Chegamos ao fim da primeira semana de Dezembro.
Sem sabermos bem como, damos connosco na ilha de Barbados, alojados nos arredores da capital, Bridgetown. Dia após dia, exploramos o seu centro colonial.
Aos poucos, apanhamos os trejeitos da cidade e da sua gente, por norma, entregue às vidas que levam, com a excepção de uns meros agentes de agências de tours que, posicionados sobre a ponte de Chamberlain, impingem passeios de catamarã ao largo da costa oeste da ilha, a contemplada com os infalíveis ocasos solares.
Pouco ou nada muda, no molhe da cidade e nas duas praças principais que o delimitam, a dos Heróis Nacionais e da Independência, conseguida, em 1966, do Reino Unido, após uma adesão à falhada Federação das Índias Ocidentais (1958-62).
Desde então, a ilha-nação evoluiu para um dos estados democráticos mais prósperos das Antilhas. De tal maneira estável que as suas forças armadas contam apenas com em redor de oitocentos alistados, reforçados por membros entre os 14 e os 18 anos que integram o Barbados Cadet Corps.
Revisitamos Bridgetown, a 13 de Dezembro. Com a tarde a dar lugar à noite, são as forças armadas barbadianas e os seus cadetes, com o reforço de vários voluntários, que protagonizam a única metamorfose digna de registo na capital.
O Natal Tropical de Bridgetown, Barbados
Descarregam árvores de Natal plásticas de camiões.
Num óbvio exercício de coordenação e sensibilidade decorativa, distribuem-nas em frente ao Edifício do Parlamento e em volta da Praça dos Heróis nacionais.
Quando as examinamos, percebemos que numa determinada secção, cada árvore representa um país, sobretudo da vasta Commonwealth, que a nação de Barbados continua a integrar.
Os militares compõem, assim, com paciência de santo camuflado, decorações alusivas aos respectivos países.
Bola de Natal, atrás de bola de Natal, fita atrás de fita, com lugar especial para uma miríade de mensagens recortadas e preenchidas, estimamos que por crianças dessas nações.
Os dias continuam a fluir, a caminho do 25 de Dezembro, a mais importante data cristã.
Ao vaguearmos pelas ruas comerciais de Bridgetown, constatamos que também os empresários aderiam ao espírito da época, mesmo se na sua forma pagã.
Espírito Natalício nas Lojas e a Emanar dos Monumentos
Fazem os 30º celsius, ou quase 30º, típicos da época seca de Barbados.
Não obstante o calor tropical, diversas lojas colocam bonecos de neve, pais natal e pinguins acima das suas entradas.
Promotores de vendas, de megafones em riste, apregoam as promoções natalícias do dia.
Mal o sol se some, o Parliament Building destaca-se num vermelho etéreo, com um verde contrastante a emanar das entradas ogivais.
Erguida numa das pontas da torre cimeira do complexo, a bandeira amarela-azul com tridente centrado, de Barbados, oscila de acordo com a brisa.
Cruzamos a Broad Street para o domínio da Praça dos Heróis e, para a entrada da Ponte Chamberlain.
Também por ali a Natividade ocupa o seu espaço. Sobre um muro lateral, entre palmeiras imperiais e os mastros dos veleiros ancorados, damos com um presépio.
Um Presépio na Independence Square de Bridgetown
José, Maria, Jesus Cristo e os reis magos surgem reunidos num aconchego feito de fardos de palha.
Assim que o céu escurece e as árvores de Natal e outras decorações cintilam, também os bonecos das personagens se iluminam contra os astros que enfeitam o firmamento.
Filhos fazem-se fotografar com as mães. Famílias inteiras pedem-nos o favor de os fotografarmos com os seus telefones.
Desde algum tempo após os Britânicos os terem feito desembarcar na ilha, enquanto escravos africanos, que boa parte dos barbadianos sente um fascínio comovido por aquele nascimento figurativo do Salvador.
Uma acção missionária intensa e a influência da sociedade britânica, tornaram cristãos os escravos e seus descendentes.
Hoje, essa herança religiosa está mais ramificada que nunca, se bem que diluída em incontáveis e exuberantes celebrações pagãs.
A Diversidade Cristã da Ilha de Barbados
Mais de 20% dos barbadianos são anglicanos. Outros tantos são pentecostais e, um pouco acima de 15% dividem-se entre Baptistas, Morávios, Mórmons e Testemunhas de Jeová. Existem também Adventistas do Sétimo Dia, Metodistas, Wesleyanos, Nazarenos e seguidores da Igreja de Deus.
Barbados acolhe ainda uma comunidade judaica reduzida, mas activa. Compõem-na descendentes da diáspora causada pela perseguição e expulsão decretada pela Inquisição na Península Ibérica que, no final do século XV, forçou os judeus a fugirem, primeiro para o Brasil holandês, mais tarde, após Portugal ter conquistado os territórios holandeses, para Curaçao e outras ilhas caribenhas, incluindo Barbados.
