Com o avançar da manhã, mais e mais visitantes afluem à plataforma do Echo Point de Katoomba.
Chegam ávidos de contemplarem o panorama por diante.
Absorto deste frenesim, destacado na mancha de betão da estrutura, um aborígene faz ressoar uma melodia hipnótica de digeridoo.
À imagem de boa parte dos nativos australianos, o músico vive proscrito na realidade pós-colonial da Grande Ilha.
Desgrenhado, grisalho, volumoso e sujo, toca de olhar avermelhado e ausente, indiferente aos esgares sucessivos dos forasteiros que hesitam em considerá-lo gente, raros os que o prendam com uma contribuição.
Ainda assim, o seu sopro faz ecoar os tons túbicos do instrumento para lá do Harry’s Amphiteatre, pelo vale de Jamison imenso que dele se estende.
Esotérica, a música ressalva a pertença original daqueles domínios, a titularidade histórica e conceptual do cenário deslumbrante.
As Three Sisters, da Geologia ao Dreamtime
Para a esquerda e para leste do miradouro, encantava os forasteiros a visão peculiar e icónica de três picos de rocha amarelada entre um mar arbustivo de verde e o céu coberto de nuvens carregadas.
Em inglês, a formação tem o nome de Three Sisters. Os colonos britânicos adaptaram-no de uma das muitas lendas do Dreamtime aborígene, partilhada pelas tribos que habitam a região, a Dharug e a Gundungurra.
A lenda aborígene narra que três irmãs tinham perturbado um buniyp, um demónio comedor de homens.
Nessa aflição, foram salvas pelo pai que recorreu a um osso mágico. Transformou-as em pedra e, para poder escapar do demónio, converteu-se a si próprio num pássaro-lira. Só que, ao fazê-lo, perdeu o osso mágico.
Ficou condenado a buscar o mato denso e imenso. Só quando o voltasse a achar poderia reverter ambos os feitiços. Ainda não aconteceu.
A versão original, provou-se demasiado macabra e assustadora para as mentes conservadoras e preconceituosas australianas da primeira metade do século XX.
Como tal, a lenda das Três Irmãs que ficou famosa foi a criada por uma estudante caucasiana de 16 anos com um nome condizente, Patricia Stone. A autora deu-se ao luxo de enriquecer a criação com os nomes das irmãs. Na sua versão, Meehni, Wimlah e Gunnedoo viviam no vale de Jamison, parte da sub-tribo Katoomba.
As três apaixonaram-se por três irmãos de outra tribo, a Nepean, só que as leis tribais impediam-nos de casarem. Os três irmãos rejeitaram as leis.
Tentaram ficar com as três irmãs à força e, por isso, deram origem a uma grande batalha. Com as vidas das três irmãs em perigo, para as proteger, Yooma, um feiticeiro katoomba, decidiu transformá-las em pedra, com o plano de, mais tarde, reverter o feitiço.
A batalha intensificou-se e o próprio feiticeiro pereceu. Como só ele tinha o poder de as trazer de volta à vida, as irmãs ficaram para todo o sempre em pedra, numa espécie de memorial da batalha que nunca devia ter sido travada.
Assim continua a ser contado o sonho. Mesmo que em completo desrespeito pela verdade e integridade cultural aborígene.
Three Sisters: um Monumento Natural moldado pela Erosão
Aborígene ou colonial, ambas as versões lendárias contrastam com a rigidez geológica e triássica na génese do trio rochoso, moldado por erosão da pedra calcária, causada sobretudo pela actividade vulcânica e sísmica.
Pelas chuvas e fluxos dos rios que aprofundaram o vale de Jamison e que elevaram as mais abrangentes e envolventes Blue Mountains.
Passamos o tocador de digeridoo, aproximamo-nos da beira do miradouro.
Dali, rendemo-nos ao deslumbre partilhado pelos demais.
Admiramos as Três Irmãs, as falésias ocres que há muito delimitam o vale e umas poucas quedas d’água que delas fluem para os pontos mais baixos da floresta a perder de vista.
Admiramos e fotografamos até apenas isso deixar de fazer sentido. Em seguida, descemos a escadaria que conduz ao início dos trilhos.
Inauguramos uma longa caminhada exploratória, de em redor de 12km e durante umas boas horas, com muitas centenas de degraus envolvidos, uns oitocentos, apenas na Giant Stairwell, do lado das Três Irmãs.
