continuação de A Costa Rica e Alagada de Tortuguero
Cumprimos a entrada no Parque Nacional Tortuguero pela intersecção fluvial caprichosa estabelecida pela Isla de Cuatro Esquinas.
Como aconteceria em qualquer via rodoviária, a determinada altura, uma placa sinalizadora, neste caso, com letras amarelas sobre um fundo negro, subsumida num recanto repleto de vegetação, indica as possíveis direcções da navegação.
Não que Chito e Luís Torres, nativos, peritos naquelas paragens, alguma vez precisassem de indicações.
De acordo, o duo segue Caño Água Fria acima. Água Fria porque, assim nos explica Luís, é feito de água de rio que, ao contrário da de outros leitos próximos, chega directa das montanhas com um tom mais escuro. O canal Água Fria flui repleto de nutrientes.
A Frescura da Fauna e Flora do Caño Água Fria
Alimenta a flora viçosa envolvente, habitat da panóplia de criaturas que continuávamos a avistar, sobretudo aves e répteis. Passamos por íbis negros e por anhingas que os locais chamam de pianos, devido à espécie de teclado que as suas asas negras e brancas aparentam formar.
Encontramos iguanas e lagartos basiliscos, também conhecidos de Jesus Cristos, devido à mestria que exibem em caminhar sobre as águas.
Cruzamo-nos com tucanos, garças azuis e brancas e com famílias de jaçanãs.
Não chegasse a longa lista de nomes que ostenta no Brasil e restante América do Sul, na Costa Rica, as fêmeas desta espécie são tratadas por malas madres.
Entusiasmado pelas peculiaridades de Tortuguero, Luís Torres, esclarece-nos: “é que a progenitora põe os ovos e, assim e sempre que pode, vai passear e deixa as crias ao cuidado do macho. Reparem que até estão dois machos de volta das crias mas o pai é o que as crias não hesitam em seguir.”
Palmeiras excêntricas brotam de verdadeiras paredes de trepadeiras sufocantes, na base das árvores a sério desta floresta tropical feita Pantanal.
Sobre os ramos mais elevados, pica-paus aperfeiçoam perfurações tresloucadas.
Macacos-uivadores disseminam os seus uivos dramáticos pela selva e, desconfiados, acompanham a passagem dos forasteiros embarcados.
Aqui e ali, o Tortuguero estreita. Obriga Luís a subir à proa e a verificar se a sua profundidade e suavidade de corrente nos permite continuarmos a subir.
Numa dessas verificações, o guia e o capitão decidem que deveríamos dar meia-volta.
Isla de Cuatro Esquinas, o Entroncamento Fulcral dos Caños do PN Tortuguero
Quando nos reaproximamos da Isla de Cuatro Esquinas, cruzamo-nos com um visitante solitário que pagaia sobre um caiaque, contra o fluxo do caudal, ainda assim, à vontade para nos saudar sem retroceder uma dezena de metros.
Outra placa sinalizadora da Isla de Cuatro Esquinas indica-nos a direcção de três caños vizinhos, o de Harold, o Chiquero, o Mora.
Na manhã seguinte, percorreríamos também o de Palma.
Encontramo-lo como um espelho perfeito, de tão escura e imóvel se mantinha a sua água, ladeada por uma selva ainda mais apertada e, a espaços, percorrido pelos barcos públicos que asseguram a ligação entre La Pavona e as principais povoações de Tortuguero.
No tempo que decorrera, na brincadeira, chateámos Luís com o não podermos voltar ao lodge sem fotografarmos as espécies estrela que nos faltavam: um jaguar, uma boa, crocodilos.
Luís, responde com a paciência de muitos anos como guia e humor que nos faz rir a todos. “De certeza que não querem compor melhor essa lista? Bom, vamos procurar uns caimões que, esses sim, temos a obrigação de vos mostrar.”
Percorridas apenas umas centenas de metros sinuosas num dos caños sinalizados, chegamos a uma ramificação sem saída.
Ali, numa densa floresta anfíbia, Luís Torres indica-nos um berçário de caimões, com doze ou treze caimõezinhos emersos, a aquecerem apoiados na folhagem.
De regresso ao canal principal, Chito detecta uma tartaruga de rio, camuflada contra vegetação de tons condizentes. Não pertencia à espécie marinha que desova em números impressionantes nos areais negros das Caraíbas.
Essas, a seu tempo, haveríamos de as admirar.
Regresso Estratégico ao Laguna Lodge
E, por falar em tempo, estávamos há quatro horas embarcados, à descoberta do Parque Nacional Tortuguero. De acordo, Luís Torres decretou um já premente regresso ao lodge para almoço e merecido descanso.
