Quase trezentos quilómetros e sete horas depois de deixarmos Nairobi, chegamos, por fim, ao portal de Sekenani, uma de várias entradas do Masai Mara.
John Mulei deixa o jipe. Leva os papéis para verificação dos rangers.
Nós, saímos para desentorpecer as pernas. Vêmo-nos vítimas de um primeiro ataque. Um bando de mulheres masai cerca-nos. Tenta impingir-nos jóias e artefactos.
“Olhe aqui, olhe aqui! Muito bonitas, para a sua senhora!” atiram com óbvia mestria em marketing tribal.
Assim que podem, puxam pelo truque do romance e do cavalheirismo. “E que tal isto?” Indagam como solução de recurso, a exibirem-nos rungus, os bastões de madeira maciços que os guerreiros das suas tribos usam.
Não tínhamos sequer aterrado da viagem. Stressarmo-nos com compras era a última coisa que desejávamos. Confrontadas com esta óbvia relutância, as vendedoras reparam nas nossas máquinas fotográficas. Sugerem-nos as suas imagens. “Tirem-nos fotos. São só cinco dólares!”.
Por esta altura, já sabíamos de cor e salteado que registar qualquer imagem não furtiva dos Masai sem pagar era impossível.
E foi-nos bem mais difícil resistir ao exotismo das suas figuras esguias, das cabeças rapadas, dos trajes garridos e da panóplia de jóias que as enfeitam.
Tínhamos acabado de entrar no seu domínio. Outras oportunidades apareceriam.
John volta ao jipe. As mulheres enfiam as mãos pelas janelas. Batem nos vidros.
Mais que habituado àquela pressão, o guia manda-lhes uma boca qualquer no dialecto masai que – à parte do seu nativo kamba, do swahili, do inglês e de outras línguas daquelas partes de África – também aprendeu a usar.
Um Lodge perdido no Masai Mara
Partimos na direcção do lodge.
Almoçamos atrasados e à pressa. Só após nos instalamos na tenda requintada e acolhedora mas algo distante que nos calhara.
“Mais um pouco, ficávamos na Tanzânia” atiramos na brincadeira a dois empregados que nos vêem chegar ao aposento. “Se lá chegassem vivos!” responde um deles, bem disposto, a apontar para a cerca electrificada que impedia os animais de frequentarem o hotel.
De novo de saída, cruzamo-nos com um casal de dik-diks, amostras fugidias de antílopes que mal conseguíamos perceber na penumbra da vegetação densa.
Seriam os primeiros de vários espécimes da família de antílopes que avistaríamos nos dias seguintes.
Nuvens escuras como breu cobrem o céu. Levanta-se um vento que augura tempestade.
A Chuva de Monção que Move a Grande Migração dos Gnus e das Zebras
Num ápice, cai a única chuva que, em mais de três semanas do término da época seca sentimos irrigar o Quénia e a Tanzânia.
Apesar de ainda distantes, nas terras mais baixas e meridionais do contíguo Serengeti, os gnus já tinham iniciado a sua migração anual para o Masai Mara.
Sem que o esperássemos, apenas uns dias depois, cruzámo-nos com as suas manadas hiperbólicas, poeirentas e atarantadas.
Conscientes de que a meteorologia mudava, os leões ansiavam pela captura dos bois-cavalos, mais fácil e garantida que a das outras espécies que predam. Que as letais zebras, por exemplo.
Por sua vez, os visitantes do Masai Mara ansiavam por localizar grupos de leões.
John tenta-o à sua maneira. Mete-se a descer uma vertente por rodados que a vegetação alta tornara quase imperceptíveis. Detemo-nos sem aviso.
O guia perscruta o prado em redor. “Ora, parece-me que os achámos”, diz-nos com calma inusitada. Olhem aqui mesmo ao nosso lado.” De facto, um casal dormitava subsumido na erva alta.
O leão macho levanta-se. Muda-se para o cimo de um montículo de termiteira.
Dali, contempla manadas de búfalos, de girafas e de elefantes nas imediações, presas que, só por si, a dupla não tinha o poder de derrotar.
A luz não tarda a desvanecer-se. Os visitantes recolhem aos lodges. Os predadores entregam-se às suas caçadas nocturnas.
Visita à Aldeia Masai de Mkama
Despertamos ao nascer do sol, devoramos o pequeno-almoço e partimos em direcção a Mkama, uma das várias aldeias Masai em redor da reserva de Masai Mara.
