo do que seria habitual.
Na manhã seguinte, uma das primeiras coisas em que reparamos é o aparente desaparecimento dos moradores afro.
Nas quase duas décadas decorridas, a comunidade rasta local que nos havia abordado vezes sem conta parecia ausente, de acordo com uma nova etnicidade de Cahuita, reajustada ao predomínio branco-crioulo da nação tica.
Estranhamos apenas e só o necessário. Ansiávamos ver o quanto teria mudado o entorno selvagem da povoação.
De Volta ao Deslumbrante Parque Nacional Cahuita
Cahuita era, afinal, também o nome de um parque nacional, um dos primeiros criados no país, em 1970, com o fim de proteger o recife de coral vasto e prolífico ao largo.
A meio da manhã, apontamos à Playa Blanca em que as autoridades instalaram a casinha do SINAC – Sistema Nacional de Áreas de Conservación, num lugar estratégico para evitar incursões desautorizadas, com o mar por diante.
E o Kelly Creek atrás, a inaugurar a área de manguezal e pantanal, habitat de crocodilos, tartarugas e incontáveis iguanas, à imagem do ainda mais vasto Tortuguero a norte.
Cumpridos os protocolos, fazemo-nos ao trilho estreito, aberto uns poucos metros para dentro do areal e que, como tal, permite aos caminhantes estarem de olho nos dois ambientes:
o marinho, pejado de coqueiros e almendreras, das tropicais, as árvores preferidas das araras. E o florestal que nos separava e protegia do esquivo Rio Suarez.
Já vínhamos com dois meses de exploração da Costa Rica, dos seus parques, da sua fauna.
Mesmo sem guia, nuns meros minutos, detectamos uma preguiça agarrada a um tronco alto.
Preguiças, Macacos e Guaxinins. Parte de uma Fauna muito Activa
Era amarelada, de dois dedos, como as tínhamos já aprendido a distinguir das de três, estas, donas de pelagem cinzenta e de uma “máscara” negra em redor dos olhos, que as faz parecer criminais.
Progredimos pelo trilho. Instantes depois, damos com o primeiro gangue de primatas oportunistas, macacos-pregos-de-cara-branca atentos a qualquer deslize e exposição de alimento por parte dos caminhantes e dos banhistas na praia.
Os símios alvejavam os humanos pelos seus caminhos aéreos de troncos e ramos.
Ao nível do solo, também os guaxinins (mapaches, como lhes chamam os costarriquenhos) tentavam a sua sorte, com os mesmos olhos “mascarados” das preguiças de três dedos, mas bastante mais mexidos e intrusivos.
Nesta comunhão com a fauna local, chegamos à foz do rio Suárez.
Desvendamos a entrada desafogada para o pantanal.
E lembramo-nos do lugar exacto em que, em Fevereiro de 2003, a Sara tinha sido atacada e picada por um bando de mosquitos sedentos de sangue de que só uma correria e mergulho no mar a salvou.
Com danos de muita comichão.
Da Foz do Rio Suarez, Rumo à Punta Cahuita. Em Vão.
Cruzamos o rio. Prosseguimos pelo lado norte da península de Cahuita. Da foz do Suarez em diante, o trilho avança mais próximo da praia. Amiúde, pela praia.
A intimidade com o Mar das Caraíbas revela-nos os danos provocados pelos furacões que, nos últimos anos, têm fustigado com maior frequência as Honduras, a Nicarágua, a Costa Rica e o Panamá, os dois últimos países, já considerados fora das trajectórias caribenhas habituais dos ciclones.
Constatamos como, em comparação com 2003, o areal tinha recuado e até desaparecido. E como uma profusão de grandes troncos, entrecruzados, se estendia como um estranho micado arbóreo.
Lembrávamo-nos do ponto alto da caminhada, o mais tropical.
Já ansiávamos, aliás, pela recompensa da deslumbrante Punta Cahuita. Não seria nessa tarde que lá chegaríamos.
Distrai-nos um velho tanque de cimento, um legado de águas ainda fervilhantes de uma prospecção petrolífera já mais que secular que, para fortuna do meio-ambiente costarriquenho, se ficou por aí.
A certo ponto da Playa Blanca, o trilho leva-nos para dentro da península e da floresta.
Dá lugar a um longo passadiço elevado sobre o solo alagado, com um posto de sombra e de descanso pelo meio.
