Era a segunda passagem que fazíamos por Mlilwane.
A primeira, em Abril de 2017, durou menos que um dia.
Deixou-nos frustrados. Integrávamos uma daquelas expedições sul-africanas, a bordo de um camião adaptado para passageiros.
Saímos do PN Kruger tarde.
Pelo caminho, a temperatura desce de forma substancial.
Chegamos à fronteira com a Suazilândia pela hora de almoço, já sob uma bátega.
A Primeira incursão a Mlilwane
Ao Santuário de Vida Selvagem Mlilwane, com a tarde quase no fim, tempo apenas para nos instalarmos numa das suas cabanas colmeia arredondadas e de sairmos para uma curta caminhada.
Os guias servem um jantar, como quase sempre, por eles improvisado.
Seguem-se danças étnicas suazis, exibidas pelos trabalhadores da reserva.
E uma longa conversa com o líder Alberthram TENK Engel, centrada nas peculiaridades do reino da Suazilândia
.Chove a noite toda.
Após um pequeno-almoço madrugador, o grupo ganha coragem.
Mesmo sob uma aborrecedora precipitação molha-tolos, acede ao repto de Tenk de percorrermos os quase 8km do Hippo Trail local.
Os hipopótamos mantiveram-se no lago da reserva. Avistamos sobretudo aves e antílopes diminutos, os cabritos-do-mato.
Regressamos ao acampamento de Mlilwane. Vagas de névoa mantinham o tempo frio.
Sentamo-nos todos em volta de uma fogueira que os empregados tinham acendido, numa agradável cavaqueira.
Estamos nesse entretém quando, do nada, surge uma família de javalis-africanos.
Mais preocupados com aquecerem-se que com a iminência dos humanos, instalam-se junto à fogueira e por ali ficam.
Sobre as 10h30, partimos apontados à zona zulu do litoral sul-africano de St. Lucia. Decorridas duas horas, despedimo-nos de vez da Suazilândia.
No ano seguinte, 2018, comemoravam-se os 50 anos da independência do reino.
O rei Mswati III ditou que a Suazilândia se passaria a chamar eSwatini, o termo que os nativos sempre usaram e com que se identificavam, em vez do Suazilândia imposto pelos colonos britânicos e que, alegadamente, irritava os monarcas por, em inglês, se assemelhar a Switzerland.
Em Fevereiro de 2024, regressamos, assim, a eSwatini, em vez de à Suazilândia, desta feita, com “todo o tempo do mundo”.
Decidimos incluir um retorno a Mlilwane que resolvesse o pouco ou nada que tínhamos explorado na passagem inaugural pela reserva.
Viajamos de Maputo para Manzini, a bordo de um “chapa” que as mulheres suazi costumam usar, ao fim-de-semana, para ir comprar vestuário e outros itens nos mercados de rua da capital moçambicana.
Começamos por nos dedicar ao Vale “celestial” de Ezulwini, com acolhimento providencial no Mantenga Lodge lá situado.
Sete Anos Depois, de Volta ao Santuário de Vida Selvagem Mlilwane
Três noites depois, mudamo-nos para Mlilwane. Alojam-nos num dos quartos do Reilly’s Rock Hilltop Lodge.
Afastado do acampamento principal do Mlilwane Wildlife Sanctuary, recolhido nos primórdios e na razão de ser da reserva, este lodge depressa se provaria especial.
O motorista estaciona debaixo dos ramos tentaculares de uma árvore secular imensa.
O Deslumbrante e Histórico Reilly’s Rock Hilltop Lodge
A uns poucos metros, uma escadaria dá para uma casa desafogada, erguida em pedra empilhada. Duas empregadas vêm-nos ajudar com a bagagem.
Passamos à recepção, um mero balcão ajustado a uma sala de estar repleta de mobiliário, de objectos funcionais e decorativos.
Tudo irradiava uma expectável atmosfera colonial.
Estávamos, afinal, no âmago da herdade de Mickey Reilly, um dos primeiros colonos brancos da Suazilândia.
Mickey e Ted. Duas Gerações Influentes de Reillys
Engenhoso, Reilly radicou-se naquela zona da Suazilândia como fazendeiro e responsável pelas minas de estanho McCreedy, durante muitos anos, uma das principais empregadoras da Suazilândia colonial.
Ficou para a história que, no início do século XX, conseguiu trocar a construção daquela mansão por um carro de bois. Na origem, a casa tinha quatro quartos.
Hoje, são seis, todos com acesso directo a uma longa varanda coberta.
Como indicia o nome do lodge, a herdade fica sobre uma colina.
A leste do rio Mhlangeni que os Reilly, em parte represaram, de maneira a formarem um grande lago.
A residência real de eSwatini dista uns poucos quilómetros para norte.
A herdade de Mlilwane está cercada por bolsas de floresta, de savana e de encosta, vedadas, de maneira a impedir a fuga dos animais e a caça furtiva.
Ted Reilly. O Mentor da Conservação da Vida Selvagem da Suazilândia
Foi neste ambiente que, a partir de 1938, cresceu o filho de Mickey, Ted, já nativo da Suazilândia.
Ted aprendeu a apreciar a flora e fauna circundante.
E, a determinada altura, a preocupar-se com a destruição do ecossistema que se generalizava.
