O quase fim de uma viagem de três horas desde a Reserva de Vida Selvagem Majete reserva-nos uma inusitada surpresa. Percorremos a estrada nacional que faz de artéria venal de Zomba.
Detemo-nos junto ao Zomba District Council, no cerne histórico e administrativo da cidade. Dali, é suposto subirmos até ao Forest Lodge. Petal e Tom, o casal que o explora, tinha-nos avisado que as aplicações de GPS não davam conta do recado.
Orientamo-nos por uma sequência de indicações que nos começam a soar a caça ao tesouro.
Pela encosta do Planalto de Zomba acima, vencemos curvas e mais curvas, tomamos desvios atrás de desvios. Por fim, entramos na floresta que acolheu o lodge.

Falésias íngremes da meseta de Zomba
Abrigo com Vistas Grandiosas no Forest Lodge de Zomba
Pouco depois, estamos aos cuidados de Petal e Tom que nos põem a par do passado daquele domínio e das suas normas de sustentabilidade.
Expatriados, filhos da Grã-Bretanha que em tempos colonizou o Malawi, o casal comunga de um sentido de partilha comunitária, no emprego e na formação de malawianos que habitam em redor, por norma, sem grandes oportunidades.
Tom sai para uma reunião focada em transmitir modos de exploração das terras e das florestas alternativas ao corte sistemático e desregrado que há muito desfigura a região.
Nós, saímos à descoberta.
Por trilhos que nos revelam macacos que se banqueteiam com goiabas, dezenas de aves tropicais e cenários verdejantes a perder de vista coroados por alguns dos picos cimeiros do Malawi, incluindo um vislumbre nevoento do grande monte Mulange.

Vista a partir duma vertente próxima do Forest Lodge, acima da cidade de Zomba
O ocaso doura tudo em redor.
Receosos dos leopardos que Tom afiança já por ali ter visto, de dia, regressamos ao lodge. Jantamos que nem príncipes.
Entregamo-nos a uma amena cavaqueira com os anfitriões.

Petal, Tom e suas mascotes, no Forest Lodge de Zomba
Contam-nos que ambos tinham trabalhado em pubs de Southampton, que se tinham fartado e decidido visitar a família que Petal tinha no Malawi. Eram para ser três meses.
Acabaram por ficar.
Propuseram-se a recuperar o alojamento estatal antecessor do Forest Lodge, ao abandono, e que o governo do Malawi tinha aberto para concessão.
A recuperação da propriedade deu-lhes muito mais trabalho do que estavam a contar.
Ainda assim, continuaram-na, até conseguirem o actual lodge, com jardins e a tal floresta frondosa a envolverem uma casa de hóspedes, simples, mas decorada com critério, bela e amarela.

O Forest Lodge agora gerido por Petal e Tom, na vertente florestada acima da cidade de Zomba
Rumo às alturas da Meseta de Zomba
Foi lá que dormimos e despertámos. Re-energizados e apostados em sairmos para a descoberta de Zomba.
Começamos pelas alturas da sua meseta homónima, por uma caminhada à base das cascatas William’s por que se atira o esguio rio Mulunguzi.

As William Falls, queda do rio homónimo no cimo da meseta de Zomba
Pelo caminho, constatamos os efeitos da deflorestação numa paisagem que a população local tem delapidado para gerar o carvão essencial ao seu dia-a-dia.
Ainda assim, afluem àquelas paragens inúmeros caminhantes atraídos pelos longos trilhos circulares. Esperam-nos vendedores locais de minerais.

Vendedores de pedras, junto às William Falls
Sem o tempo que exigiam, revertemos rumo à base do planalto e à Zomba que, à chegada, nos tínhamos limitado a cruzar.
Pelo caminho, impressiona-nos nativos que descem do planalto para a cidade, sobrecarregados com troncos e estacas oscilantes.

Vista do lago Chilwa, situado a leste de Zomba, a norte do grande Lago Malawi, também conhecido por Niassa, do lado de Moçambique
O Caminho Inverso e Inclinado para a Zomba Cidade
Detemo-nos por várias vezes, na descida para o vale.
Sempre que o fazemos, passam por nós mais uns poucos, uns atrás dos outros, numa estranha caravana de penitência forçada pela sobrevivência.
Voltamos a parar. Compramos maracujás a um dos vendedores de fruta na beira da estrada.
Admiramos formações rochosas excêntricas, palmeiras-de-areca e acácias que despontam duma selva inclinada, densa, clorofilina, escurecida pelas nuvens e bátegas que ensopam o planalto com frequência.

Vegetação tropical numa vertente da meseta de Zomba
Do lado oposto da estrada e da vertente, perscrutamos o sul verde-pardo do Malawi com um casario alongado a salpicar o sopé de colinas mais próximas.
Voltamos a passar pelo desvio para o Forest Lodge.
Umas dezenas de meandros depois, reentramos na Zomba urbana que nos tinha atraído de tão longe.
Detemo-nos mesmo no fundo da descida. Dois ou três macacos apeados sobre um ervado devoram formigas de asa libertadas pelas recentes chuvas.
Nas imediações, acima de uma sebe de arbustos recortados, insinua-se um primeiro edifício colonial digno de atenção, com um frontão branco sujo e recortado.