Recebe-nos Francis Ole Timan – o seu jovem chefe – com um discurso eloquente em inglês.
A essa hora da manhã, anciãos agrupavam as vacas da aldeia – a sua riqueza obsessiva – para as conduzirem aos pastos. Acompanhamo-los por algumas centenas de metros, entre os animais.
De regresso ao núcleo vedado da aldeia, Francis convida-nos para um chá no interior escuro e espartano de uma palhota, feita de tojo e de fezes secas de vaca.
Sentamo-nos na sua companhia, de uma das suas oito esposas e de dois bebés.
Francis ignora o choro de uma das crianças. Explica-nos o mais que pode do dia-a-dia naquelas cabanas construídas apenas pelas mulheres da aldeia.
Terminado o chá masala, retornamos ao exterior.
Adumu: a Deslumbrante Dança aos Saltos Masai
O chefe e os outros jovens agrupam-se. Prendam-nos com uma dança masai de boas-vindas.
Lado a lado, William, Moses, Ole Reya, Oloshurua, Moseka, Mancha, Luka e Francis inauguram um fascinante cântico gutural.
Embalados pela canção que se segue, sozinhos ou em pares, destacam-se à vez do alinhamento. Levam a cabo uma longa sequência de impressionantes saltos.
Terminada a exibição, perguntamos-lhes qual deles saltava mais alto. “Ah, isso é sempre o Mancha”, confessam-nos quase em coro.
Analisamos o rapaz com mais atenção e reparamos no seu calçado singular. “Uhmm, vocês usam todos sandálias masai (com solas de pneu), o Mancha é o único a usar crocs. Isso não vos deixa desconfiados?“ provocamo-los.
Francis e William, que dominavam melhor o inglês, percebem a intriga e transmitem-na aos amigos. O repto gera uma gargalhada comunal de que todos desfrutamos.
Ainda damos a volta ao pequeno mercado artesanal da aldeia, incontornável fonte adicional de receita dos sempre mercantilistas masai.
Logo após, despedimo-nos e retomamos a exploração do Mara em redor.
De Volta à Vastidão Selvagem de Masai Mara
Pelo caminho, caravanas de girafas dirigem-se a um pequeno charco. Entregam-se a uma excêntrica ginástica para sorverem água.
Impalas, gazelas e enormes elandes surgem disseminados na vastidão verdejante. também vasculhada por galinholas e avestruzes vorazes.
No imediato e à distância, zebras e um ou outro gnu tresmalhado salpicam a vasta savana até à linha do horizonte que, com o fim da tarde, se volta a avermelhar.
E gera silhuetas graciosas das acácias espaçadas e de alguns animais mais volumosos, caso dos topis.
Detemo-nos a admirar uma chita que dormita, indiferente à nossa presença.
Alguns quilómetros para diante, pastores masai conduzem uma enorme manada de vacas.
Caminham embrulhados nos seus panos vermelhos e a empunharem lanças.
Mantêm-se atentos à ameaça dos predadores. Apesar de os masai conseguirem roubar presas recém-capturadas a bandos de leões, alguns masai, com tranquilas incursões pedestres.
Ainda antes da alvorada seguinte, inauguramos a viagem para o Serengeti.
Atravessamos grande parte do Mara e deslumbrámo-nos com a beleza dos cenários africanos por que passamos, atentos à fauna profusa.
Observamos bandos enormes de fuinhas moverem-se como tormentas rasteiras, hienas a emboscarem antílopes-d’água e abetardas-gigantes – as aves voadoras mais pesadas de África – em estranhas poses vectoriais.
Pouco depois, ascendemos à colina de Loldopai.
Contemplamos a paisagem repleta das manchas formadas pela vegetação e pela sombra das nuvens, designada pelo termo masai “mara” que inspirou o nome da região.
Quando chegamos ao rio homónimo, um bando de leões patrulha o miradouro em que a estrada desemboca, pelo que não podemos sair para apreciar as vistas.
Dezenas de hipopótamos irascíveis disputam o meandro do rio em frente.
E, antes de cruzarmos a ponte sobre o Mara ainda nos deparamos com um bando de babuínos rufias.
Depois os afugentarmos, registamos a saída da reserva e migramos para o Serengeti.
Na mesma rota do vaivém interminável dos gnus e das zebras destas partes de África.