Entre caçadas mais ou menos organizadas dos colonos e as capturas do povo suazi, boa parte das espécies animais do Reino entraram em perigo de extinção ou chegaram a extinguir-se.
Ora, proprietário das terras vastas de Mlilwane, a partir de 1950, Ted decidiu lá fundar a área protegida pioneira da Suazilândia.
Foi a primeira de várias acções decisivas na conservação dos ecossistemas da Suazilândia e que lhe granjearam o epíteto suazi elogiante de Msholo.
Ted criou outras áreas protegidas que viríamos ainda explorar. A Reserva de Mkhaya e o Parque Nacional Real de Hlane, num trio que conciliou sob o Trust Big Game Parks.
O Reilly’s Rock Hilltop Lodge e o Royal Botanical Garden
Regressemos ao Reilly’s Rock Hilltop Lodge. No imediato, atrai-nos o encanto húmido e verdejante da propriedade.
Ainda antes de nos aventurarmos pelos seus mais de 45km2, concentramo-nos nos Royal Botanic Gardens que envolvem a vivenda.
Tommy e Besh, dois jovens guias suazis, prendam-nos com uma visita guiada em que nos explicam de tudo um pouco, sobre o mundo vegetal rico e complexo do jardim.
A começar pelos espécimes de encephalartos bem destacados a poucos metros da fachada da casa.
Como tantas animais, uma espécie vegetal quase extinta devido ao corte excessivo justificado pela farinha obtida da medula dos seus troncos e de outras partes, com os mais diversos fins medicinais.
Os guias mostram-nos ainda aloés e, encosta acima e abaixo, para desagrado de um bando de macacos devorador de goiabas, uma série de outras árvores e arbustos prodigiosos.
De regresso aos encephalartos, a volta termina.
Despedimo-nos.
O Acampamento Base e as suas “Aldeias” de Cabanas Colmeia
Dali, seguimos até ao acampamento base, em que tínhamos ficado, em 2017.
Cirandamos entre as cabanas colmeia, por um relvado fresco e tenro que atraía zebras e nialas, pouco intimidadas com as nossas aproximações.
Íbis e macacos-azuis vigiam-nos do cimo de árvores, os símios, atraídos pelo aroma disseminado pela cozinha do acampamento.
Gerava-o a confecção do almoço que, não tarda, saboreamos, com a companhia de uns poucos hóspedes.
Findo o repasto, encontramo-nos com Caro, outro guia dos Big Game Parks. Subimos para um velho jipe, provavelmente do tempo dos colonos britânicos.
E a Descoberta dos Quatro Cantos do Santuário
Uma vez a bordo, inauguramos um longo e aturado périplo pela reserva animal.
Dirigimo-nos ao lago do rio Mhlangeni, que nos lembrávamos que abrigava uns poucos hipopótamos.
“Pois, mas é que já não os temos.” esclarece-nos Caro. “Mesmo com o tamanho que tem, o santuário faz fronteira com plantações e aldeias.
Os hipopótamos revelaram-se uma carga de trabalhos. Tivemos que nos livrar deles.”
Mlilwane era, por comparação aos dois outros Big Game Parks, uma reserva diminuta, com gestão tão ou mais delicada.
Além dos hipopótamos, também não podia admitir grandes predadores, que exterminariam os herbívoros em três tempos.
Conscientes dessa realidade, mesmo se à conversa com Caro, concentramo-nos em admirarmos os herbívoros e aves que encontramos: impalas, uns poucos gnus, cudos majestosos, zebras e cabritos-do-mato.
Ainda alguns blesboques, reintroduzidos na reserva de Malolotja e noutras partes, após quase terem sido extintos em eSwatini. Também calaus-gigantes, águias-pesqueiras e até grous-azuis.
A tarde ia avançada. Caro reservava um plano para o seu término.
Fim de Dia nas Terras mais Altas de Nyonyane
Conduz-nos encostas acima, até à crista das montanhas de Nyonyane que fechavam a reserva a ocidente.
Durante a subida, cruzamo-nos com alguns gnus retirados.
Uma vez no topo, reconhecemos o vale de Ezulwini e a Mantenga Cultural Village e o Mantenga Lodge dos nossos primeiros dias em eSwatini.
Caro monta um piquenique.
Enquanto isso, caminhamos entre plantas aloés, espécies de sentinelas da montanha, até à famosa Execution Rock, de onde se diz que, em tempos, eram atirados, sem apelo, os condenados à morte.
Sobranceira, a rocha concede-nos vistas panorâmicas sobre o cerne cultural e real do reino.
Nuvens escuras carregam o céu. Em vez de um firmamento fogoso, o ocaso prenda-nos com chuviscos que se intensificam, com ar de tempestade trovejante e que nos obrigam a retirar.
Aquela meteorologia era típica do Estio de eSwatini e, em particular, de Mlilwane, o santuário providencial da vida selvagem.
Dos relâmpagos. E, em dias de trovoada seca, das fogueiras por eles geradas.
Como Ir
Voe para Mbabane via Maputo, com a TAP Air Portugal: flytap.com/ e a FlyAirlink.
Onde Ficar
Mlilwane Wildlife Sanctuary:
biggameparks.org/properties/mlilwane-wildlife-sanctuary-2
Email: [email protected]
Tel.: +268 2528 1000 / +268 7677 6772