Conhecemos a gerente do hotel Tanabe no ambiente aconchegante e típico daquele estabelecimento em estilo ryokan.
A anfitriã recorre a um inglês muito ponderado e ainda mais pausado. Os especialistas da linguística negam-no.
Ainda assim, a gerente parece concordar com duas polémicas teorias vocabulares de ligação entre o Japão e Portugal: “Sim, é isso mesmo que eu e muitos outros japoneses pensamos: os mercadores portugueses introduziram o arigato ao repetirem vezes sem conta o seu obrigado.
Tal como fizeram com muitas outras palavras que nós usamos“. Pouco depois, entra em êxtase quando lhe revelamos a semelhança entre o sabon japonês e o sabão nacional para logo nos lavar o cérebro com uma canção infantil nipónica que usa e abusa do termo.
O Âmago Histórico de Takayama
Findo o breve convívio, deixamos o hotel Tanabe. O centro histórico Sanmachi-suji está apenas a umas centenas de metros. Acabamos por o percorrer, para a frente e para trás, vezes sem conta.
Esta área secular diminuta de Takayama é formada por apenas três ruas repletas de domicílios e armazéns de mercadores do período Edo, lojas antigas, restaurantes típicos, museus e produtoras de saquê identificáveis pelas esferas de franjas de cedro penduradas à porta.
Reina, por aqui, uma arquitectura e decoração tradicionais consubstanciadas em fachadas de madeira escura, coloridas por plantas e letreiros que sinalizam os estabelecimentos.
Ou anunciam promoções especiais e com retoques regionais apurados ao longo dos tempos pelas muitas famílias de carpinteiros e marceneiros que, no século VIII, se crê terem participado na construção do templo esplendoroso Hida Kokubun-ji de Takayama e dos seus pagodes.
Também do palácio imperial de Quioto e de vários outros templos de Quioto e de Nara.
Contemplamos e provamos dezenas de produtos locais, incluindo amostras de reconfortantes caldos miso, ou vemos os visitantes nipónicos investigarem e fotografarem-se junto a tudo o que lhes chama a atenção. Até perdermos a noção do tempo
Riquexós Pitorescos e os Alertas Anti-Fogo dos Shobodan
De quando em quando, a passagem apressada de riquexós puxados por condutores de trajes típicos, por norma azuis, redobra a dinâmica turística de Sanmachi-Suji.
Estes rebocadores humanos também são guias. Explicam, ainda a arfar do esforço empregue na locomoção, os mais íntimos segredos seculares do bairro.
Os seus veículos pouco evoluíram face aos que terão sido inventados no Japão, por volta do fim do século XIX.
E que inspiraram grande parte dos ainda hoje puxados em países asiáticos e de outras partes do mundo. Mesmo assim, garantem-lhes rendimentos sazonais mais que dignos para os padrões nipónicos.
A tarde chega ao fim. Começa uma vez mais a chuviscar.
O aguaceiro frígido não obsta a que, lá fora, um mensageiro medieval shobodan honre a sua missão cívica e percorra as ruas a bater dois paus um no outro para produzir um som traduzível por “cachium”, familiar entre os moradores.
Em simultâneo, o ancião apregoa o aviso Hi no yojin! (cuidado com o fogo) e reforça o alerta de que os moradores devem ter cuidado com as chamas nos seus lares.
O coração de Takayama mantém-se fortemente combustível.
Foi erguido, em madeira, no fim do século XVI. Como o foi toda a cidade fortificada que se desenvolveu em redor do castelo do todo-poderoso clã Kanamori.
Takayama também perdurou muito tempo como capital da velha província Hida, uma região perdida no interior montanhoso do sobrelotado Japão.
Retiro Nocturno no Templo-Pousada Zenkoji e a Exploração Madrugadora de Takayama
Quando a noite se instala e o frio desce dos Alpes nipónicos, os donos e empregados das lojas apressam-se a fazer contas, a fechar e a recolher ao domicílios. As ruas ficam desertas.
Seguimos o fluxo habitual da cidade. Regressamos ao templo-pousada Zenkoji em que havíamos dado entrada à chegada à povoação.
A porta principal estava aberta, como quase todas as das divisões interiores, fusuma, que é como quem diz, nipónicas e de correr. Lá dentro, o monge Tommy tratava de arrumações na cozinha. Revelou-se muito mais austero do que quando o víramos pela primeira vez.
“Estão de volta?“ Pergunta-nos no inglês americanado que tinha adquirido nos anos em que vivera nos Estados Unidos. Não se esqueçam que não podem fazer barulho a partir das 22h.” relembra-nos sem grande delicadeza para logo voltar aos seus afazeres. Cansados como andávamos, só queríamos dormir.
Levantamo-nos pouco depois da aurorar seguinte, ainda meio atordoados com a fadiga que sobrava e com o frio precoce. Improvisamos um pequeno-almoço rápido.
Saímos para a rua determinados a enfrentar um Outono nipónico ansioso e descomplexado.
Takayama acordara havia muito, com o frenesim dos seus dois mercados matinais: o Jinya-mae, organizado junto à casa de governação (Jinya). E o Miya-gawa, disposto ao longo do rio homónimo que atravessava a cidade.
Agrupavam-se, em ambos, agricultores enrijecidos pela idade. De quando em quando, ofereciam aos transeuntes pequenas amostras das suas maças fuji e uvas tão deliciosas quanto dispendiosas.
Controlavam de forma quase mecânica as provas repetidas e abusadoras dos gaijin (estrangeiros). Ao mesmo tempo, esquivavam-se das excursões de miúdos de escola, autênticos bandos de crianças de rapina.
Teramachi e Shiroyama-koen: os Redutos Xintoístas-Budistas de Takayama
Como é de esperar numa urbe japonesa, Takayama também tem os seus domínios xintoístas-budistas. Chamam-se Teramachi e Shiroyama-Koen. Ocupam as colinas a leste da cidade.
Pouco depois de deixarmos os mercados, apontamos para estas paragens e percorremo-las por um caminho que serpenteia entre ciprestes, templos, santuários e cemitérios vastos, num cenário de atmosfera encharcada que tem tanto de lúgubre como de sedativo.
A caminhada entretêm-nos quase duas horas. Reserva-nos para o fim as passagens mais íngremes e dolorosas: as subidas até ao parque Shiroyama-koen.
Já no seu interior bucólico, às pseudo-ruínas (pouco ou nada lá encontrámos) do Takayama-jo, o velho castelo feudal da era Kanamori.
No regresso ao centro, surpreendemo-nos com uma vista aberta sobre o casario pré-fabricado e anti-sísmico da cidade. Dali, não detectávamos qualquer sinal do núcleo histórico que, mesmo escondido, sabíamos resistir entre os edifícios mais altos.
Retornamos à baixa de Takayama e dedicamos mais um dia à exploração do seu resiliente reduto secular.