Estamos em contagem decrescente para o fim de semana.
Centenas de habitantes da Ilha Margarita fazem questão de o aproveitar até ao último segundo.
Subimos os derradeiros metros da rampa para o miradouro Juan Griego em passo de quase corrida. No topo, dentro da fortificação, uma multidão em alegre convívio ocupa toda a extensão das muralhas, virada para o Mar das Caraíbas em que o sol já quase assenta.
Dois vendedores de gelados concorrentes carregam caixas de esferovite e apregoam o seu produto. Promovem-no a fazerem soar pequenas campainhas, despertadores do desejo das crianças que por ali infernizam a vida dos pais.
A assistência em êxtase acompanha e regista o desvanecer do astro.
Passados alguns minutos de contemplação adicional, a paz civil rende-se a uma cerimónia político-militar.
O Baixar Solene da Bandeira Venezuelana
Dois soldados surgem do nada. De acordo com a coreografia pré-encenada, fazem descer a enorme bandeira venezuelana amarela-azul-vermelha que esvoaça, altiva, contra o céu quase limpo.
Esticam-na, dobram-na a preceito. E levam o símbolo da pátria bolivariana nos braços, carregado com mil cuidados, como se de um recém-nascido se tratasse.
Escurece em três tempos. A manhã seguinte é de trabalho e, de acordo, muitas famílias debandam. Um ou dois clãs de jovens resistem a bailar ritmos tropicalientes que brotam dos seus pequenos telemóveis.
A comitiva internacional de que fazemos parte, admira-os com fascínio e alguma inquietude. Até que recebemos ordem de partida e os deixamos entregues à sua festa.
À Descoberta da Famosa Ilha Margarita
Avancemos na narrativa até depois da nova alvorada. Seguimos instruções.
Com o pequeno-almoço já tomado, esperamos pelo transporte que nos há-de levar a uma doca próxima. E dali, à Playa de la Punta, uma enseada tranquila da Isla de Coche, algumas milhas ao largo.
Um anfitrião humorista a bordo dá as boas-vindas aos passageiros num castelhano hiper-rápido e, logo, com a lancha já em movimento, num inglês com forte sotaque ianque.
Pouco depois, o bar da embarcação abre. O DJ tripulante atrás do balcão passa os primeiros temas caribenhos a altos berros e inaugura uma rumba que se haveria de arrastar.
A viagem para a ilha secundária é longa. Sentados nos bancos do convés, os passageiros furtam-se ao protagonismo de inaugurar a pista de dança, cada vez mais óbvia e reclamante.
Mas, além do anfitrião e do DJ, há um MC a bordo que os recruta para os mais distintos exercícios e passatempos sem fronteiras. Atam-lhes balões cheios e de diversas cores aos tornozelos.
Com um sinal do animador e ao ritmo da música, os participantes forçados pulam e saltam que nem loucos para rebentar os dos adversários e se manterem “vivos” no jogo.
A Playa de la Punta e a Lancha em Modo Rumbero
Carlos, o MC, constata a rapidez com que aquela alegria infantil toma conta da lancha, reforçada pelos efeitos do rum sob as mais distintas receitas. Lança, então, outros desafios que potenciam o fenómeno e prossegue com a sua função animadora mesmo depois do desembarque na Playa de la Punta.
A comitiva deleita-se com o mar quente e suave. aproveita para descomprimir do stress do dia-a-dia e do cansaço dos jogos no convés. O MC volta ao ataque e chama-os para novas actividades, agora aquáticas.
Alguns dos veraneantes do velho mundo torcem o nariz. Perante a adesão crescente, acabam por se render. Até que chega a hora do almoço e a refeição num restaurante popular na proximidade da praia resgata o grupo daquele animador tentacular, não necessariamente das bebidas alcoólicas que lhe continuam a facilitar a missão.
Para o fim da tarde, no regresso, nenhum dos passageiros está em condições de oferecer resistência. A música toca cada vez mais alto. O MC impõe novos desafios. Desta feita, a equipa de imprensa venezuelana que acompanha a comitiva assume as honras. E chega a vez de Rogel, em particular.
Com ajuda de um outro tripulante, o mestre de cerimónias coloca uma peruca ruiva sobre a cabeça desta sua última cobaia. E balões bem cheios por dentro de um biquíni que lhe veste, a condizer com um saiote curto. Carlos anuncia ao microfone: “Senhoras e senhores, vinda da Colômbia, a exuberante Shakira”.
Incitado pelo público, ao som de um dos êxitos da cantora, o jovem bamboleia-se e exibe uma sensualidade tomada de empréstimo para riso descontrolado dos convidados da viagem e colegas que não tardam a invadir o “palco” para abusar da improvável vedeta.
Seguem-se outros números do género. Parte dos presentes a bordo, perde a voz de tanto gritar e gargalhar. Só os salva o fim da tarde e o regresso ao porto de que tinha zarpado aquela epopeia náutica de diversão.
De Volta ao Périplo Histórico da Ilha Margarita
Entra em cena um novo dia. A rumba é interrompida por mais périplo madrugador. Mostram-nos o Castelo de San Carlos, a Igreja de Buen Viaje, o Valle del Espiritu Santo e restantes pontos panorâmicos e históricos relevantes da Ilha de Margarita.
À imagem da de Coche, Margarita foi visitada por Cristóvão Colombo na sua segunda incursão pelas Américas.
Tornou-se o único estado insular da Venezuela e um dos territórios pioneiros a declarar a independência da Coroa Espanhola, em 1810. E consta que o descobridor comparou aquelas paragens com uma pequena Veneza.
À época, os indígenas não eram amigáveis como os de agora ou proporcionaram ao séquito do genovês a farra que nos estava a ser imposta.
Mudamo-nos para a costa caribenha continental. Instalamo-nos em Puerto de la Cruz, base operacional para a exploração do Parque Nacional Mochima que se seguiria.
Uma Incursão Veraneante no Parque Nacional Mochima
Duas pequenas lanchas partem das traseiras marítimas do hotel. Os passageiros preenchem na totalidade os rebordos almofadados das embarcações.
Ao centro, como era já de suspeitar, vão grandes geleiras com cervejas sem fim, subsumidas num gelo efémero e desenquadrado.
A marca, Polar, condiz na perfeição com o que é pretendido da bebida e alguns dos venezuelanos mais nacionalistas a bordo torcem o nariz quando lhes são passadas latas intrusivas: “Brahma?? Muito má ideia terem trazido isto!” exclama um deles com ironia.
Contornamos ilhéus colonizados por corvos-marinhos, pelicanos e outras aves náuticas, com a companhia de cardumes saltitantes de golfinhos. Já em terra, exploramos a ilha El Faro entre cactos verdejantes e em comunhão com enormes iguanas.
De El Faro, mudamo-nos para uma baía luxuriante da ilha Arapo. Ali, integramo-nos numa versão balnear bem mais tranquila de celebração da vida.
Centenas de famílias e grupos de venezuelanos partilham o areal exíguo e a água quase imóvel e quente do Mar das Caraíbas.
Muitos, trouxeram as suas bandas sonoras particulares para a praia.
Enquanto conversam e piquenicam em volta das inevitáveis neveras coloridas ou semi-submersos numa água tão verde como a selva tropical em redor, um zunido latino-americano embala a comunidade de banhistas.
Nós, os envergonhados europeus, recuperamos para a rumba a sério que sabíamos estar guardada para a viagem de regresso.