Mérida, Venezuela

A Renovação Vertiginosa do Teleférico mais Alto do Mundo


Mais “Peligro”
Mais um aviso de segurança na proximidade do Pico Espejo
Ascensão em espera
Funcionários aguardam no interior de uma cabine de trabalho que serve a reconstrução do teleférico.
Viagem Vertiginosa
Operário sobe em direcção ao Pico Espejo num monta-cargas temporário.
A Cabine Patriota
A única cabine definitiva e, à data, em funcionamento no novo sistema, decorada com as cores da bandeira venezuelana.
O Grande Nada
Cabos do teleférico somem-se nas nuvens que invadem a Sierra Nevada de Mérida
El Páramo
Prado típico dos Andes Venezuelanos (Páramo) e uma das lagoas acima da estação de Loma Redonda
Vista emoldurada
Cenário das montanhas para lá do Vale de Mérida através de uma janela do refeitório das obras do teleférico.
Jairo Alarcón
Jairo Alarcón, um dos muleiros de Los Nevados.
Caravana de Muleiros
Muleiros aproximam-se da estação de Loma Redonda, vindos da aldeia de Los Nevados.
A Caminho do topo
Trabalhador desembarca de um dos monta-cargas usados na renovação do teleférico
Pico Espejo Nevado
Cumes com alguma neve do Pico Espejo, a 4765 metros de altitude
Torres de aço
Estruturas de torres para o novo teleférico
Camino con Seguridad
Trabalhador repousa junto a uma tarja que adverte para a importância da segurança.
Peligro, Peligro, Peligro
Operários trabalham numa plataforma do teleférico
Trio do Trabalho
Operários trabalham sob uma roldana do teleférico
Trabalho de armação
Operários constroem uma armação para suporte de betão
Cabines descartadas
As cabines descartadas do antigo sistema de teleférico de Mérida.
Virgen de las Nieves
Visitante fotografa a estátua da Virgen de Las Nieves, empoleirado acima dos penhascos em redor do Pico Espejo
Vista sobre o precipício
Montanhista observa o precipício coberto de névoa a partir de um gradeamento em redor da estátua da Virgen de Las Nieves.
Em execução a partir de 2010, a reconstrução do teleférico de Mérida foi levada a cabo na Sierra Nevada por operários intrépidos que sofreram na pele a grandeza da obra.

Estávamos por Mérida pela segunda vez.

Em Dezembro de 2004, a cidade acolhia centenas de jovens viajantes e expatriados. Atraíam-nos as caminhadas e actividades radicais nos cenários preservados da Sierra Nevada, no extremo norte da grande cordilheira sul-americana que, em 1960, a construção do sistema de teleféricos local tornou mais procurada e acessível que nunca.

Mas, ao aproximar-se dos 50 anos de vida, o sistema de teleférico recordista (12.6km de extensão dos 1640m aos 4765m de altitude) chegava ao fim da sua vida útil.

Teleférico de Mérida, Renovação, Venezuela, Cabines antigas

As cabines descartadas do antigo sistema de teleférico de Mérida.

Em 2008, o grupo austríaco Doppelmayr entregou ao Ministério do Turismo venezuelano um relatório que recomendava que não deveriam ser feitas mais reparações. Em Agosto, o serviço do teleférico foi encerrado sem prazo de reabertura. Com óbvio dano para a economia de Mérida, habituada às verbas ali deixadas pelos forasteiros.

Passaram-se quase dois anos. Nesse período, a empreitada de reconstrução foi entregue à Doppelmayr.

No fim de 2010, iniciaram-se os trabalhos que ainda prosseguiam a meio de Outubro de 2013, em simultâneo com a FITVEN 2013, a feira internacional que o Ministério de Turismo atribuiu a Mérida, com o propósito principal de reconquistar notoriedade para a região e para o novo teleférico.

A Ascensão ao Pico Espejo a bordo do Teleférico em Renovação

Numa de várias manhãs soalheiras, madrugamos com o objectivo de contribuirmos. Viajamos do limite da cidade até à calle 24 Rangel e ao Parque Las Heroínas. Devido à inactividade do teleférico e à situação instável da Venezuela,  encontramo-la sem sinal da vida cosmopolita e frenética que lhe conhecíamos.

