Em termos turísticos, Morgan não chega sequer aos calcanhares da fama universal da New Orleans de que provínhamos.
Tem os seus atributos. No fim do dia anterior, tínhamos explorado o grande pantanal do rio Atchafalaya. Começávamos o corrente com uma visita ao Museu Internacional do Petróleo local, erguido em função do pioneirismo de Morgan no ramo petrolífero.
Vanessa, a anfitriã da cidade, apresenta-nos Virgil Allen, ex-trabalhador, hoje, guia da plataforma de extracção off-shore em que se concentra o museu.
O Petroleum Museum de Morgan City e a Plataforma Petrolífera “Mr. Charlie”
Virgil traja um fato-de-macaco azul-escuro. Devido ao calor estival, mantém-no aberto em forma de decote em V, com as mangas arregaçadas bem acima dos cotovelos.
Seguimos-lhes os passos pesados das suas botas de trabalho reforçadas até às alturas da “Mr. Charlie”. Por escadas de ferro envelhecidas, atingimos uma lisura enferrujada antes usada como heliporto.
Amplia-se a vista a toda a volta. Sobretudo, a do rio Atchafalaya e do trio de pontes que ligam a margem em que se situa Morgan City à oposta, a da vizinha Berwick:
identificamos a mais emblemática ponte Long Allen, a gémea não idêntica de EJ “Lionel” Grizaffi e a de Berwick Bay.
Percorrem o panorama enormes barcaças provindas da capital Baton Rouge, que curvam no meandro em que o Atchafalaya ramifica para um tal de Bayou Schaffer, uma das centenas de bayous que sulcam o sul inundado do 18º estado dos E.U.A, o do Luisiana.
Do topo da plataforma, projecta-se para o céu azulão uma torre vermelha e branca.
Um Périplo Informativo pela “Mr. Charlie”
É a estrutura fulcral da plataforma, em que são colocadas e atarraxadas as brocas diamantíferas que perfuram o leito marinho.
Virgil revela-nos ainda a bóia usada para translado de trabalhadores em condições meteorológicas que inviabilizavam a aterragem dos helicópteros.
Mostra-nos os quartos e beliches, a sala de refeições, a de convívio e briefings, esta última, decorada com maquetes de petroleiros e de plataformas petrolíferas.
Se tínhamos iniciado o dia algo de pé atrás por se tratar de um museu, quanto mais apreendíamos da estrutura e da sua história, mais nos motivávamos.
“Bom, pode não parecer agora, mas esta torre abriu o caminho para um tipo de exploração petrolífera que se banalizou e que agora gera biliões de dólares.
Hoje, faz de museu, mas também cá se realizam sessões de treino de empresas que têm outras plataformas offshore”.
A Construção e Operação Pioneira da Primeira Plataforma Off-Shore
A Mr. Charlie foi construída entre 1952 e 1954, nos estaleiros Alexander de New Orleans, como uma teimosia de um jovem engenheiro de apelido Laborde.
Contra a rejeição das principais empresas de prospecção de petróleo e gás, insistiu que uma torre de extracção podia ser colocada numa espécie de barcaça fixa sobre postes e flutuadores massivos.
Laborde encontrou um investidor em Charles Murphy, o proprietário de uma empresa de prospecção independente de El Dorado, Arkansas. A empresa deste percebeu que a plataforma não só funcionaria como augurava um jackpot.
De facto, a Mr. Charlie provou-se a primeira plataforma transportável na íntegra, submersível e auto-suficiente do Mundo.
Entre 1952 e 1986, gerou centenas de poços no Golfo do México e a sul de Morgan City, num total superior a 700km perfurados, ao serviço de diversas outras petroleiras, entre as quais, a famosa Shell Oil.
Neste hiato, a Mr. Charlie operou com uma equipa de até 58 funcionários em águas com um máximo de 7 metros de profundidade,
Em 1986, a evolução tecnológica gerou plataformas instaláveis em águas com profundidades muito maiores. A Mr. Charlie deixou de fazer sentido e foi desactivada.
Morgan City e a Importância da Extração Petrolífera
Morgan City e as suas gentes beneficiaram dela, em termos de postos de trabalho directos e indirectos, durante 34 anos.
De acordo, determinados empresários petrolíferos locais, garantiram-lhe uma devida homenagem histórica, nas margens do Atchafalaya que nos entretínhamos a explorar.
A evolução tecnológica que se deu após 1986, causou um aumento exponencial e mundial de extracção petrolífera.
A que, devido ao fenómeno do aquecimento global, se seguiu uma determinação política norte-americana, quase sempre provinda do espectro Democrata (de esquerda), de limitar a extracção de petróleo e gás natural e investir noutras formas ditas ecológicas de produção energética.
Virgil não disfarça o desdém por estas políticas que colocaram um fim aos postos de trabalho com que ele e o filho contavam. Vemos, assim, em Virgil, à imagem da maior parte dos moradores do Luisiana profundo, um inequívoco apoiante de Donald Trump e do Partido Republicano.
Evitamos, todavia, metermo-nos nessa discussão que, além de o frustrar, tinha tudo para sobreaquecer. Mesmo se petroleira, Morgan tinha outros atributos. Estava na hora de os desvendarmos.
O Gumbo do Restaurante “Rita Mae” e o Marisco Abundante em Redor de Morgan
Almoçamos no “Rita Mae’s”, um restaurante famoso pela genuinidade da velha vivendinha de madeira colorida em que funciona.
