Uma derradeira ladeira conduz-nos ao limiar meridional da ilha de Antígua.
A sudoeste, encontra-se a malograda ilha de Montserrat que o vulcão Soufriére transformou no único território à face da terra com uma capital oficial arruinada e abandonada.
A sul, fica Guadalupe, ao contrário de Montserrat e de Antígua, durante a era colonial destas partes e hoje, francesa.
Guadalupe e a rivalidade francesa tiveram forte relevo na função do English Harbour e das Docas de Nelson que subíamos ansiosos por descobrir.
Ao conquistarmos o cimo panorâmico de Shirley Heights, virados para o norte, é sobretudo a orografia intrincada, o relevo dos fundos de Antígua e a intimidade que mantém com o oceano Atlântico tropical, que nos deslumbra a 360º.
A Vista Icónica do Alto das Shirley Heights
Exposta aos ventos Alísios, à humidade soprada de leste e à do Mar das Caraíbas oposto, Antígua passa o ano sem algo que se possa equiparar a uma época seca.
Dali, para baixo e por diante, também se estende o resultado vegetal da sua abundante pluviosidade.
Por sorte e pouco mais que isso, nesse início de manhã do meio de Novembro, passa sobre Antígua o que sobrava de uma depressão, de um mau tempo que havia irrigado outras paragens. Retalhos alvos e brilhantes de nuvens fluem sobre a paisagem. Impõem-lhe um sombreado rolante.
Daquele alto, contemplamos a enseada em forma de meia-lua, encerrada por um promontório menos elevado que o que tínhamos conquistado. Desse plano sobranceiro, percebíamos que atrás se escondia uma outra, apuramos, no mapa, que a de Falmouth Harbour.
Doze ou treze veleiros ancorados salpicavam o mar translúcido mais próximo, o de English Harbour.
Onde este estreitava para uma sua extensão oriental, em vez de apenas veleiros, víamos também grandes iates, maiores que a linha de edifícios seculares que justificavam a sua presença.
As alturas de Shirley Heights honram Sir Thomas Shirley, um dos governadores das Ilhas do Sotavento. Hoje, são conhecidas por revelarem a vista e o ocaso mais emblemáticos de Antígua.
O seu cenário tornou-se de tal maneira notório na esfera colonial britânica que, durante décadas, teve direito ao seu próprio selo nas colecções monárquicas de “fine mints”.
Num contexto contemporâneo substancialmente mais lúdico que o da filatelia, entre as 4 e as 10 pm de Domingo, as Shirley Heights acolhem uma das Come Parties memoráveis do Caribe.
Antígua e a Era Colonial, na Posse dos Britânicos
Em plena era colonial, claro está, a beleza do cenário e as festas pouco preocuparam os comandantes militares e governadores que por ali passaram.
No início do século XVII, os britânicos disputavam, palmo a palmo com os franceses e os Holandeses, cada Antilha e a supremacia no vasto domínio caribenho.
Em 1632, os britânicos apoderaram-se do arquipélago de Antígua e Barbuda. Antígua, em particular, revelou-se uma preciosidade estratégica.
O sul de Antígua por onde andávamos permitia-lhes acompanhar os movimentos dos gauleses a sul, a partir da ilha de Guadalupe. O que então estava em causa era bem mais que a mera posse das ilhas.
Por essa altura, os holandeses, os ingleses e os franceses procuravam expandir, nos seus territórios tropicais, o cultivo da cana-de-açúcar que, ainda no século XV, os portugueses desenvolveram na ilha da Madeira e nas de São Tomé e Príncipe.
De clima quente e húmido, as também denominadas Índias Ocidentais depressa se provaram perfeitas para a produção do apreciado, ainda raro e valioso açúcar.
Ora, conscientes da riqueza “açucarada” que cada ilha repleta de cana-de-açúcar poderia garantir às respectivas Coroas, cada potência fez tudo o que podia para se apoderar e preservar o maior número de ilhas. Por as dotar dos escravos que assegurariam a mão-de-obra e, no fim de contas, o lucro.
À partida, Antígua seria apenas mais uma ilha com esse potencial. A localização privilegiada no mapa das Índias Ocidentais e a sua crescente prosperidade decretou-a um alvo constante que os Britânicos tudo fizeram para defender.
Mas não só.
English Harbour e Antígua: uma Mesma Localização Estratégica nas Pequenas Antilhas
Tendo em conta que então, como agora, de Maio a Novembro, sucessivos furações e tempestades tropicais fustigavam as diversas ilhas, isolados do Atlântico e do Mar das Caraíbas, os dois “harbours” que admirávamos formavam abrigos inestimáveis.
Os anos passaram. Em 1671, deu-se a primeira entrada registada de um navio britânico no English Harbour, requisitado à Coroa para uso do governador das então apelidadas de Ilhas do Sotavento, já percorridas por piratas amiúde patrocinados pelas nações rivais e determinados a pilhar e/ou afundar os navios que alvejavam.
De acordo, as autoridades dotaram Antígua de dezenas de fortes. Em 1704, decidiram-se a erguer um à entrada de English Harbour. Baptizaram-no de Fort Berkeley. Tanto o forte como a enseada também protegida por Natureza, se mantiveram à altura das expectativas.