Uma comitiva de responsáveis pela obra, pela comunicação do projecto e da Protecção Civil acolhe-nos. Aguardamos com vista para o vale abrupto em que flui o rio Chama e para a encosta imponente da Sierra Nevada de Mérida.

Teleférico de Mérida, Renovação, Venezuela, vista do refeitório

Cenário das montanhas para lá do Vale de Mérida através de uma janela do refeitório das obras do teleférico.

São exaustivas tanto as boas-vindas como os briefings informativos e de segurança. Superados os pró-formas, o grupo é dividido, dotado de capacetes e conduzido à doca de acostagem dos monta-cargas usados na obra.

Reparamos que José Gregório Martínez, o presidente da empresa Venezuelana de Teleféricos, anda de braço ao peito. Tentamos não ver no seu gesso um prenúncio e subimos a bordo da primeira caixa de ferro que ali aporta. Colocadas as correntes que separam os 16 passageiros do abismo, ficamos entregues ao destino.

Teleférico de Mérida, Renovação, Venezuela, Cabine

A única cabine definitiva e, à data, em funcionamento no novo sistema, decorada com as cores da bandeira venezuelana.

O monta-cargas sobe com um ruído estridente. Primeiro sobre o casario abarracado às margens do rio Chama. Logo, sobre a vegetação exuberante do sopé da serra. O avanço não é contínuo. A espaços, a cabine detém-se e deixa-nos apreensivos e em silêncio. “Tivemos um furo”, não resiste a atirar Júlio Debali, um uruguaio em permanente modo humorístico.

Ao riso, volta a suceder-se o silêncio. Jayme Bautista, o mais incansável dos comunicadores anfitriões, sente o desconforto partilhado. Pede a um outro funcionário que explique o porquê de tão suspeita imobilização.

Teleférico de Mérida, Renovação, Venezuela, trabalho selado

Operários trabalham numa plataforma do teleférico

Este, entrega-se a um ensaio verborreico inspirado na fluência insípida dos superiores e responsáveis que se acostumara a escutar: “Muy bueno, les comento el seguiente: el detalle és que la torre que acabamos de passar, la N, tiene cables en posición negativa, de la manera como estan, hacen fuerza para arriba y tienen que equilibrarse con la torre. Por eso és que hay que pasar despacio, porque sino se puede descarrilar.”

O grupo pouco ou nada compreende. Indiferente, Júlio Debali aproveita para acrescentar outras das suas sempre bem-vindas piadolas cirúrgicas. “OK. Mas tem pára-quedas isto?”

O susto passa. Não tardamos a sair para a primeira estação.

Teleférico de Mérida, Renovação, Venezuela, armação para betão

Operários constroem uma armação para suporte de betão

A Pé, Montanha Acima, Rumo à Loma Redonda da Sierra Nevada

Desembarcados, vencemos trechos pedestres. Atravessamos distintos estaleiros de obras e cruzamo-nos com trabalhadores espantados pela inesperada invasão. Até que chegamos à antiga estação de Loma Redonda. Dali, tentamos localizar o Pico Bolivar (4981m), o tecto da Venezuela.

Teleférico de Mérida, Renovação, Venezuela, Pico Espejo

Cumes com alguma neve do Pico Espejo, a 4765 metros de altitude

Os cumes da Sierra Nevada revelam-se ligeiramente nevados e na iminência de se sumirem nas nuvens que espreitam por detrás. Caminhamos entre incontáveis frailejónes (Espeletia pycnophylla), com vista para as lagoas Los Anteojos, assim chamadas pela similitude com um par de óculos.

Teleférico de Mérida, Renovação, Venezuela, Páramo

Prado típico dos Andes Venezuelanos (Páramo) e uma das lagoas acima da estação de Loma Redonda

Em três monta-cargas distintos, numas dezenas minutos, tínhamos subido dos 1600 metros de Mérida para cima dos 4000. Além de gélido, o ar revelava-se rarefeito a condizer. Faltava ainda a ascensão para as alturas agrestes do Pico Espejo.

