A margem do rio em que aguardamos reflecte a realidade climatérica daquelas paragens do sudeste de África.
Num ano de chuvas copiosas, também no sul da Tanzânia e na maior parte do Malawi, o Chire flui inflamado. Só não invade a propriedade ajardinada do Hippo View Lodge porque a protege um muro a sério.
Cruzamo-lo para um pequeno embarcadouro improvisado.
Zarpamos num barco de fundo raso, com tejadilho. Salvo essa cobertura providencial, aberto em redor, panorâmico à altura dos cenários fluviais grandiosos em que nos vemos. Inauguramos a navegação sob um manto de nuvens lilases que mantém o ar pesado.
Avistamos pequenos lugarejos, aglomerações de cabanas tradicionais e de curralejos de pau-a-pique na companhia de embondeiros. Passamos por pescadores dessas aldeolas que recolhem redes para bordo de barcos tradicionais.
Metemo-nos por canais amplos formados por capins e papiros que as chuvas fizeram crescer mais que o esperado. Avançamos por um deles, quando o timoneiro recebe uma chamada.
De Volta ao Hippo Lodge à Mercê da Meteorologia
Faltavam dois passageiros. Tínhamos que voltar ao Hippo View Lodge. Como se não bastasse, as nuvens soltam a já esperada bátega.
Os pescadores estranham ver-nos de novo. Bem mais que a chuvada densa que os encharca.
Na terceira passagem por eles, com a lancha ainda mais carregada, o sol já dá de si.
Em meros vinte minutos, irrompe.
Faz resplandecer uma imensidão alagada cada vez mais vasta, de visual lacustre exótico.
Grandes caravanas de cumulus nimbus, alguns com quilómetros da base ao cimo estendem-se além e acima de colónias anfíbias de palmeiras-de-leque.
O timoneiro mantem-se de olho na distância. Aqui e ali, recorre a uns binóculos diminutos que se provam acessórios.
A Fauna Prolífica do PN Liwonde
À medida que subimos no mapa, avistamos inúmeros animais de grande porte. Hipopótamos às dezenas, disseminados entre ilhéus verdejantes.
Tantos ou mais elefantes.
Alguns, em manadas; uns poucos, sós, em incursões balneares a partir da terra firme a leste do rio.
Detemo-nos várias vezes para admirarmos hipopótamos.
Numa delas, na iminência de duas árvores vítimas da inundação, pousos desfolhados de centenas de corvos-marinhos.
Chegada a Chiwambo e ao Mvuu Wilderness Lodge
Por fim, decorridas quase três horas de um estimulante safari fluvial, avistamos o ancoradouro de Mvuu, à entrada do lodge e acampamento que nos ia acolher à descoberta do Parque Nacional Liwonde.
Dois funcionários saúdam os passageiros.
Logo ao seu lado, na base de uma eufórbia portentosa, uma placa de madeira dá-nos as boas-vindas, em inglês.
Um remate no seu fundo clarifica ao que íamos. “Beware of Wild Animals”, ilustrado pela imagem de um hipopótamo.
Parte dos passageiros, segue para o acampamento. Nós, e outros, para o lodge que ficava mais distante da margem e da doca.
Avançamos até à secção comunal do Mvuu Wilderness lodge, um conjunto de edifícios erguidos em madeira, colmo e outros materiais orgânicos, com uma elegância étnica e tradicional malawiana irrepreensível.
Para mais, instalados mesmo à beira do Chire.
Servidos por passadiços sobre a água que o rio extrapolado mantinha, em parte, submersos.
Uma Vida Selvagem que não Perdoa Desleixos
Refrescamo-nos à sombra da sala de refeições, quando Cláudia, a manager, nos transmite algo crucial.
“Durante o dia, quem vai ficar das tendas 1 a 4, pode deslocar-se a pé, mas sempre escoltado por alguém do lodge. Da 5 à 9, já só transportados de jipe!”
Íamos ficar na 5.
Depressa percebemos o porquê de tais cuidados. A tenda ficava na orla de uma planície aluvial arenosa, pejada de palmeiras-de-leque e de embondeiros.
Nesse mesmo fim de tarde, no início do safari inaugural, reparamos que os funcionários do parque tinham embrulhado a base dos embondeiros com uma rede.
Os responsáveis eram os elefantes que adoravam arrancar e comer as suas cascas, retentoras de água e sais-minerais e fibrosas.
Guiavam-nos os rangers Emmanuel e Jinna. Emmanuel conduz-nos entre inhacosos, cudos, manadas de zebras e de impalas.
Por bandos de babuínos rufias e varas de javalis-africanos.
Um Bando de Leões Surpreendido. E, Logo, Ensonado
Tanto ele como a colega, estavam conscientes da urgência de nos revelarem o máximo de predadores do parque.
Ao chegarmos ao extremo sul da planície, na iminência das árvores da febre, acácias e outras que formam a floresta local, fazem dos predadores a sua prioridade.
Levam-nos ao cimo de uma orla que desvela um caudal que tem areais como margens.
Ao contemplarmos o rio por diante, não vemos sinais de animais.
Até que, do nada, três leões juvenis aparecem da base da orla, assustados com o ruído que o jipe fizera a subi-la. Intrigados, cruzam para a margem oposta.
Junta-se-lhes uma progenitora segura do seu poderio.
Os leões percebem que não tinham com que se preocupar. Contemplam-nos, por algum tempo.
Deitam-se na areia e ao sol, num óbvio esforço para se manterem acordados.