Não tantos, no regresso, do lado oposto do vale. Pelo meio, uma hora e meia do trilho Federal Pass.
Este caminho, em particular, leva-nos à base das quedas de Katoomba, um mergulho impressionante do rio Kedumba, em ambos os casos, abaixo da cidade de Katoomba, considerada a porta de entrada para as Blue Mountains.
Mais de um milhão de hectares, decretado, no ano 2000, um dos vinte Patrimónios da Humanidade da Austrália.
De Domínio dos Aborígenes ao Influxo de Turistas
Em 1877, a povoação foi rebaptizada com o termo aborígene que define “água brilhante em queda”. Por essa altura, já Katoomba tinha uma aturada história.
A mineração de carvão e algum petróleo contribuíram para justificar os seus baptismos anteriores de William’s Chimney e The Crushers, de acordo com uma estação ferroviária que servia uma pedreira próxima.
Com o início do século XX, os veios lucrativos extinguiram-se. A beleza da região e a relativa proximidade de Sydney levaram a melhor. Katoomba acolheu uma série de pousadas que a transformaram numa vila resort.
À data, já eram mais que os panoramas verdejantes o que constava no imaginário das Blue Mountains, das Three Sisters e de Katoomba.
Um dos Raros Lugares Nevados da Grande Ilha
Situada a 1040m acima do nível do mar, Katoomba e a região são dos poucos lugares da Austrália que recebem neve. Mesmo se apenas quatro ou cinco dias por ano, é o suficiente para multidões de Sydney e outras paragens lá acorrerem sempre que o fenómeno é noticiado.
Em determinados anos, os nevões mereceram respeito e cuidados redobrados. Em Julho de 1900, algumas partes das Blue Mountains foram cobertas por quase dois metros de neve. Também em Julho, mas, em 1965, a nevada causou danos em edifícios e na linha de caminho de ferro da região.
Voltou a nevar de forma durável, em 2015, se bem que substancialmente menos que nestas ocasiões que ficaram para a história. Retomamo-la onde a tínhamos deixado.
Malgrado o branquear mágico dos cenários, em 1960, a apetência turística, sobretudo de Katoomba começou a declinar. As suas pousadas foram adaptadas a diversos outros propósitos.
Passaram outras duas décadas.
Do quase Abandono ao Frenesim Turístico
O turismo interno aussie reconquistou impulso e estimulou a vinda de estrangeiros. Katoomba voltou a brilhar e a justificar a recuperação de um bom número de pousadas e outros negócios.
Ficamos alojados num dos mais humildes, o Katoomba Mountain Lodge, a funcionar num edifício histórico da cidade, edificado como escola primária, mais tarde transformado num lar e, em 1970, na guest house para mochileiros que encontramos.
Ditou a vocação australiana para acolher imigrantes que o dono de então fosse nepalês.
Com vários quartos por ocupar, oferece-nos um triplo, espaçoso, mais condizente com os cenários das Blue Mountains que continuámos a explorar.
Outra das visões que – à imagem de qualquer visitante – tivemos ao chegar ao miradouro do Echo Point, foi como as mais recentes convulsões turísticas dotaram o vale de Jamison de elementos artificiais.
Three Sisters, Austrália: o Scenic World e as Atracções Dessacralizadoras
Apesar da sacralidade aborígene do lugar, uma família australiana abastada conseguiu que as autoridades validassem um conjunto de atracções que registaram como Scenic World.
A mais intrusiva prova-se a renovação do teleférico australiano pioneiro de 1958.
O actual SkyWay parte de Katoomba. Cruza 710 metros até ao topo de penhascos opostos à cidade.
Durante a parte inicial do trajecto, fá-lo no enfiamento das Three Sisters.
Quem admira o tríptico rochoso, não tem como evitar os sucessivos eventos das cabines suíças, alinhadas com o cimo das escarpas ocres da King Tableland que encerram o vale a oriente.
Durante as desgastantes caminhadas, damos ainda de caras com carruagens do Mountain Devil.
Proporciona uma viagem curta, mas vertiginosa, falésias abaixo, que termina com uma travagem brusca, geradora de uma gritaria comunal.
Se motivados, os aborígenes Gundungurra e Dharug criariam outras estórias de sonho surreais, inspiradas no que o Destino e a História reservaram às suas terras ancestrais das Blue Mountains.
Agoura o passado que, se o fizessem, voltariam a ser deturpadas por um qualquer aluno adolescente.
Por um qualquer capricho da sobreposição cultural do Ocidente.
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