A visão do Yasawa Princess atracado nas imediações da ilha de Villingily não tarda.
O dhoni encosta-se-lhe suavemente. Permite-nos passar à escadaria de acesso e, logo, ao convés, onde nos instalamos. Como era esperado, o jantar comunal ao pôr-do-sol serve de quebra-gelo e a conversa à mesa entra em piloto-automático.
Alguns dos passageiros já repetiam a dose do Yasawa.
Pelo meio, esses e outros tinham experimentado barcos e cruzeiros alternativos. Depressa perceberam que nenhum lhes concedia o à vontade e o bem-estar do Yasawa Princess.
Do Sri Lanka ao Conforto Náutico do Cruzeiro Yasawa Princess
Regressaram e serviam agora de conselheiros para as dúvidas que os estreantes manifestavam. Por volta das nove da noite, o jet lag e o cansaço começam a apoderar-se de vários deles, provenientes da Grã-Bretanha, do norte de Itália ou de Chipre.
Nós, tínhamos chegado dali do lado, da capital cingalesa Colombo. Mesmo assim, o sobre-esforço em que havíamos vívido as semanas de exploração do Sri Lanka, faziam com que nos sentíssemos igual ou pior. De acordo, por volta, das dez da noite, a ondulação suave do atol de Kaafu já nos embalava a todos.
Despertamos bem depois do nascer do sol mas a tempo de um pequeno-almoço partilhado entre os passageiros ainda ensonados. Era suposto o Yasawa já navegar desde a alvorada. Um problema de motor atrasara a partida e obriga-nos a mudar a primeira escala.
Em vez da ilha de Kuda Bandos, levam-nos a uma língua de areia perdida entre atóis que parece flutuar num mar azul-turquesa.
Yasawa Princess e o Primeiro dos Incontáveis Mergulhos no Índico
Os mergulhadores são os primeiros a explorarem uma área de recife mais longínqua.
A nós, conduzem-nos de lancha ao limite do recife que envolvia o banco de areia, um maravilhoso mundo subaquático que desvendamos durante quase uma hora em modo de snorkeling aventureiro.
De cada vez que encontrávamos formações de corais atractivas, cardumes de peixes garridos ou espécimes mais fascinantes, fazíamos uma outra incursão a maior profundidade até que a pressão nos fustiga os tímpanos e nos vemos forçados a emergir.
Ali, entre grandes peixes-papagaio e trompeta, envoltos de cardumes de incontáveis exemplares garridos e ínfimos, olhados de soslaio por moreias, tartarugas e tubarões de recife, deliciamo-nos com a incrível exuberância do oceano Índico.
Ao mesmo tempo que a exaustão se começava a instalar, também o paredão de coral se esgotava. Recolhemos, assim, à terra pouco firme do banco de areia, hidratamo-nos.
Reaquecemos sob o sol escaldante daquela latitude equatorial.
Problemas na Navegação de Cruzeiro, Malé Sempre à Vista
Nos primeiros dias, o problema de motor manteve parte da tripulação atrapalhada e de olhos postos em Malé, de onde, a correr tudo bem, chegaria a solução. Mas o barco tinha outro motor.
No mar liso dos atóis ou entre atóis maldivianos, era suficiente para continuarmos a navegar e a visitar outros bancos de areia tão ou mais aliciantes.
Nessas ocasiões, guiava-nos o R.P.
Por essa altura, apesar das diferenças de idades e do predomínio britânico, já praticamente todos passageiros se davam entre si e começavam a conhecer a tripulação multinacional. Havia Issey (Ismail Faysal), o proprietário maldiviano do barco, dono de um riso infanto-juvenil que nos deliciava.
Apoiava-o o seu braço direito, Faya, também ele maldiviano que connosco lidava em permanência, sempre de sorriso nos lábios quer portasse boas-notícias quer as tivesse más, estas, por norma, relacionadas com o encrencado motor.
