Quando questionado sobre as razões do re-casamento com Elisabeth Taylor, apenas 16 meses depois de se divorciarem após 10 anos de vida conjugal, Richard Burton respondeu “Não se pode bater duas barras de dinamite uma contra a outra sem esperar que não rebentem”.
O casal escolheu um lugar de que poucos norte-americanos precavidos se lembrariam, na iminência da guerra civil explosiva que então grassava na Rodésia, um estado decretado pela minoria de colonos brancos para evitar a passagem directa do poder da Grã-Bretanha para líderes indígenas. Um estado não reconhecido pela maior parte da comunidade internacional.
Burton e Taylor meteram-se num jacto privado na África do Sul e voaram para aquele mesmo território, o Zimbabué dos dias de hoje).
Cruzaram então para o Botswana. Celebraram a sua segunda cerimónia nupcial em Kasane, uma cidade tão improvável como habituada a conviver com uniões.
Kasane está situada sobre os Four Corners de África, junto à confluência dos rios Chobe e Zambeze. A lua de mel dos actores foi passada no Chobe Game Lodge, na margem do rio homónimo.
Conscientes da beleza natural da sua terra e da quantidade de vezes que Taylor se divorciou, é frequente ouvir-se os tswanas daquelas paragens reiterarem que a diva “era muito melhor a escolher sítios do que maridos”.
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Rapariga de uma aldeia tribal nas margens do rio Chobe.
A Conveniência Ribeirinha do Chobe Lodge
Estávamos a caminho desse mesmo albergue. As estradas dignas do Botswana comprovavam-nos o desnível económico entre a nação pouco habitada mas fortemente diamantífera dos tswanas e a dupla Zim-Zam a norte. Permitiam-nos avançar a velocidades surpreendentes. Não tardaria a que também ouvíssemos a piada.
O Chobe Lodge teve a sua inauguração em 1974. Acolheu o casal em Outubro de 1975. Alguns anos depois, foi encerrado devido ao alastrar da já longa Guerra de Libertação do Zimbabué.
Durante sete anos, manteve-se de portas seladas, com os seus jardins entregues ao mato e aos elefantes que os espezinhavam a caminho do rio.
Com o fim do conflito, dois jovens sul-africanos compraram-no, recuperaram a tradição das bodas de famosos e impulsionaram-no para um inevitável estrelato mundial.
O rio que deu sentido à sua construção e ao sucesso fluiu ao longo das décadas, indiferente às escaramuças militares e às capas das revistas de sociedade, dependente apenas da meteorologia caprichosa da região.
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Elefantes sobem em fila para uma das muitas ilhotas deixadas pelo baixar do caudal do rio Chobe.
As Flutuações Meteorológicas do Rio Chobe
O Chobe é abastecido por várias nascentes perenes de água. Ainda assim, o volume do seu caudal oscila de forma drástica da época seca (por norma de Maio a Outubro) para a das chuvas.
Os animais tentam ajustar-se o melhor que podem mas, como constatamos e voltamos a constatar em incontáveis documentários televisivos, no geral, a qualidade das suas vidas decresce à medida que o sol escaldante intensifica a estiagem e o rio encolhe.
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Uma cegonha-de-bico-amarelo no rio Chobe.
Nenhuma espécie tem que raciocinar por aí além para evitar o calor sufocante que se faz sentir a partir do meio da manhã. A maior parte dos animais acerca-se cuidadosamente das margens pela fresca.
De acordo, as saídas fluviais levadas a cabo pelo lodge são ou madrugadoras ou – à imagem da primeira em que participamos – de fim de tarde.
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Visitantes do PN Chobe admiram o cenário e a fauna a partir no meio do rio Chobe.
Embarque para um Glorioso Safari Fluvial
A embarcação zarpa da pequena doca. Interna-se no rio sob o olhar perscrutador de uma águia pesqueira no topo de um tronco morto. Seguimos rente à água.
Momentos depois, confrontamo-nos com manadas de búfalos e de elefantes que pastam relva fresca. Sem que o esperássemos, a beira do rio eleva-se.
