Existem outras formas de percorrer os mais de 700km que separam Vilankulos da capital Maputo.
A aérea, claro está. Estávamos, no entanto, no início de uma nova epopeia africana que contávamos que durasse uns meses. Aconselhava o bom-senso que evitássemos gastos desproporcionais. Sabíamos, além disso, que, até Vilankulos, a N1 que serve de artéria vial de Moçambique se mantinha em condições.
Que nos proporcionaria uma contemplação de paisagem e da vida de beira da estrada com muito de valioso. Foram quase 10h, apenas as duas primeiras sob o escuro prévio à aurora. Chegamos a Pembarra sobre o meio-dia. Vilankulos ainda distava quase 20km, na direcção do litoral.
Cumprimo-los a bordo de um dos chapas que asseguram vaivéns nesta rota esburacada. Logo, passamos para a via principal da cidade, na companhia de dezenas de txopelas coloridos e competitivos.
O nome é moçambicano. Redefine o riquexó motorizado, um veículo bem mais popular na Índia, onde circulam para cima de 8 milhões, muitíssimos mais que os que se disseminam em Moçambique.
Um transfer providencial leva-nos do terminal de chapas ao Bahia Mar, o hotel que nos ia acolher, situado a norte da povoação, no topo de uma encosta, com vista panorâmica sobre o mar abaixo.
Descansamos um pouco, quase nada. Desafogado no seu mote marinho-celestial, aquele panorama continuava a deslumbrar-nos.
Motivava-nos a sairmos à descoberta.
É o que fazemos.
Vilankulos, o Índico e o Sempre Mutante Canal de Moçambique
Com a maré prestes a atingir o pleno, caminhamos pelo areal no sopé florestado da vertente. Na direcção de uma península com forma de vírgula, que gera uma baía que retém enorme quantidade de areia coralífera.
É essa uma das razões de ser dos tons de azul e de verde que o limiar oeste do Índico ali assume, exacerbados pela pouca profundidade da água e pelo sol tropical a pique.
Por volta das três e meia da tarde, o grande astro passa para ocidente da costa moçambicana. Aos poucos, o Canal de Moçambique perde o seu tom turquesa-esmeralda.
Lega boa parte da exuberância cromática à frota de barcos de pesca que, por fim, recomeçam a balouçar.
Embalam as garças brancas neles pousados, de olho noutras, activas no limiar da rebentação.
Quando atingimos a ponta da península, já um azul mais escuro preenche a enseada sem apelo. Em redor de um ponto fulcral de descarga e comércio da pescaria, os barcos multiplicam-se.
Vilankulos, num Litoral de Monções e de Furacões
Vemo-los, ancorados, uns, quase em cima de outros. Uns poucos, semi-afundados e danificados.
Eram apenas um dos danos ainda visíveis da mais recente época de tempestades e furações que, todos os anos, entre Dezembro e Maio, assola o litoral moçambicano, como Madagáscar, a leste do canal. O tufão mais famoso da última década, provou-se o “Idai” que deixou a cidade da Beira – a segunda maior de Moçambique – numa tragédia anfíbia.
Vilankulos recuperava dos caprichos da “Eleanora” uma tempestade tropical que não chegou a evoluir para tufão. Nessa época, em Março, ainda impactaria a região a tempestade “Filipo”.
Eram percalços que a comunidade de Vilankulos se havia acostumado a enfrentar. Brigadas compostas por dezenas de trabalhadores empenhavam-se na remoção de troncos, ramos e outros elementos artificiais que a tormenta tinha empurrado para terra.
Partilhavam a missão de devolver ao areal a alvura que melhor combinava com os azuis e verde marinhos, aquela que os resorts acima, por norma, promoviam.
O Arquipélago de Bazaruto Deslumbrante ao Largo
Vilankulos é, afinal, um portal costeiro para um domínio insular imaculado e deslumbrante, o do arquipélago de Bazaruto.
Quase sem excepção, os visitantes da cidade chegam e instalam-se com o sonho de zarparem para as ilhas-maravilha ao largo:
Bazaruto, a epónima e maior. Benguerra, a vizinha logo a sul. E Magaruque, a menor.
Cada qual, um reduto arenoso e dunal magnífico, comparável ao de Machangulo, envolto de um Índico ainda mais sedutor que o que banha Vilankulos.
Sem desprimor para a cidade e para a região, que desde há muito se desenvolvem em função do arquipélago e da beleza do Canal de Moçambique.
A Origem Histórica e a Etimologia Confusa de Vilankulos
Na sua origem, segundo testemunhos abundantes (se bem que demasiado clonados) a povoação pouco passava de um território de um chefe tribal, diz-se que de sua graça Gamela Vilankulo Mukoke.
Ora, de sucessivos contactos dos portugueses com esta zona da actual província de Inhambane e com o tal régulo, os colonos atribuíram o nome do chege à região. Dessa transposição e das diversas possibilidades de o escrever, surgiram as várias grafias actuais: Vilankulo, Vilankulos, Vilanculo e Vilanculos, sendo que a oficial se mantém Vilankulo.