Uma Comunidade Ululante de Macacos-Uivadores
Matamos a sede e recompomos as mochilas quando um rugido familiar, mas que nunca tínhamos ouvido tão próximo e fulminante, nos aturde.
Avançamos no passadiço. Percorridas mais umas dezenas de metros, damos connosco no meio de um bando de macacos-uivadores, num convívio sonolento, pouco perturbado com a observação dos caminhantes que se juntavam abaixo.
Uns atrás dos outros, em coros desarranjados, os seus urros ecoavam pela floresta. Penetravam, de tal forma, nos ouvidos e cérebros dos humanos que, estes, se limitavam a observar as bocas escancaradas e tremelicantes dos cantores.
Perdida no espanto, uma espectadora não reparou que um dos macacos se tinha mudado para um tronco acima de si. Percebeu-o quando o símio a prendou com uma descarga de urina.
Num pasmo similar, entre fotografia e vídeo, observamo-los e documentamo-los até quase às quatro da tarde.
Sem que o esperássemos, por essa hora, Lili Dias, uma guarda SINAC do parque, surgiu do lado oposto do passadiço.
Aos poucos, com mais determinação que paciência de tico, varreu todos os visitantes que encontrou pelo caminho, para a entrada de Kelly Creek.
À Re-descoberta da Playa Negra. E, de Volta ao Parque Cahuita
Voltamos ao litoral da Playa Negra. Encontramo-la repleta de costarriquenhos e de estrangeiros a aproveitarem as últimas horas do Sábado, animados por reggaeton e outros ritmos caribenhos, passados por um qualquer DJ, num bar além da estrada.
Caminhamos, por ali, encantados pela atmosfera de rumbear balnear a que nem o novo e súbito crepúsculo arroxeado retirava magia.
Repetimos a fórmula de recuperação de energias da noite anterior. Cansados de sucessivas caminhadas, voltamos a despertar pelas nove.
Assim que conseguimos, reentramos no parque, mentalizados a irmos o mais directos possível até onde a guarda Lili Dias nos havia raptado, quase 4km após a entrada de Kelly Creek.
Voltamos a detectar preguiças e guaxinins. O clã de macacos-uivadores, esse, tinha-se mudado para outras paragens.
Uma Exuberante Serpente-de-Pestana
Uma vez mais embrenhados na selva, um guia nativo repara no empenho observador em que andávamos.
Resolve recompensar-nos. “Amigos, como tico que sou, faço questão que terminem a caminhada o mais felizes possível. Vou-vos mostrar uma coisa em que não repararam.”
Saudamo-lo, intrigados com a inesperada abordagem.
O guia aponta-nos os ramos de uma palmeira baixa. Neles, muito enrolada, estava uma serpente amarela, uma bocaraca, assim nos informou o guia ser o seu nome hispânico, tratada, em português, por víbora-de-pestana.
Venenosa, perigosa, a cobra mantinha-se, por aquela altura, inactiva.
O seu sono permitiu-nos fotografá-la de perto. E, a um esquilo vizinho, cirandar em redor, furioso com tanta intrusão nos seus domínios.
Continuamos.
O trilho revela nova abertura para a Playa Blanca, um trecho em tempos servido de um molhe que os furacões arrancaram por completo.
Sobravam ruínas ferrugentas dos postes, agora, pousos convenientes de um bando de gaivinas.
A Paragem Final Recompensadora de Punta Cahuita
Completados quatro quilómetros, atingimos a Punta Cahuita. Parecia-nos encolhida, desprovida de muitos dos coqueiros que antes dela despontavam.
De resto, assente na mesma areia coralífera de giz, envolta do mesmo Mar das Caraíbas verde-esmeralda e translúcido, movido por correntes que a maré intensificava.
Metemo-nos na água.
Deixamos os corpos flutuar e descontraírem da tensão a que a caminhada e o equipamento fotográfico os obrigavam.
Celebramos o retorno àquele extremo da Costa Rica que há muito retínhamos como especial.
Quase uma hora de relax depois, Lili Dias reaparece da extensão do trilho que vinha do lado oposto da península, da entrada do parque de Puerto Vargas.
Saudamo-la. Deixamos o bem-bom amornado.
Numa conversa bem-disposta com a guarda, completamos o derradeiro regresso a Cahuita.
Artigo realizado com o apoio de:
JUMBO CAR COSTA RICA
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