Num ápice, passamos a admirá-los de baixo para cima. Alguns espécimes tiram-nos as medidas a partir do pedestal ervado.
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Elefantes disputam de uma espécie de trono fluvial numa ilha ervada em pleno caudal do rio Chobe.
Como o fazem também, do bordo oposto, elefantes curiosos, reis e senhores de pequenas ilhas verdejantes de que se lançam crocodilos intimidados.
A balsa continua o seu percurso arrastado, entre o Botswana e a Namíbia, entretanto sob um céu magenta que se reflecte na água e tinge grandes colónias de hipopótamos quase submersos.
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Hipopótamos semi-submersos no rio Chobe.
Percebemos apenas as suas orelhas e olhos de fora, estranhamente rosados pelo crepúsculo que se anuncia e à hora de regresso ao ancoradouro.
E o Game Drive Complementar do Chobe
Com a alvorada seguinte, subimos a bordo de um jipe, em vez da balsa. Por terra, exploramos uma vasta área ribeirinha percorrida por gazelas e alguns predadores, parte de um game drive – assim lhe chamam os anglófonos – que não trouxe grandes novidades.
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Safari em jipe na margem do rio Chobe.
Entretanto, regressamos a Kasane com o objectivo primordial de cruzarmos o Chobe e a fronteira para a Namíbia, através da inusitada faixa de Caprivi, uma espécie de lança cartográfica que os germânicos espetaram em África, durante a era colonial.
No final do século XIX, o território de que nos aproximamos enquanto atravessamos o Chobe estava integrado na Bechuanalândia, o Botswana dos dias de hoje.
Em 1890, a Alemanha fez finca pé para juntar a ilha de Zanzibar – então britânica – à sua colónia Tanzânia.
Após diversos ensaios diplomáticos, os britânicos concordaram em ceder Caprivi e em dar aos alemães acesso directo ao rio Zambeze. Como contrapartida, preservaram Zanzibar e apoderaram-se de Heligoland, uma outra ilha remota do Mar do Norte.
Instalamo-nos no Chobe Savanna Lodge. Ali, os cenários do rio são, semelhantes aos do Chobe Lodge.
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Visitantes do Parque Nacional Chobe a bordo de um barco que os conduz num safari fluvial.
A grande novidade e emoção a condizer tem lugar quando, durante novo safari fluvial, a balsa invade o território de alguns hipopótamos e um deles investe furibundo contra a embarcação.
O ataque faz-nos perder o equilíbrio. Obriga o skipper a afastar-se com recurso à potência máxima dos motores. Por sorte, dura pouco. Uma vez passado o perigo, alimenta inúmeras piadas oportunistas.
Um Susto Inesperado mas Merecido do Chobe
Já em pleno desembarque, sobre o pôr-do-sol e num exagerado modo fotográfico, seguimos a fila de passageiros, quando observamos a beleza de uma árvore morta em contraluz com o ocaso.
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Aves pousadas sobre os ramos de uma árvore seca inclinada sobre o rio Chobe.
Por momentos, perdemos a consciência do lugar em que estamos. Deixamos a fila e percorremos umas dezenas de metros na direcção dessa árvore, sempre à beira rio.
Já de frente para o motivo, não resistimos a aproximar-nos da água e a agachar-nos, de maneira a fazer sobressair os ramos contra ao céu. Estamos embrenhados nesse processo do enquadramento quando, reparamos em vários pares de brilhos arredondados na água.
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Crocodilo de alerta numa margem elevada do Chobe.
Num ápice, somos acometidos pelo regresso dramático da razão. Estávamos a um mero metro e meio, dois metros que fossem, de crocodilos que tanto podiam ser juvenis como os maiores a habitar o Chobe.
Damos um salto comedido para trás. Recuperada a segurança da maior distância e da postura vertical. Retiramos a tremer para o interior fortificado do Chobe Lodge. Tínhamos sobrevivido àquele momento de inesperada loucura.
O próximo poderia não correr tão bem.