A isso tinham levado as circunstâncias. Em particular, a rivalidade interna da República Dominicana quanto à promoção turística das suas regiões.
Nos dias que já levávamos à descoberta da metade oriental da velha Hispaniola, passámos por Puerto Plata, uma cidade do norte, pioneira do turismo dominicano e que ostentava o cognome de “Novia del Atlántico”.
Pois, nisto dos romances e dos mares e oceanos, os Dominicanos, como os vizinhos Boricuas, há que dizê-lo, não brincam em serviço. Se o Atlântico já era de Puerto Plata, a região de Barahona tomou o Caribe.
Barahona intitulou-se “La Novia do Caribe”. Com óbvia legitimidade.
Enquanto a nortenha Puerto Plata confrontava o fundo da alpondra das Pequenas Antilhas e o Atlântico, Barahona surge em pleno numa espécie de península quase triangular que se interna no Mar das Caraíbas.
E que tem na ilha de Alto Velo o extremo meridional da nação.
Além de caribenhas, as terras que então desbravávamos revelavam-se uma deliciosa República Dominicana à margem. Durante dias e centenas de quilómetros, não vimos um único resort ou praia privada que fosse.
Tínhamos como base de exploração a Casa Bonita, um ecolodge familiar encaixado às margens do rio Cacao.
E no sopé da Sierra de Bahoruco, uma cordilheira luxuriante parte da Reserva UNESCO da Biosfera Jaragua-Bahoruco-Enriquillo que nos envolvia.
Nesses dias, nascer do sol após nascer do sol, saímos do lodge para a Carretera 44 Barahona-Paraíso.
Era esta a via principal da província, humilde, mas que as sucessivas curvas e ladeiras, submetidas ao relevo caprichoso das montanhas e da beira-mar, faziam aventureira, panorâmica.
Deslumbrante a condizer.
Pela Barahona Caribenha Fora, na Direcção do Haiti
Nesses dias, conduz-nos o señor Carlos, motorista do lodge, nativo da região, o condutor e guia ao nosso dispor.
Bem-disposto, paciente, conversador, Carlos conhecia os cantos à casa como poucos. Percebeu num ápice o tipo de cenários e de cenas a que nos queríamos dedicar.
A simbiose que com ele formámos e o seu papel de cicerone, contribuíram sobremaneira para o à vontade produtivo em que depressa nos vimos.
Aurora após aurora, descíamos a rampa de terra batida do cimo que a Casa Bonita ocupava. Ao passarmos a pequena guarida do lodge, um bando de patos quase residente grasnava à nossa passagem. Carlos despedia-se do guarda e das aves. Os patos grasnavam de volta.
“Andam sempre por aqui. Já fazem parte da vida de quem ali está de turno. Como fazem parte da minha. E olhem que se apegaram mais a nós que muitas pessoas!”
A rampa dá entrada na carretera. À nossa direita, temos um campo de beisebol ervado. O campo estende-se até à margem do rio Cacau que, entretanto, atravessamos para logo cruzarmos os pueblos irmãos de Baoruco Arriba e Baoruco Abajo.
Prosseguimos para oeste, com passagem por Fudeco, Haiti, Bella Vista e La Ciénaga.
Passada esta secção urbanizada, serpenteamos pelo fundo florestado da serra, ora sumido na vegetação tropical, ora em comunhão com as águas azuladas do Mar das Caraíbas.
Atravessamos outra ponte, esta, de estilo de campanha, a da La Cienaga-San Rafael.
Continuamos acima de um litoral que um promontório inesperado torna mais brusco. Do outro lado desse cabo, desvendamos uma baía suave e translúcida.
Aos poucos, regressamos à iminência do mar, separado do verde da serrania por uma linha ténue de areal coralífero.
No entretanto, contado o tempo do percurso e o de várias paragens, tínhamos entrado a sério na manhã.
De início, quase deserta, a estrada começava a admitir mais e mais carros e carripanas, pick ups e até alguns autocarros. Inesperado, o trânsito intriga-nos. “Calma, já vão ver para onde vão todos! Estamos quase lá” assegura-nos Carlos.
Decorridas mais umas centenas de metros, vemo-nos forçados a parar.
O Popular Refúgio Fluvial do Balneário San Rafael
A estrada tinha estreitado. Indiferentes, várias pick ups improvisavam estacionamentos. Um mini-bus ensaiava uma irreverente inversão de marcha.
Carlos conhecia bem aquele caos. “Meus amigos, isto só vai piorar. Se não os podemos vencer, juntamo-nos a eles. Façamos uma coisa: vocês saem já aqui e continuam para diante. Eu estaciono o mais próximo que conseguir.”
Estávamos à entrada do balneário de San Rafael. O lugar é considerado especial. É reverenciado à altura por toda uma multidão adoradora da praia, do sol, das águas termais e, caso não sirvam tais pretextos, da famosa rumba dominicana.
Com o tempo, o balneário de San Rafael e as suas farras semi-aquáticas tornaram-se populares.
De tal maneira famosos que lá começaram a afluir autocarros repletos de gente da capital Santo Domingo, ansiosa por limpar a mente dos stresses laborais da semana.
Sem compromissos nem planos rivais, juntamo-nos à pandega.
Logo abaixo da estrada, parte mais ansiosa da gente colonizava o areal arredondado e grosso, quase pedregoso, da praia. Certos convivas bebiam cervejas.
Outros, tinham-se enfiado na água. Saboreavam o ondular suave e morno do Mar das Caraíbas.
