Bula, a expressão nacional fijiana significa simultaneamente “olá” e “bem-vindo” e é normalmente proferida com um sorriso nos lábios.
Em Fiji, todo o contacto começa por ela e passa a amizade pela kava, uma espécie de soro obtido das raízes da planta homónima. Não demorámos muito a experimentá-la.
Chegados à foz do Navua, juntamo-nos a um grupo prestes a subir o rio até às enigmáticas Namosi Highlands. A primeira parte da expedição contempla uma visita a um matagali (aldeia típica), e, como manda a tradição, inclui uma cerimónia de recepção com partilha desta bebida.
Do lado da aldeia, é o chefe Tui quem conduz o protocolo. Em representação dos estrangeiros, está um líder de conveniência escolhido pelo guia local, com a concordância do resto da comitiva. Os dois ficam sentados frente a frente, ladeados pelos outros elementos da sua representação.
A Fastidiosa Cerimónia Fijiana da Kava
Dá-se, então, uma troca interminável de palavras entre Tui e o guia William – seu filho e herdeiro do cargo – de que se destacam, pela repetição, inúmeros naka, diminutivos do obrigado fijiano, que, na íntegra, se pronúncia vinaka.
Terminado o diálogo, o chefe Tui espreme as raízes de kava para uma tanoa – um grande recipiente esculpido em madeira. A bebida, alcoólica e amarga, é finalmente servida aos participantes e gera reacções distintas que vão da repulsa à indiferença.
Habituados ao desconforto dos forasteiros, os anfitriões dão início a exibições de danças tradicionais meke, primeiro masculinas e guerreiras, depois, graciosas, femininas.
Após o almoço, o carismático William retoma a palavra e, descreve o passado longínquo da sua aldeia e a arrepiante vida tribal das Namosi Highlands.
É sem razões contemporâneas para receio que regressamos ao Navua, com o plano de vencer o caudal para chegar às terras altas da cordilheira. Banal nas imediações do oceano, o rio depressa muda de aparência.
E, quando menos se espera, surge ladeado por “florestas” impenetráveis de glória da manhã, bambu e de vegetação rival que criam cenários sombrios. O nevoeiro adensa-se a partir das margens e retoca o ambiente para as novas narrativas arrepiantes de William.
O Longo Passado de Canibalismo das Ilhas de Fiji
Este, aproveita a envolvência enigmática e relembra que o canibalismo fez parte de Viti Levu e de grande parte da melanésia durante mais de 2500 anos e que a mais sofisticada forma de vingança para uma tribo de Fiji – o supra-sumo do insulto às rivais – era, até há menos de um século, naquelas mesmas margens, comer os inimigos.
Poupa a comitiva aos pormenores realmente macabros.
A garganta que acolhe o rio aperta à medida que avançamos para o interior e passamos por longas quedas de água que se precipitam das falésias. Ao mesmo tempo, a floresta adensa-se e agrava o ambiente semi-assustador que pareceu ideal ao realizador de “Anaconda 2: The Black Orchid”, para ali rodar mais um filme de fugir da famosa saga réptil.
Sobrevivemos à expedição. Assim que regressamos a Navua, metemo-nos no carro, guiamos até Pacific Harbour e espreitamos o mercado local, um reduto comercial peculiar, estagnado por aparente falta de facturação e aquém do requinte plástico dos resorts em redor.
Ali, encontramos o exemplo perfeito de outro hobby histórico fijiano: o cabelo.
Canibalismo à Parte. A Obsessão dos Fijianos pelo Seu Cabelo
Rockodage Bello passa o espanador pela sua loja de antiguidades quando lhe perguntamos se a podemos fotografar. De dentro do vestido azul às flores, a senhora parece inchar de vaidade e implora apenas por alguns segundos para se arranjar.
Através de uma porta entreaberta, vemo-la a escovar o cabelo farto vezes sem conta perante um espelho antigo. E, quando pensamos que o embelezamento está terminado, Rockodage traz-nos uma cadeira e relembra, com graça inata, que ninguém está com pressa.
Passam-se mais dois minutos até que, por fim, lá ajeita uma pequena pluméria atrás da orelha e se apresenta, radiante, para a fotografia.
O peso do seu simbolismo desvaneceu-se com o tempo, mas o cabelo chegou a desempenhar um papel fulcral na sociedade fijiana. O tamanho das cabeleiras marcava a masculinidade do portador mas também a hierarquia social das aldeias.
Era sabido que o cabelo de um homem comum não podia ser maior que o do chefe e a cabeleira das mulheres teria que se manter inferior à dos seus maridos.
Tendo em conta estas convenções, alguns indígenas passavam horas em cabeleireiros locais tratando dos seus enormes capacetes capilares (às vezes com 30 cm) que tingiam com as suas cores e padrões preferidos.
A moda desvaneceu-se. Hoje, apesar de se encontrarem ainda enormes bolas capilares, exemplares tão volumosos como o de Rockodage tornaram-se raros.
Os que subsistem, cumprem, na perfeição, a sua função de impressionar.