O primeiro registo da povoação data de 1913. Em 1964, foi elevada a vila e sede de concelho. Decorridos cinquenta e seis anos dessa promoção, apenas em 2020, Vilankulos ascendeu a cidade.
É, de novo, nas suas vias, com o ocaso a fechar o dia, que encerramos a esgotante caminhada.
A Vida cada vez mais Agitada da Jovem Cidade de Vilankulos
Ao longo da denominada Rua Principal, das suas merceariazinhas e sucessivos outros negócios: alfaiates que costuram em máquinas Singer, de fita métrica ao pescoço,
vendedores de fruta com bancas montadas sobre o solo, revendedores de crédito de telecomunicações.
E, claro está, outros incontáveis condutores de txopela que nos interpelam e chegam a perseguir, como os mzungos (brancos) por certo endinheirados e interessados que todos apostavam sermos.
Acertam na segunda das premissas. Já levávamos mais de 5km nas pernas, percorridos com as mochilas pesadas às costas e, em boa parte, sobre um areal que afundava.
Por ali mesmo, o calor de estufa próprio da época das chuvas e alguma, demasiada, desidratação levam a melhor.
Compramos água e alguma fruta. Logo, acedemos ao acenar de um dos vários condutores de txopelas próximos, dispostos a regatear com a referência dos preços de Maputo.
“Isto aqui é Vilankulos!” alega o jovem motorista, só em parte satisfeito. “Certo, mas já viste quantos txopelas estão de olho em nós, só aqui em volta?” O rapaz confirma e anui.
Acordamos num meio termo, algo puxado para as nossas pretensões.
Vinte minutos depois, já em pleno na noite, abrigamo-nos no conforto do Bahia Mar, apostados em recuperarmos as energias que o dia tinha drenado em excesso.
Maré Vazia e o Canal de Moçambique a Descoberto
Dormimos até mais tarde do que contávamos. Quando chegamos à varanda panorâmica do hotel, o cenário por diante destoava do da tarde anterior.
A maré estava tão baixa quanto possível.
Revelava um leito ensopado que se estendia por centenas de metros.
Um batalhão de vultos cirandava sobre esse leito a descoberto, aqui e ali, organizado em formações intrigantes.
Era toda uma nova realidade que nos voltava a inquietar.
Sem intenção de resistirmos, aceleramos o pequeno-almoço.
Recolocamos as mochilas e descemos a escadaria que ligava as alturas do hotel à praia.
Já com os pés no areal, inauguramos o que se tornaria uma longa deambulação fotográfica.
Uma Faina Comunal sem os Resultados Ansiados
Cruzamo-nos com uns poucos nativos que caminhavam entre barcos de madeira, a seco, com as velas recolhidas.
E com outros que, sobre pequenas lagoas de maré, apanhavam crustáceos e moluscos.
A verdadeira acção comunal, por assim dizer, desenrolava-se um pouco mais para dentro da baixa-mar.
No limiar do Índico, com a água salgada pelos joelhos ou até mais alta, pescadores, familiares, homens e mulheres, algumas com filhos às costas, tentavam estender uma rede imensa sobre um mar superficial que a corrente continuava a movimentar.
Uns poucos homens, agrupados sobre um barco puxavam-na para dentro do canal e gritavam instruções à brigada que a desenrolava em terra.
Ambicioso, o projecto já devia durar desde o início da manhã. Indiciavam-no alguns trajes compridos, alguns caricatos, no seu ensopado disfuncional. Não parecia correr de feição.
As gentes puxavam e enrolavam a rede para dentro do barco. No tempo em que os vimos executar a tarefa, prendados com pouco ou nada.
Até que, por fim, os donos da embarcação se rendem às evidências e boa parte dos auxiliares debanda para pescarias paralelas, ainda mais remediadas e infrutíferas.
Ali por perto, dentro de um outro barco, um grupo distinto exibe-nos o resultado satisfatório da sua faina:
três ou quatro grandes alguidares repletos de bivalves e caranguejos.
A maré que não tarda a subir, força a multidão trespassante de volta para o areal.
Numa meia-hora, o sol atinge o seu zénite e devolve ao canal o esplendor visual que fez de Vilankulos o que a cidade é.
Salvo imprevistos climáticos, com o passar dos anos, será também essa a riqueza que alimentará os descendentes desta geração dependente das redes de pesca.
Como Ir
Voe para Vilankulos via Maputo, com a TAP Air Portugal: flytap.com/ e a FlyAirlink.
Reserve o seu programa de viagens em Moçambique com o operador Quadrante Viagens: quadranteviagens.pt/.
Onde Ficar
Bahia Mar Boutique Hotel: https://www.bahiamarclub.com/
Email: [email protected]
Tel: +258 293 823 91 ; +258 842 754 389