À frente, o pelotão recém-desembarcado das viaturas já se havia distribuído por um cenário em tudo distinto.
A Vida Prazerosa nos Socalcos do rio San Rafael
Ali mesmo, um dos vários rios que desciam da serra, o São Rafael, desaguava. Nos seus derradeiros metros, fluía em modo de cascata.
Por uma longa sequência de socalcos, cada qual, sua piscina de águas frescas e cristalinas.
A ele se ajustaram dezenas de bares e restaurantes e uma série de bancas e banquinhas complementares.
Estes negócios prolíficos servem desde meras bebidas aos petiscos dominicanos mais apreciados.
Ao deambularmos pelos terraços às margens do rio, saboreamos e vivemos um pouco de tudo, sob a perspectiva dos banhistas clientes e sob a das famílias de negociantes entregues a uma miríade de tarefas culinárias.
À entrada, uma senhora rala cocos atrás de cocos, a raspá-los num grande ralador de metal envelhecido.
Logo, invadimos uma cozinha adaptada a quatro paredes toscas, cobertas de um telhado de bambu escurecido pelo fumo engordurado.
A azáfama com que ali nos deparamos só acelera o processo.
Cerveja, Rum e Incontáveis Petiscos Dominicanos
Duas jovens mulheres fritam tostones (rodelas de banana).
Passam-nos para travessas, como acompanhamentos do peixe frito que estão prestes a servir.
Mudamo-nos para outro estabelecimento emparedado.
Este, para variar, ocupam-no apenas por homens, entretidos a cortar rodelas de lima e a amanhar o pescado a que é suposto os citrinos emprestarem sabor.
Aquém dos restaurantes, há uma outra linha avançada de gastronomia, apetrechada de empanadas, quipos e uma panóplia de pasteles mais ou menos salgados e picantes.
A rumba e, sobretudo, o reggaeton que soa a bom som entretêm os clientes espalhados no curso do rio.
E em mesas cobertas por chapéus de palhota, dispensáveis, tendo em conta a sombra providenciada pelas árvores frondosas acima.
Entre mergulhos, chapinhanços e restantes acrobacias, a meio de galhofas frenéticas e de piadas sem fim, os bem-dispostos clientes dominicanos afluem, abastecem-se e alimentam a dinâmica festiva imparável do fim-de-semana.
Uma Fascinante Incursão Fotográfica
Nós, divagamos, observamos. Metemo-nos com os dominicanos, por mais que nos esforcemos, como o corpo estranho à festa que somos.
Uns atrás dos outros, os grupos de convivas reparam nas máquinas fotográficas, desafiam-nos a deles fazemos arte.
Passamos por duas amigas que partilham uma cerveja Presidencial das grandes, encostadas a um bar que fez de uma moldura de janela balcão.
Atrai-nos a segurança e os sorrisos de ambas. E deslumbra-nos a excentricidade das rendas de praia que usavam, numa quase absoluta transparência, sobre os biquínis garridos.
Alexandra e Carina recrutam-nos. Assumem poses sensuais de calendário que fazem a dona do bar rir à gargalhada.
Disparo atrás de disparo, dica após dica, contribuímos para a sua promoção entre a turba de espectadores que se forma.
Em simultâneo, produzimos recordações peculiares daquele lugar único de Barahona.
Sem que disso tivéssemos consciência, estávamos há horas no Balneário San Rafael.
Do Balneário de San Rafael, em Busca de Outros Balneários
Lembramo-nos do itinerário que o Sr. Carlos nos mostrara. Sentimos a urgência de o retomarmos.
De San Rafael, recuperamos o rumo do ocidente, da fascinante Laguna de Oviedo e do vizinho Haiti.
De volta à estrada, detemo-nos junto de letras multicolores enormes que anunciavam e classificavam a cidade mais próxima e vista litoral de selva e praia abaixo: “PARAISO”.
Outras, parecidas, se seguiriam.
Como a víamos, a província de Barahona revelava-se, de facto, um éden de felicidade e genuinidade dominicana. Decidimo-nos a percorre-la até à exaustão.
Carlos conduz-nos até outra paragem que nos assegurava meritória.
Los Patos: balneário Prodigioso e um dos Rios Mais Curtos do Mundo
Esbarramos com Los Patos, pueblo e balneário concorrente do de San Rafael, se bem que mais contido, à imagem do rio homónimo.
Com apenas 61 metros, o Los Patos é o mais curto da República Dominicana. E um dos menores do Mundo.
Quando chegamos à ponte sobre o rio e começamos a fotografar, desencadeamos toda uma exibição de saltos acrobáticos para a lagoa translúcida.
À medida que disparamos, os adolescentes sentem-se motivados a superarem os mergulhos anteriores. Tornam-nos mais elaborados e arriscados.
Encharcam os grupos de banhistas dispersos no verde-esmeralda abaixo, uns de pé, outros a flutuarem sobre camaras-de-ar, boias e colchões insufláveis garridos.
Em vez de os irritar, as acrobacias exibicionistas dos jovens, despertam-lhes o olhar para o interesse que mostramos em Los Patos, no seu balneário, nas suas gentes.
Às tantas, à laia de festival de música, ao ritmo do Reggaeton, os banhistas acenam as mãos para um lado e para o outro.
Compõem, assim, uma incrível homenagem fotográfica e coreográfica à República Dominicana e ao Caribe autênticos que poucos visitantes têm o privilégio de conhecer.