Este trecho derradeiro foi o único realizado num monta-cargas fechado, também à pinha. Provou-se bem mais extremo que os anteriores.

Teleférico de Mérida, Renovação, Venezuela, monta-cargas

Operário sobe em direcção ao Pico Espejo num monta-cargas temporário.

O Mal-da-Montanha de Que nem a Virgen de Las Nieves Salva o Grupo

Desembarcamos para um trilho enlameado e nevado. Avançamos, em ritmo lunar, até ao miradouro abençoado pela estátua da Virgen de Las Nieves, a patrona dos montanhistas. Dali, para baixo, envoltos numa névoa veloz, não percebemos sequer o abismo, apenas os rochedos imediatos que o anunciam.

Teleférico de Mérida, Renovação, Venezuela, Montanhista em miradouros

Montanhista observa o precipício coberto de névoa a partir de um gradeamento em redor da estátua da Virgen de Las Nieves.

No regresso ofegante e zonzo ao monta-cargas, Henry Toro, um guia com visual indígena, ele próprio ex-montanheiro, apresenta-nos Jesus López.

Louva esta figura da renovação do teleférico e de outros projectos na montanha que admirava em especial, entre todos os trabalhadores: “O pessoal conhece-o como Yeti, vejam lá, tal é o tempo que este homem passa aqui em cima.”

De um varandim próximo, avistamos aquela que é considerada a praça mais elevada da Venezuela. E a estátua do comandante-supremo Francisco de Miranda, um dos grandes libertadores e heróis históricos dos venezuelanos, a par do seu sucessor, quase-divino Simón Bolívar.

Estávamos havia quase meia-hora a 4765 metros, desprovidos de uma aclimatização prévia condigna. Tal como a Protecção Civil previa, alguns dos visitantes já se ressentiam. O regresso no monta-cargas teve, assim, que ser abreviado. De volta à Loma Redonda, os cérebros em apuros tiveram que ser oxigenados.

Teleférico de Mérida, Renovação, Venezuela

Cabos do teleférico somem-se nas nuvens que invadem a Sierra Nevada de Mérida

Loma Redonda era a estação de onde, em 2004, havíamos iniciado a caminhada montanha abaixo em direcção a Los Nevados.

O Regresso Abreviado à Segurança de Mérida

Nessa ocasião, um pequeno batalhão de proprietários de mulas habitantes dos pueblos em volta alugava os seus animais e serviços aos passageiros recém-chegados de Mérida. Quando desembarcamos, percebemos que o Ministério do Turismo venezuelano lhes tinha devolvido essa missão para que transportassem a comitiva de visita.

Teleférico de Mérida, Renovação, Venezuela, muleiros

Muleiros aproximam-se da estação de Loma Redonda, vindos da aldeia de Los Nevados.

Percorremos de mula apenas a parte inicial do trilho que conduzia ao pueblo ainda distante.

O suficiente para nos recordarmos do resto do caminho e convencermos Jairo Alarcón – um dos nativos trajado a rigor e mais fotogénico – a protagonizar uma curta sessão fotográfica.

Teleférico de Mérida, Renovação, Venezuela, muleiro Jairo Alarcon

Jairo Alarcón, um dos muleiros de Los Nevados.

A tarde já vai a meio. Desmontamos. Pouco depois, damos início à descida. Interrompemo-la para um almoço tardio no refeitório dos trabalhadores, instalado na terceira estação.

Após o repasto, ouvimos uma longa apresentação sobre o teleférico e instalamo-nos para assistir à projecção de um filme.

Henry Toro adianta-nos que muitos dos trabalhadores tinham chorado de emoção quanto assistiram a “En lo Más Alto” pela primeira vez.

Teleférico de Mérida, Renovação, Venezuela

Mais um aviso de segurança na proximidade do Pico Espejo

Nuns poucos minutos, sentimos como o documentário, épico e nacionalista, elevava o significado das suas contribuições.

Estava em causa o teleférico mais longo e mais alto do Mundo que a sempre conturbada Venezuela estava determinada a refazer.

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