Pelo gumbo da casa, acompanhado de bolas de batata e pela espontaneidade irascível da empregada de serviço que quando lhe perguntamos como era a Chef Salad.
nos responde, indignada, “Sou só a empregada, como é que querem que saiba isso!”
Morgan City e a sua região são óbvias terras de gumbo e de marisco. O marisco integra, aliás, inúmeras receitas de gumbo destas partes do Luisiana, nem poderia ser de outra forma.
A indústria marisqueira local vem da ressaca financeira da Grande Depressão. Por essa altura, um jovem empresário da Flórida apostou em encontrar novas águas lucrativas.
Enviou um barco da sua frota de 24 navios, a testar as águas salobras e o mar a sul de Morgan City.
Ora, diz-se que o barco quase afundava com a quantidade surreal de marisco, predominantemente camarão que capturou.
Muitas mais embarcações zarparam da Flórida. Outras, foram construídas ou adaptadas para a nova, lucrativa actividade.
Centenas de madeireiros, caçadores, traficantes de peles e gente de outros ofícios em declínio afluíram de outras partes do Luisiana, da Flórida, do Texas, do Arkansas e até de Oklahoma.
Passaram a trabalhar na pesca marisqueira e afins, com rendimentos que eram o dobro, o triplo, e bem mais regulares e garantidos que os anteriores.
Eram pagos pelos donos das frotas, por novos estaleiros, por dezenas de armazéns frigoríficos, de bares, restaurantes e de negócios derivados, que se multiplicaram como os artrópodes avermelhados no Golfo do México.
Quando percorremos a marginal de Morgan City, lá encontrámos uns cinco ou seis barcos, os seus donos refastelados em cadeiras, confiantes que venderão o seu shrimp dê por onde der, como sempre fazem, sem intermediários.
A Génese Açucarada de Brashear City
Malgrado a relevância do petróleo e do marisco na vida de Morgan – que merece inclusive, um festival bi-temático realizado no Labour Day do 1º de Maio – foi o açúcar, em concreto a produção de cana-de-açúcar que esteve na génese de Morgan.
A meio do século XIX, Walter Brashear, um físico e fazendeiro do Kentucky adquiriu terras vastas da então conhecida por Tiger Island, assim tratada por agrimensores apontados pelo governo lá terem encontrado um tipo distinto de gato selvagem.
A produção de cana de Brashear correu de vento em popa. O fazendeiro mandou instalar vários moinhos para a processar. Ora, esta sua empreitada levou a muitas outras estruturas e à formação de uma população residente.
O lugar baptizado de Brashear City recebeu ainda um depósito militar das forças federadas e um forte protector da cidade. Ainda assim, em território sulista profundo, em Junho de 1863, as forças Confederadas capturaram-na.
Dois anos depois, os Confederados renderam-se. A cidade foi integrada nos Estados Unidos reunificados.
De Brashear a Morgan City ainda mais Prolífica
Em 1876, passou de chamar-se Brashear a Morgan City, em homenagem a Charles Morgan (1795-1878) um magnata e filantropo que investiu mundos e fundos na dragagem de um canal na Baía do Atchafalaya.
O novo canal viabilizou a passagem de navios para o Golfo do México e o oceano Atlântico.
Como esperado, depressa se provou providencial e altamente lucrativo.
Deu azo a muitas das mansões históricas, umas poucas supostamente assombradas porque passamos quando exploramos a cidade.
Ao longo da Brashear St, em redor do Lawrence Park e noutras partes.
Como não pode deixar de ser no sempre paranormal Luisiana, proliferam em Morgan e no imenso Atchafalaya circundante, histórias de espíritos e assombros, em casas, nem todas desabitadas.
Na senda dos mistérios dos pântanos e bayous, Morgan rendeu-se ao lucro provindo da mediatização dos seus fantasmas. Em 2019, uma série em particular, “Ghosts of Morgan City”, granjeou à cidade um inesperado acréscimo de notoriedade.
Vanessa reaparece, sem sobressaltos. Tinha terminado uma reunião na edilidade. Regressava ao nosso dispor.
O Lago Palourde, o Brownell Memorial Park e a Sua Carillon Tower.
Sobre a hora do calor e de uma já problemática fome, prenda-nos com um piquenique no Lake End Park, à beira do lago Palourde, um de vários que cercam a cidade e que, à imagem de New Orleans, a tornam vulnerável a passagem de furações.
Devoramos po’boys, sandes típicas de New Orleans, de camarão e peixe. Em seguida, contornamos o lago até ao Brownell Memorial Park & Carillon Tower.
Lá nos surpreende uma torre mandada erguer, em honra dos seus pais, por Claire Horatio Brownell, descendente das famílias pioneiras do Luisiana e aficionada inveterada de sinos e campanários.
O monumento destoava da paisagem de ciprestes e barbas-de-velho pendentes, uma óbvia extensão da que tínhamos explorado no fim da tarde anterior na bacia do Atchafalaya.
Revelou-se mais um dos incontáveis deslumbres que fazem da Cajun Coast e do sul do Luisiana, lugares à margem dos Estados Unidos.
COMO IR
Reserve o voo Lisboa – Miami (Flórida), Estados Unidos, com a TAP: flytap.com por a partir de 820€. De Miami, poderá cumprir a ligação para Lafayette (2h) por, a partir de 150€, ida-e-volta.