O edifício colonial do Zomba Golf Club
Zomba, a Capital Colonial e Inaugural do actual Malawi
Erguido em 1923, esse edifício concentrou a vida social da cidade durante décadas a fio.
Agora, faz de sede do Zomba Gymkhana Club e dá acesso a um complexo desportivo, uma galeria de arte e café.
Um pouco mais abaixo, encontramos outro com pouco que ver.
Composto de tijolinho, o Zomba District Council resolve um sem número de questões administrativas e burocráticas.

O Zomba District Council, dito à prova de corrupção
Para que não restem dúvidas, acima de um pórtico duplo de entrada, tem bem escarrapachado o título de “Corruption Free Zone”.
Entre este concelho atarefado e o grande supermercado Chipiku, onde uma tal de Mkulicho Rd entronca na nacional M3, revela-se o domínio e a paragem frenética de todos os transportes, dos mini-buses ao estilo dos chapas moçambicanos, aos maiores autocarros.
Cruzamo-lo, a negarmos uma série apregoada de destinos com partida imediata.
Enquanto percorremos a M3, reparamos que uma armada de nuvens carregadas voltava a atacar a vertente do planalto.

Moradores conversam numa das entradas da grande mesquita de Zomba
Descemos uma Namiwawa Rd, de olhos postos na maior mesquita local, quando cai nova carga d’água. Sabíamos que o mercado de Zomba era coberto.
Mercado de Zomba, um Abrigo Providencial e Animado da Chuvada da Tarde
De acordo, corremos apontados ao seu abrigo.

Vendedor de artesanato, no mercado da antiga capital do Malawi
No interior, desvendamos todo um mundo étnico e comercial.
Retidos pela intempérie, interpelamos e fotografamos vendedores de especiarias, de fruta e vegetais, jogadores de ntxuva, comerciantes de arte malawiana e costureiros.

Vendedora de vegetais na sua banca Mulungu Alinafe
Entre outros.
A molha dá tréguas.
Retomamos o périplo recém-inaugurado, com o mesmo propósito de apurarmos o que fazia de Zomba uma cidade especial do Malawi.
Tribunal Supremo do Malawi, um Pouso Predilecto dos Macacos de Zomba
Procuramos a zona do Tribunal Supremo da cidade.
De novo, não tanto pelas suas funções actuais como pelas que desempenhou durante a época colonial.
À hora a que lá chegamos, dezenas de funcionários deixam o serviço apontados aos seus lares.
Sobre os muros, os telhados altos e pátios, dezenas de macacos cirandam e saltam de pouso em pouso, como se o complexo lhes pertencesse.

Macaco em busca de goiabas, na vertente florestada da meseta de Zomba
Habituados, os funcionários pouco lhes ligam, reagindo apenas quando se aproximam em demasia ou trepam para cima dos seus carros.
Esta inesperada coexistência deslumbra-nos. Para o que contribui a génese histórica do lugar.
Pode custar a acreditar a quem, como nós, passou pelas bem maiores cidades de Lilongwe e Blantyre.
Zomba foi a capital da África Central Britânica e do Protectorado de Nyasaland, até à independência do Malawi de 1964.

Jogadores concentrados nas contas exigentes duma partida de ntxuva
Na década que se seguiu, manteve-se a capital inaugural do Malawi.
Aquele mesmo complexo de edifícios invadido por símios funcionou como o Parlamento do Malawi, até 1994.
Só nessa data foi transferido para Lilongwe, a capital que sucedeu a Zomba.

Pedestres passam abaixo de um dos edifícios do Tribunal Supremo de Zomba
Com os derradeiros funcionários a deixarem o Tribunal, seguranças por ele responsáveis pedem-nos com timidez que paremos de fotografar e o deixemos.
Fazemos duas ou três últimas imagens. Cumprimo-lo.
Mudamo-nos para outras paragens.
Espreitamos a igreja presbiteriana de Zomba, a maior da cidade, concorrente de fé da grande mesquita.

A igreja de tijolinhos da CCAP – Igreja Presbiteiana da África Central
Memorial King’s African Rifles, monumento ao Passado Bélico de Zomba
No seguimento, procuramos outro monumento incontornável, o Memorial King’s African Rifles, à imagem da igreja presbiteriana e do City Council, erguido em tijolinho.
De novo poente, o sol doura a torre de relógio coroada por um pequeno telhado. O memorial louva um regimento, criado em 1902, composto por forças auxiliares britânicas.
Criado com a incorporação de soldados provindos das colónias de Sua Majestade da África Oriental, liderados, sobretudo, por oficiais britânicos e, durante um período posterior, por um número relevante de oficiais africanos.
O KAR, como é também conhecido, interveio nas duas grandes guerras mundiais e em vários outros conflitos africanos.
Após a independência das colónias britânicas, os batalhões do KAR estiveram na base das forças armadas dos países emergentes.
Como aconteceu com as malawianas, por ali presentes num plano acima na encosta e que continuam a justificar a proximidade do monumento.

A torre Memorial de Guerra dos King’s African Rifles
Escurece.
Voltamos a cumprir a gincana sinuosa até à floresta do Forest Lodge. Petal e Tom esperam-nos.
Servem-nos chás revigorantes. Trocamos histórias de vida.
Até que todos nos rendemos ao cansaço e ao sono. Na manhã seguinte, continuamos a conversa durante e após o pequeno-almoço.
Pouco depois, partimos para as margens do rio Shire, com destino final no fabuloso Parque Nacional Liwonde.
Onde Ficar
Telf. e Whats App: +265 (0) 888 573 325 ou +265 (0) 884 901 709
e-mail: [email protected]
Mais Informações sobre o Malawi