No cemitério judaico de Bridgetown abundam as lápides com nomes e apelidos portugueses. A vida religiosa dos judeus locais funciona em torno da sinagoga Nidhe Israel e do bairro histórico judeu da cidade.
A Tradição Natalícia de Bridgetown
Gira à margem das missas realizadas na catedral de St. Michaels e em templos cristãos não tão imponentes.
Na manhã do dia 25 de Dezembro, como acontece ano após ano, os barbadianos crentes vestem os melhores trajes antiquados e vanguardistas da ilha.
Reunem-se no Queen’s Park de Bridgetown, inspirados a renovarem a sua fé numa cerimónia-maratona que se estende das 6 às 11 da manhã, animada pela música da Royal Barbados Police Force Band, por uma tal de Tuk Band e por outros intervenientes que lhe emprestam um impressionante ritmo Gospel.
Bajans ateus ou pouco motivados por reuniões religiosas, dormem até mais tarde. Já trazem a festa feita da noite anterior, em bares com shows ao vivo como o do “Harbour Lights”, que ainda que tivemos tempo de assistir.
Ditaram contingências da viagem que já não estivéssemos em Bridgetown para testemunharmos as celebrações do Natal.
Explorávamos Barbados havia quase dez dias. Com várias Pequenas Antilhas ainda nos nossos planos, a sul e a ocidente, urgia que prosseguíssemos.
Curta Viagem de Barbados para Granada
De acordo, voamos para a vizinha ilha de Granada, famosa pelas suas especiarias de qualidade superior que lhe granjearam o epíteto de Spice Island.
A Spice Island é, todavia, tão ou mais conhecida pela Invasão de Granada levada a cabo, em 1983, pelos Estados Unidos de Ronald Reagan e uma coligação de forças de seis nações caribenhas, como resposta à confrontação entre a facção comunista de Maurice Bishop que se impusera, em 1979, via golpe de estado, e os oponentes, alinhados com os E.U.A. e o mundo democrático.
Entre essas seis nações, contou-se Barbados.
As autoridades da ilha autorizaram, inclusive, que as forças americanas incumbidas de invadir Granada partissem de Barbados, com a justificação oficial de que a operação “Urgent Fury” era necessária para garantir a protecção de mais de seiscentos americanos que estudavam medicina na ilha e evitar que pudessem ser usados como reféns.
A beleza caribenha e o exotismo de Granada retêm-nos por uma série de dias. Damos-lhe literalmente a volta. Visitamos unidades processadoras de especiarias e a reserva florestal de Grand Etang.
Na costa leste, caminhamos pela velha pista do aeroporto de Pearls, abandonado após a invasão americana. Lá nos entretemos a encenar fotos dentro de um dos aviões Antonov que a U.R.S.S. ofereceu a Cuba e que por ali viram o fim da linha.
Nesta azáfama de descobrirmos os quatro cantos à ilha, chegamos a dia 24 de Dezembro. Compramos bilhetes para o destino que se seguia, Trinidad e Tobago.
No entretanto, damos conta que estávamos sobre o Natal. Nas igrejas e catedrais da capital Saint George, preparam-se missas equiparáveis às de Bridgetown.
Algo saturados de calcorrearmos a única cidade de Granada, usamos o pretexto natalício para descomprimirmos do frenesim fotográfico de quase todos os dias.
Véspera e Dia de Natal Balneares, nas Imediações de Saint George
Apontamos à praia de Grande Anse, nos arredores da cidade. Abastecemo-nos de mojitos e piñas coladas. Saboreamo-los dentro do Mar das Caraíbas arrefecido pelo Inverno do hemisfério norte, ainda assim, morno.
Apanhamos banhos de sol, lemos sobre Granada e outras ilhas por que tínhamos passado. Assistimos a uma partida de futebol de praia de miúdos.
Pouco antes de o sol sumir para a outra metade do Mundo, mudamo-nos para a esplanada do restaurante-bar “Umbrella”.
Malgrado o nome, a probabilidade de chover mantém-se quase nula.
Oferecem-nos e aos restantes clientes, barretes de Natal e colares de contas vermelhas.
Refastelamo-nos a enviar mensagens da época a amigos e a ligar à família, algo que se arrasta jantar adentro.
Aos poucos, animado por uma banda também ela a actuar de barretes vermelhos-brancos, o “Umbrella” rende-se ao espírito natalício.
Os clientes cantam os êxitos mais conhecidos.
Alguns, encontram espaço no piso inferior e dançam-nos, na brincadeira com os empregados bem-dispostos do estabelecimento.
O cansaço das longas caminhadas da véspera faz-nos retirar mais cedo do que pensávamos.
Despertamos, dia 25 rejuvenescidos. Percebemos que está praticamente tudo fechado, em Saint George’s e na ilha de Granada.
Com a memória fresca do repouso prazeroso que a baía de Grande Anse nos tinha concedido, é para lá que voltamos. Apostados em celebrarmos a areia, o sol e o mar, a vida simples das Caraíbas, a distância voluntária de casa.
E de um qualquer lar.