Faya tinha uma grande teia de aranha tatuadas nas costas. Usava uma licra de mergulho inspirada no homem-aranha. “Faya, essa paixão por aranhas vem de onde?” perguntamos-lhe quando regressava de um mergulho no mar delicioso.
Ao que o maldiviano responde e nos surpreende: “Já as admirava há muito tempo. Entretanto, fui ver o “Homem-Aranha”. Fiquei a gostar ainda mais.”
O sempre sereno comandante Ahmed Mohamed pouco ou nada se esquivava às explicações. Era igualmente das Maldivas, como o era o barman e DJ Diggy Digs.
Já o prestável cozinheiro, tinha origem em Colombo, a capital do Sri Lanka. Refeição após refeição, socorria-se de uma paciência de guru para suportar a pergunta com que todos convivas ocidentais o massacravam: “isto é picante chefe? E isto aqui?”.
Vários outros tripulantes tinham como origem o Sri Lanka, a Índia ou o Bangladesh. Os que haviam trabalhado antes nas Maldivas já falavam um bom maldiviano, língua que combina elementos cingaleses e árabes.
Noutros casos, a tripulação recorria ao conveniente inglês.
O Atol Maafushi, no Caminho de Outros Atóis
A navegação evolui. Passamos para o atol Maafushi e detemo-nos para novos banhos na ilha privada de Rannalhi.
Donald Trump acabara de ganhar as eleições presidenciais dos E.U.A. e dominou boa parte das conversas a bordo. Nesse e noutros dias, os passageiros participaram em pescarias nocturnas a bordo do Dolphin, um dos barcos de apoio, ou a partir da popa do Yasawa Princess.
Além de suscitarem festejos exuberantes, os espécimes pescados foram oferecidos ao cozinheiro que assim pôde diversificar a oferta do bufê.
Avançámos do atol Maafushi para o Felidhoo, dois dos vinte e seis das Maldivas. Entre novas doses de mergulho e snorkeling, fomos prendados pela terra-firme de uma ilha-churrasco cercada por coqueiros.
E por um novo recife tão ou mais exuberante que os anteriores.
Escala Numa Pequena Ilha do Atol Felidhoo
Habitavam essa pequena ilha alguns bangladeshis que nela permaneciam por longos períodos, com o único propósito de acolherem visitantes de resorts, pousadas ou passageiros de cruzeiros. Tinham inclusive a sua própria mini-mesquita identificada com um crescente rabiscado na parede.
Durante o tempo que passámos nesta ilha, recorreram ao seu refúgio religioso por duas vezes em que entoaram cânticos muçulmanos e oraram.
Por essa altura, fazer nada de nada e ver as mãos encarquilharem aos poucos das horas que passávamos à conversa dentro do mar eram já as actividades oficiais do cruzeiro.
Dedicamos-lhe boa parte de uma das tardes, na companhia de Georgio e Juliana, um casal italo-romeno que vivia em Londres.
Os dois descobriram uma rocha submersa que não demorámos a classificar de extraterrestre. Com a água pouco acima dos joelhos, dedicamo-nos a estudar o estranho comportamento dos peixes que se tinham instalado em redor e a conjecturar explicações disparatadas.
Só colocamos fim na brincadeira, quando Juliana nos confessa que adorava ser fotografada e lhe dedicamos a ela e a Geórgio uma produção fotográfica improvisada.
A Longa Conversa com o Comandante Ahmed Mohamed
À tarde, após o almoço, juntámo-nos a uma longa conversa de Giorgio com o comandante, deitados no areal de giz, à sombra clemente dos coqueiros.
Ahmed Mohamed descreve-nos algumas das suas experiências de navegação. Volta a abordar a facilidade com que se compram ilhas e atóis nas Maldivas: “Georgio, é como já te tinha dito. Com 100 mil euros arranjo-te uma ilha fabulosa!”.
Abordámos ainda a vivência do tsunami de 2004 naquele arquipélago do Índico e o mistério do voo MH-370 que vários habitantes das suas ilhas afirmaram ter observado a baixa altitude.