Em vez do repouso, resolvemos deambular pelas terras ajardinadas e florestadas do Laguna Lodge. O casal de iguanas nosso vizinho, dormitava no cimo da sua árvore.
Na frente marinha, nem sinal de animais sobre o areal. Acabamos por perseguir, num modo o mais furtivo possível, um bando de araras que debatiam, estridentes, um qualquer tema do dia.
Até que chegam às 2h30 da tarde. A hora do reencontro com Luís e Chito.
E de nova incursão nos canais de Tortuguero.
Uma vez mais, apontamos à Isla de Cuatro Esquinas. Contornamo-la rumo a norte, pela Laguna Penitência acima, bem mais aberta que o canal paralelo em que se situa o Laguna Lodge.
De Passagem por São Francisco
Já com o meandro em gancho oposto ao da Isla Quatro Esquinas à vista, a navegação de Chito desvenda-nos o casario lacustre de San Francisco de Tortuguero, ao som de uma qualquer cúmbia cada vez menos difusa.
Findo o dilúvio, a lagoa quase se apoderara da povoação mas a sua marginal resplandecia de vida.
Sem complexos, uma garça secava as penas ao sol, sobre um telheiro de chapa. Logo ao lado, festivo, um morador banhava-se, nas águas lamacentas em frente a um restaurante bar avarandado.
Luís e Chito não tocam no assunto mas, do que tínhamos apreendido sobre Tortuguero, algo ali não fazia sentido. “Então como é, Luís? Os canais não estão cheios de crocodilos?” perguntamos-lhe.
“Pois, estar, estão mas o que é que querem? Algumas pessoas de cá, às vezes, não têm noção. Dá-me a ideia de que o homem já bebeu mais do que devia.”
Em frente à entrada da Casita del Bosque, a forma do cerro frondoso de Tortuguero impõe-se como nunca.
À Conquista do Cerro Tortuguero…
Ancoramos junto à sua base, na extensão norte do Parque Nacional Tortuguero.
Embrenhamo-nos na floresta densa, elevada e alagada em redor do outeiro, por um caminho que serpenteava entre incontáveis raízes, habitada por mosquitos sedentos de sangue.
E por rãs venenosas oophaga pumilio, de secção superior vermelha e pernas azuis, a razão porque ostentam o nome anglófono de blue-jeans frog.
O sendero contorna o monte. O miradouro escondido entre árvores no seu cimo revela-nos uma incrível versão panorâmica de Tortuguero, com as linhas do rio homónimo a ondularem desde a base longínqua da Cordilheira Vulcânica Central e replicadas em diversos canais.
Vemo-nos prendados pela brisa oceânica e pelo bónus de dali podermos admirar a foz do rio Tortuguero, o areal negro fechado por uma pequena floresta de coqueiros e o Mar das Caraíbas.
… e a Boca do Rio Homónimo
Um par de abutres zopilotes esvoaçavam em redor do monte. Com o sol quase a assentar-se a oeste da Cordilheira Vulcânica Central, descemos para a base do monte contrária àquela de que tínhamos ascendido, sobre a Boca do rio, que é como dizer, a sua foz.
Já do lado de lá, apreciamos a azáfama de fim de dia de alguns pescadores intrigados pela atenção que lhes dedicávamos. Quando o escuro se apodera do arrebol, zarpamos de volta ao abrigo do Laguna Lodge.
Era suposto termos uma noite de algum trabalho em computador e, o mais cedo que conseguíssemos, de descanso sagrado.
Uma vez mais, Tortuguero trocou-nos as voltas.
O Berçário virado ao Mar das Caraíbas
Não eram ainda sete horas quando um segurança do lodge nos bate à porta. “O Carlos pediu-me para vos avisar que encontraram tartarugas. Eu levo-vos lá.”
Seguimos-lhe os passos. A luz da sua lanterna ilumina o breu e, às tantas, diversos buracos no areal repletos de pequenos ovos brancos já quebrados pelas tartarugas recém-nascidas.
Observamo-las, desorientadas, devido ao brilho das lanternas, que procuravam em vez do da lua reflectida.
Apesar de alguns desnortes e voltas desnecessárias, a maioria das tartaruguinhas lá chegou à rebentação, venceu o vaivém das vagas e entrou em água mais alta que lhes permitiu nadar.
Uma atrás de outra, vimos dezenas sumirem-se na vastidão marinha do Caribe.
O ciclo de vida da espécie ficou assim renovado. Com ele, o sentido do deslumbrante Tortuguero.