Deambulamos pelo interior verde-bílis da floresta, encantados com o esvoaçar e saltitar dos calaus.
Emmanuel inaugura o regresso à beira do Chire. A oeste, o sol já se insinuava entre as árvores.
Detemo-nos à beira do rio.
Piquenique Sundowner numa Beira Deslumbrante do rio Chire
Os guias asseguram-se de que não andam por ali leões, leopardos, elefantes ou hipopótamos.
Enquanto montam a banca do piquenique sundowner sobre o capô do jipe, lembram-nos que só o nosso bom-senso podia evitar que o entusiasmo fotográfico nos levasse à boca dos crocodilos.
Tínhamos fortes razões para sermos incautos.
O ocaso fazia da superfície alisada do rio um reflexo do céu fogueado, das formas e silhuetas caprichosas das palmeiras-de-leque e dos braços para o ar dos embondeiros.
Sobrevoavam-nos garças e bandos de corvos-marinhos. À distância, o roncar dos hipopótamos enriquecia uma banda sonora a que se juntavam incontáveis rãs e sapos.
Envolve-nos o escuro.
Fora do jipe, deixamos de estar em segurança.
Os guias convocam-nos para um game drive iluminado por um foco potente que Jinne manipula, em busca das criaturas nocturnas do parque.
Encerramo-lo de retorno ao lodge. Logo, em volta de uma fogueira comunal que aquece conversas de babel sobre os avistamentos e aventuras.
As do dia.
E as vividas pelos convivas de baixo a cima do Malawi. E vice-versa.
Novo Dia, novo Game Drive
A saída madrugadora prenda-nos com mais leões e manadas de elefantes. E com um pequeno-almoço ensolarado à beira do Chire, sem surpresa, de novo entre hipopótamos e inhacosos em modo anfíbio.
Por aquela altura, estávamos rendidos à profusão e exuberância da fauna do Parque Nacional Liwonde.
Prodigiosa a dobrar, na forma como recuperou, num tempo relativamente curto, de uma quase certa aniquilação.
À imagem do sucedido na Gorongosa (sem a componente da guerra civil) e em tantas outras partes de África, aquela vastidão banhada pelo Chire tornou-se um território sem rei nem lei.
Parque Nacional Liwonde: da incúria Destructiva à Recuperação Fulminante
As gentes locais e outras vindas de mais longe alvejaram-na.
A certo ponto, tinham sido colocadas mais de 40.000 armadilhas e boa parte dos animais eram considerados como para capturar ou abater, como uma espécie de lucro garantido.
Nalguns casos, os dos rinocerontes, dos elefantes e de alguns predadores, de grande quantidade de dinheiro, mesmo que sujo, encharcado de sangue.
Por volta de 2015, o DNPW (Departamento dos Parques Nacionais e Vida Selvagem) malawiano rendeu-se as evidências de que não conseguia controlar, muito menos recuperar o parque.
Envolveu os African Parks, uma ONG com base em Joanesburgo, experiente em reabilitar áreas selvagens supostamente protegidas.
As armadilhas foram removidas e colocados rangers a vigiar as fronteiras da reserva, remunerados e recompensados de forma estimulante.
Em conjunto com as autoridades nacionais, os African Parks re-introduziram e protegeram da caça furtiva espécimes das espécies mais ameaçadas, incluindo rinocerontes-negros.
Em menos de dez anos, abastecido de antílopes, o parque acolheu chitas, leões e até mabecos que se juntaram a uma população de elefantes e hipopótamos de novo crescente.
Um Ecossistema beneficiado pela Água Abundante do vasto rio Chire
Este conjunto de animais em particular, a par com os cenários grandiosos das margens do Chire, garantiram o interesse de milhares de visitantes do sul de África.
Nem os dois anos da Pandemia travaram uma recuperação que prossegue a bom ritmo.
Os hipopótamos, em particular, partilham as águas e margens do Parque Nacional Liwonde num número impressionante. São, aliás, a razão de ser do nome xona do lodge: Mvuu.
Nessa tarde, zarpamos da mesma doca em que tínhamos chegado, de volta ao Chire.
Emmanuel toma conta do leme, com a missão de nos deslumbrar com os panoramas do rio a montante do lodge.
Ainda e sempre, entre grupos de hipopótamos habituados à navegação de embarcações, que permitiam aproximações que nos deixavam apreensivos.
O fim da tarde gera novo ocaso fogoso. Um esquadrão de martins-pescadores detecta uma profusão de pequenos peixes revelados pelo avanço do barco.
Durante um quarto de hora, admiramo-los compenetrados em focarem os alvos e a sobre eles mergulharem a contento.
Até que o sol se desfaz atrás de uma floresta ribeirinha de palmeiras-de-leque. O escuro tão pouco condizia com a navegação rio abaixo.
Desembarcamos na doca. Apontamos à sala de refeições e ao derradeiro jantar à beira do Chire. Na manhã seguinte, sob um sol do pino do Estio malawiano, retornamos à casa de partida.
Chegados ao Hippo View Lodge, inauguramos uma viagem por estrada até ao corpo de água supremo do Malawi: o seu grande lago homónimo.
Como Ir
Voe para Lilongwe via Maputo, com a TAP Air Portugal: flytap.com/ e a FlyAirlink.
Onde Ficar
Mvuu Lodge: cawsmw.com/mvuu-lodge e-mail: [email protected]
Telf.: +265 888 822 398
Mais Informações
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