Entretanto, Georgio deixa-nos. Suave e volátil, a conversa desviou para o Corão e a Bíblia e de como, pelo menos na sua génese histórica, ambas as obras tinham tanto em comum: Abrãao, Adão e Eva, Jesus Cristo e Maria, para mencionar apenas os protagonistas mais populares.
O Jantar-Festa Surpresa de Felidhoo
Voltamos à ilha para jantar. Os tripulantes tinham recreado um grande tubarão-baleia na areia que fez a delícia dos passageiros e introduziu as actividades dos dias seguintes.
A noite foi de absoluto delírio. DJ Diggy Digs recorreu a uma playlist em que predominavam sucessos dos anos 70 a 90. Luzes instaladas com capricho, recrearam uma discoteca sobre a areia.
A resistência durou pouco. Num instante, invadimos a pista. Dançámos tema atrás de tema até à exaustão, sem abrirmos sequer excepção para os êxitos bollywoodescos que nenhum de nós tinha alguma vez ouvido mas que DJ Diggs nos impingia.
A alvorada regenera a excitação a bordo.
À Descoberta do Atol Alifu Dhaluu
Durante a noite, tínhamos cruzado do atol Felidhoo para o Alifu Dhaluu. Estávamos ao largo de Maamingli, uma das maiores povoações das Maldivas, rodeada de resorts imponentes e arrojados e ao largo da qual se habituaram a vaguear pequenos cardumes de tubarões-baleia.
Saímos para o mar sob o repto de ajudarmos a tripulação a procurá-los e a verdade é que os avistámos várias vezes. No entanto, de cada vez que saltámos para a água para deles nos aproximarmos, os bichos sumiam-se.
Só numa quarta oportunidade, quando já ninguém esperava, vislumbrámos, alguns metros abaixo de nós, um espécime esquivo que nunca se atreveu a vir à tona.
Na derradeira tarde a bordo do Yasawa, temos uma incursão recompensadora ao modo de vida maldiviano.
Já sobre o pôr-do-sol, a tripulação leva-nos a Maamingli. Subimos do pequeno barco para o cimo do muro que fazia de fronteira entre a povoação e o mar e, na companhia de Georgio e Juliana internamo-nos pelas ruas de terra batida da cidade.
Maamingli: as Maldivas Como Realmente São
Passamos por um grupo de jovens adolescentes que suspendem o seu convívio na penumbra criada por uma grande árvore para nos analisarem como forasteiros que éramos. Prosseguimos pela rua principal.
Aos poucos, vencemos a relutância que nos gerava a fama das Maldivas de promover o turismo em inúmeros resorts espalhados pelo seu território insular mas de evitarem a intrusão dos estrangeiros no seu modo de vida muçulmano tradicionalista.
Metemos conversa com quatro ou cinco mulheres de abayas e hijabs que conferenciavam à entrada de uma loja. Em cinco minutos, inspirados por uma das senhoras mais desenvolta, evoluíram de um total desconforto e receio para uma pose de grupo e risada partilhada perante as nossas máquinas fotográficas.
Caminhamos em direcção ao sol que se põe no fim da rua. Um grupo de raparigas divertem-se a jogar netball. Até que um muezzin inaugura o seu chamamento cantado e lhes anuncia a hora de afluir a casa ou às mesquitas.
Escurece a olhos vistos. Regressamos por ruas mais estreitas paralelas à principal formadas por paredes de casas e por muros compostos de pedra-coral.
Já quase a chegarmos à doca, Juliana detém-se numa loja explorada por dois costureiros bangladeshis. Escolhe tecidos que a atraem e encomenda um vestido que viria buscar na tarde seguinte.
Os rapazes do Yasawa já nos esperavam há demasiado tempo. Não queríamos abusar.
Retomámos a descoberta da vida maldiviana genuína uns dias depois, em Malé, a capital.