Decorreram duas décadas. Consciente da segurança que garantia aos navios, a Marinha Real Britânica passou a ancorar no English Harbour em contínuo. Em Setembro de 1723, o porto viu a sua reputação reforçada.
De Abrigo de Furações a Base Naval da Marinha Real Britânica
Um furacão poderoso projectou contra a costa e danificou mais de trinta navios ancorados noutros portos e pontos em redor da ilha. Ao invés, os dois únicos navios de Sua Majestade abrigados em English Harbour resistiram incólumes.
Daí em diante, sempre com recurso a trabalho escravo, a Marinha Real Britânica dedicou-se a a dele fazer uma base naval e estaleiro.
Aos poucos, a importância do porto ajustou-se à do açúcar.
Satisfeitos com a elevação visual das Shirley Heights, regressamos ao nível do mar. A entrada no complexo obriga-nos a contornar o recorte caprichoso no cimo da enseada.
Nelson Dockyards. As Docas que Acolheram o Almirante
Na base do promontório que a delimita, uma tal de Dockyard Drive cruza um istmo verdejante e conduz-nos de volta à beira de um braço de mar com água tão tranquila que faz de espelho.
Instantes depois de deixamos para trás o Eastern Caribbean Amalgamated Bank, damos com os primeiros edifícios do conjunto, erguidos em 1788, recentemente restaurados da ruína até uma imaculada elegância.
De tal maneira fidedigna que, em 2016, a UNESCO lhe concedeu o estatuto de Património da Humanidade.
Os antigos armazéns e loja do piche e alcatrão, bem como os da pólvora foram convertidos numa pousada faustosa de quatro estrelas, a Admiral’s Inn and Gunpowder Suites e o seu restaurante “Boom”.
Tem a concorrência de um outro baptizado de Copper & Lumber Store, de acordo com o lugar em que era guardado o cobre que revestia o fundo dos navios e a madeira, aproveitado pelos marinheiros para esticarem as suas redes de dormir.
Adornam-nos distintas palmeiras, várias das quais imperiais. Com os anos, as palmas cresceram acima de uma linha de pilares de pedra icónicos, originalmente dispostos para susterem a Casa dos Barcos e Sotão das Velas, a que um furacão de 1871 furtou o telhado.
Segue-se o Museu das Docas, instalado na casa victoriana arejada que albergou os oficiais da Marinha Real Britânica e que melhorou as condições em que eram alojados nos seus anteriores aposentos.
Entre 1784 e 1787, um deles foi o Almirante Horatio Nelson.
A Missão de Horatio Nelson na Ilha Desafiante de Antígua
Em redor dos seus 27 anos, Nelson viu-se nomeado capitão do “HMS Boreas”, enviado para Antígua com a missão de desenvolver as instalações locais e de impor o cumprimento das leis britânicas numa conjuntura em que uma anarquia comercial, aproveitada por piratas e corsários, parecia estabelecer-se.
Nelson chegou a ocupar o posto de Comandante Supremo das Ilhas do Sotavento. Nesse período, deparou-se com tal resistência à sua missão que desabafou que a ilha de Antigua pouco mais era que um lugar vil.
Contados dezoito outros anos de experiência naval, Nelson garantiria para os Britânicos um triunfo improvável sobre uma armada franco-espanhola maior na Batalha de Trafalgar.
Decisiva, essa vitória granjeou-lhe um prestígio indisputado. E inúmeras honrarias de que o posterior baptismo das Docas de Antígua com o seu nome pouco se destaca.
Cansados de identificarmos os edifícios e a suas funções, as antigas e as actuais, optamos por cirandar pelas instalações, a absorvemos a atmosfera que por ali se respira.
Marinheiros dos nossos tempos, endinheirados ou até milionários, lavam ou mandam lavar os conveses e outras partes vulneráveis ao sal dos seus veleiros e iates, alinhados em redor das docas.
Um ou outro, trocam peripécias das navegações recentes, de olhos curiosos nos barcos que dão entrada. Esta nova vida das Nelson Dockyards é recente.
O Declínio Colonial, o Abandono e a Merecida Recuperação
Em 1883, o acto de Abolição da Escravatura pôs cobro ao trabalho forçado dos africanos.
Precipitou o declínio do comércio do açúcar e fez os ingleses virarem a sua atenção para outras partes lucrativas do Mundo.
Seis anos volvidos, abandonaram a Base Naval e as docas aos elementos e aos recorrentes furacões.
A recuperação das Docas de Nelson só zarpou em 1950, financiada pela Society of Friends of English Harbour, durou uma década.
Em 1982, entre os seus requintados frequentadores contaram-se Simon Le Bom e restantes membros dos Duran Duran, todos amantes do mar e da vela.
A banda filmou em Shirley Heights e em English Harbour o vídeo do seu êxito “Rio”, em parte, a bordo de um veleiro fundeado em Antígua de nome “Eilean”.
Daí para cá, inúmeros outros momentos de fama de lá irradiaram.
English Harbour é, por exemplo, a sede de duas das competições de vela mais conceituadas do Mundo, a Antigua Sailing Week e Antigua Charter Yacht Meeting.