A confusão estava instalada na derradeira sala do aeroporto de Mataram.
Os taxistas abordavam os recém-chegados com determinação exagerada. Habituados a estas provas, nem por isso, imunes à irritação, retiramo-nos por alguns minutos para decidirmos qual a melhor abordagem e o preço em redor do qual estaríamos dispostos a prosseguir. Um outro passageiro faz o mesmo.
Acabamos os três num recanto e o forasteiro mete conversa: “está aqui uma bela trapalhada, não é? Vão para as Gili? Olha que maravilha. Também vou para lá. Querem dividir o táxi? Sai-nos mais barato e, assim, protegemo-nos da máfia de Bangsal.”
A Solidariedade Anti-Máfia de Bangsal com o Mineiro aussie Brandon
Concordamos com o plano. Seguimos um taxista que não tirava os olhos do trio e damos início à viagem rodoviária. Pelo caminho, mais tranquilos, prolongamos o diálogo que Brandon tinha inaugurado. Descobrimos muito mais sobre o aussie oportuno.
“Eu trabalho com ouro, diz-nos sem entrar em pormenores.” A ambiguidade da profissão deixa-nos intrigados. Perante a dupla insistência, o rapaz não vê como se esquivar: “Bom, trabalho numa mina enorme do Território do Norte australiano.
Ganha-se bom dinheiro mas é desgastante. De tal maneira que só podemos operar seis meses de seguida. Este ano nem aguentei tanto. Fiz quatro e decidi tirar umas férias para recuperar. É por isso que aqui estou. Já cá vim várias vezes. As Gili são perfeitas para levantar os ânimos!”

Vista de Lombok a partir de Trawangan.
Chegamos à costa norte de Lombok e ao litoral de Bangsal. A povoação é conhecida entre quem viaja pela Indonésia, temida por quase todos os seus pequenos empresários turísticos tentarem enganar quem por ali passa a caminho do arquipélago ao largo.
O taxista tinha prometido que nos ajudava. Levou-nos directo a amigos, donos de um barco supostamente de confiança. Tudo se resolveu sem contratempos. Pouco depois, o sol começou a pôr-se.
A Navegação Crepuscular Entre Lombok e as ilhas Gili
Foi com a penumbra a instalar-se que zarpámos para travessia do estreito do Mar de Bali que separa o arquipélago secundário das Gili, de Lombok.

Nativo segue na proa de um barco que se dirige a Lombok.
Se Senggigi – a cidade mais turística da ilha-mãe – alicia e concentra os visitantes endinheirados, atraídos pelos resorts luxuosos e os bares com música ao vivo que passam futebol europeu a toda a hora, Kuta, a Meca do surf do sul e, acima de tudo, as Gili são desejadas pelos remediados.
Com óbvio destaque para os australianos jovens que vivem logo abaixo no mapa.

Embarcação com construção tradicional.
Trawangan, Air e Meno: o Trio Acolhedor das Gili
Trawangan, a Air e a Meno estão rodeadas de recife de coral e de praias de areia branca com águas cristalinas. Lá convivem tartarugas, mantas e uma panóplia de peixes tão folclóricos quanto algumas das decorações dos bares locais.
Em nenhuma destas ilhas existem, carros ou motas. O mais parecido são os cidomos, carroças puxadas por pilecas. À data da nossa visita, também não existia no arquipélago qualquer autoridade.

Um cidomo percorre uma estrada do interior diminuto de Gili Trawangan
As questões que pudessem surgir resolviam-se entre os locais ou estes e os visitantes. O sistema tem funcionado na maior parte dos casos que, diga-se de passagem, foram escassos.
A maior das três ilhas, a Trawangan, fica-se pelos 3km de norte a sul, dois de leste a oeste. Concentra a grande fatia do alojamento e assegura festa até às tantas. Apesar disso, não tem uma única discoteca digna desse nome.
Em comparação, as ainda mais pequenas Air e Meno, provam-se tranquilas. Logo bem cedo, recebem as visitas dos foliões ensonados de Trawangan, arrependidos de se terem inscrito nas saídas madrugadoras de mergulho e de snorkeling.

Embarcação típica estabelece mais uma ligação entre Bangsal – na costa norte de Lombok e Gili Trawangan
Foi algo de que nos precavemos de forma estratégica, pelo menos no que dizia respeito à primeira manhã.
Em época alta, as Gili são reforçadas com centenas de jovens de Lombok e ilhas vizinhas do arquipélago Nusa Tenggara que lá acorrem para trabalhar nos bares e restaurantes.
A Ligação Secular de Portugal à Indonésia e a Timor Lorosae
Num dos dois jantares que tivemos em Trawangan, assim que descobriu de onde éramos, o empregado de mesa não descansou enquanto não se lembrou todas as palavras portuguesas que enriqueciam o bahasa indonesia, o dialecto malaio nacional.

Estátua no jardim de uma pousada de Trawangan.
Depois da enunciação da “janela”, da “bandeira”, da “manteiga” e do “sapato” continuou a explicar-nos o seu interesse especial pela pátria ex-colona: “a mãe era timorense, chamava-se Adolfina.
Casou com um indonésio muçulmano. Como tal, foram forçados a mudar de apelido. Tanto ele como a progenitora tiveram pena de perder o antigo apelido, Lobo.
A conversa prolongou-se para mais uma (são tão frequentes na Indonésia) rendição à selecção nacional (a nossa) e à sua nova vedeta.
Devemos sublinhar, aliás, que o futebol português e, sobretudo Cristiano Ronaldo, conseguiram um milagre diplomático entre Portugal e a Indonésia, pelo menos, a popular.

Menino veste uma t-shirt da selecção portuguesa e dá expressão a uma paixão dos jovens indonésios pelo futebol português.
Mais de duas décadas volvidas sobre o massacre do Cemitério de Santa Cruz, o assunto Timor Leste ainda suscitava nalguns indonésios alguma ironia maldosa.
Esse ressabiamento foi, todavia aliviado pela visita de Cristiano Ronaldo à Banda Aceh devastada pelo tsunami de 2005 onde cumprimentou o jovem Martunis (caso não se lembre, o miúdo que foi achado com a t-shirt das Quinas e trazido a Portugal para ver um jogo da selecção).
Cristiano Ronaldo, a selecção portuguesa e o Real Madrid são, agora, temas bem mais discutidos entre os visitantes portugueses e os anfitriões.

Surfista percorre o areal branco e coralífero de Gili Trawangan
Nas Gili, em particular, o desporto-rei mantém-se, todavia, o surf.
Uma barreira de recife próxima duma secção da costa de Trawangan gera ondas por norma medianas mas perfeitas para a prática da modalidade. Dezenas de jovens indonésios locais ou deslocados de outras partes da nação aproveitam a benesse.
Dia após dia, vemo-los determinados em aperfeiçoar as suas manobras, a competirem entre si e com forasteiros por um ambicionado protagonismo aquático.

Um surfista aproxima-se do areal sobre a sua prancha, impulsionado por uma pequena vaga
Enquanto isso, ao largo, mais e mais barcos se acercam das Gili, repletos de adolescentes desejosos de darem entrada naquele pequeno recreio insular.

Barco ondula no mar tranquilo ao largo das ilhas Gili.